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Thiago Stivaletti

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Em clima de 'Jogos Mortais', 'Todas as Flores' passa do ponto na reta final

Vanessa (Letícia Colin) tortura a mãe Zoé (Regina Casé) em "Todas as Flores" - Reprodução/Globoplay
Vanessa (Letícia Colin) tortura a mãe Zoé (Regina Casé) em "Todas as Flores" Imagem: Reprodução/Globoplay

Colunista do UOL

01/06/2023 12h58

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Como uma novela que começou com uma linda mocinha florista, com flores em seu nome, pôde terminar num filme de terror sangrento? João Emanuel Carneiro deu vazão a todos os seus delírios em "Todas as Flores", a segunda novela exclusiva do streaming da Globoplay, que termina nesta quinta. Nesta última semana, a história de Maíra (Sophie Charlotte), Vanessa (Letícia Colin) e Zoé (Regina Casé) virou um terror digno de "Jogos Mortais", trocando a sala do Jigsaw por um buraco dentro de uma mansão em Angra dos Reis. A gritaria entre as duas últimas se tornou ensurdecedora; foi preciso abaixar o volume da TV.

Difícil não concluir que "Todas as Flores" passou do ponto nesta reta final. A novela elencou uma série de absurdos, como o playboy Rafael (Humberto Carrão), que nunca tinha pegado uma arma na vida, e o pobretão Diego (Nicholas Prattes) conseguindo desbaratar sozinhos a "perigosa" quadrilha de tráfico humano numa fazenda distante, imobilizando capangas altos, fortes e armados que pareciam saídos de um esquete dos Trapalhões. Depois de cair do segundo andar da mansão e quebrar as duas pernas, a vilã Zoé conseguiu se arrastar por uma bela distância de um quilômetro ou mais, saindo da casa até chegar à estrada de Angra. E por aí vai.

Outro grave pecado da novela foi eliminar bem antes do final dois vilões importantes da primeira parte: Samsa (Ângelo Antonio), o chefão da organização, e sua mulher e sucessora Débora (Bárbara Reis). Os dois morreram e foram substituídos pela mãe de Samsa (Denise Weinberg) e, nos últimos capítulos, pelo playboy canastrão Olavo (André Loddi). Essa troca enfraqueceu toda a parte ligada à tão temida Organização.

A seguir, outros elementos que bombaram e floparam na novela:

Vanessa e Zoé - Todo mundo já sabia que Letícia Colin e Regina Casé são grandes atrizes, e não foi surpresa ver elas arrasando em suas primeiras vilãs. Colin foi a primeira a entender todo o absurdo da trama de Carneiro e atuar na mesma medida, levando a sua Vanessa aos limites do absurdo também. A cena em que bebe cachaça num bar da Lapa e delira que está nadando e mergulhando em dinheiro virou meme que vai durar por uns bons anos nas redes. E Regina sabia dar a dose certa de humor pra Zoé, que ficou longe de ser uma Carminha, mas tinha seu charme em toda cena.

O concurso da Rhodes - Do nada, enquanto as histórias da novela pegavam fogo, os bonitões se reuniam de repente para o tal concurso de beleza da Rhodes, com Diego, Pablo (Caio Castro), Javé (Jhona Burjack) e outros desfilando sem camisa para o momento libido e testosterona de cada capítulo. Eles eram bonitos de ver, mas o desfile cortava totalmente o andar das tramas.

Mocinha e mocinho, pero no mucho - João Emanuel Carneiro sempre foi bom em criar mocinhas que não têm nada de ingênuas, ou são bobinhas só até o circo pegar fogo, e depois viram anjos vingadores - é só lembrar da Nina de "Avenida Brasil". Maíra decidiu se vingar de Zoé na mesma moeda, e chegou a comprar crianças que seriam vendidas pelo tráfico para prejudicar a mãe. Mas a melhor virada foi de Rafael, que se empenhou de cabeça em desbaratar a Organização, deu o troco bonito na ex-noiva falsa Vanessa e ainda reergueu a própria empresa, ainda que não tenha disfarçado o seu lado neoliberal - ele disse algumas vezes: "os funcionários estão sendo ótimos, abriram mão de parte do salário para ajudar a reerguer a Rhodes".

Por outro lado, Pablo e seu pai Humberto (Fábio Assunção) não tiveram uma boa evolução. De inteligência limitada, Humberto não deu uma dentro a novela toda, e era manipulado sem critério por Zoé. Pablo cansou ao ficar o tempo todo entre Maíra e Vanessa, ora bancando o mocinho e tentando salvar o bebê da primeira, ora compactuando com a vilã mesmo quando já estava cansado dela.

A Organização - Um filme policial consegue manter a dignidade, mas uma novela com trama policial é algo bem mais difícil de fazer. Em "Todas as Flores", Carneiro dobrou a aposta que já tinha feito em "A Regra do Jogo", com uma Organização mafiosa de tráfico humano situada numa fazenda distante. Muitas cenas soaram fracas ou absurdas demais. O autor quebrou um dos mandamentos sagrados da novela: o de que toda cena precisa de ao menos um ator veterano. O excesso de atores iniciantes e figurantes, sobretudo nas cenas da fazenda, enfraqueceu o conjunto.

Mauritânia e Brenda - A ex-atriz pornô que de repente virou sócia rica da Rhodes foi um papel feito sobre medida pra Thalita Carauta, uma atriz que merece cada vez mais espaço - ela já está escalada como uma das sete amigas no futuro remake de "Elas por Elas". Mauritânia causava com suas roupas superdecotadas e a sua decisão de encher a Rhodes de rapazes seminus; pena que perdeu força na segunda metade. E sua filha Brenda (Heloisa Honein) também brilhou com uma mistura de sedução, malandragem e vício absoluto em ver seu corpinho nas redes sociais.

A divisão em duas partes - Ao contrário de "Verdades Secretas 2", que foi lançada de forma contínua, "Todas as Flores" parou em dezembro e ficou três meses em suspenso, até voltar em abril. Os mais apegados sofreram crise de abstinência, mas a segunda parte demorou a engatar e não teve a mesma repercussão da primeira. A decisão privilegiou o BBB, que domina as atenções nos primeiros três meses do ano, mas não fez bem à novela.