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Thiago Stivaletti

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Barbie, Xuxa, Balão Mágico: por que amamos viver no passado?

Ken (Ryan Gosling) e Barbie (Margot Robbie) no filme de Greta Gerwig - Divulgação
Ken (Ryan Gosling) e Barbie (Margot Robbie) no filme de Greta Gerwig Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

22/07/2023 04h00

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Como a gente era feliz nos anos 1980 e 1990 — e não sabia. Ou sabia, tanto faz. Se julgarmos pelos últimos sucessos no cinema e no streaming, é bom demais viver no passado, sempre melhor e mais atraente que um presente cheio de contas para pagar e ansiedade bombando nos aplicativos e nas redes sociais.

Chego ao cinema de um shopping para ver "Barbie" na última quinta. No elevador, era o único que não estava vestido de rosa da cabeça aos pés. Em volta de mim, duas meninas de 15 anos com pinta de influenciadora, um rapaz um pouco mais velho e uma mulher de 40 e poucos. Todos com o olhar ansioso para ver o filme dali a alguns minutos.

"Barbie" entrega o que prometeu. É uma comédia cheia de diálogos antenados com os ventos de 2023, exalando empoderamento feminino, crise do macho e novas identidades a cada cena. E o principal: "Barbie" é um filme sobre uma criatura que não tem mais lugar no mundo hoje, uma vez que não é legal martelar o ideal de uma mulher branca, loira e magérrima para meninas do mundo inteiro. Mas será que ela não tem lugar mesmo? O sucesso do filme parece dizer o contrário.

Trio - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Xuxa, Eliana e Angélica juntas na Globo
Imagem: Reprodução/Instagram

No Globoplay, uma série documental sobre Xuxa produzida por Pedro Bial promete imagens raras de arquivos e algumas revelações sobre a rainha dos baixinhos que encantou crianças (e muitos adultos) nos anos 1980 e 1990. Nos dois primeiros episódios, já pudemos rever nossa loirinha ralando sozinha na Manchete, tendo que cuidar de mais de 30 crianças sozinha, sem as paquitas que só vieram depois na Globo.

Também vemos imagens dos programas que ela apresentou em TVs da Argentina e dos EUA — sim, ela devia dormir muito pouco. Em depoimento atual, Xuxa praticamente pede desculpas pelo fato de as paquitas (ou Barbies?) serem todas loiras, enquanto milhares de meninas de todas as cores e cabelos sonhavam em cantar e brincar de chapéu de soldadinho de chumbo ao lado dela.

"A gente não via como discriminação, nem como preconceito, nem como racismo, nem como errado. Era uma coisa tão natural (...). Essa posição, hoje eu vejo como um erro", ela se questiona hoje com 60 anos.

Em outro streaming, do Star+, Simony, Jairzinho e outros da trupe do Balão Mágico, cujo sucesso veio logo antes de Xuxa, também aparecem nos seus 40 e tantos anos relembrando fatos e polêmicas da época.

Na Netflix, outra série documental relembra toda a carreira de Arnold Schwarzenegger, astro de "O Exterminador do Futuro" e outros blockbusters de uma época em que a testosterona era rainha de boa parte do que se produzia em Hollywood. Uma época em que ninguém dava muita bola para as poucas vozes que ousavam questionar o quanto uma certa virilidade pode ser nociva para todo o resto da humanidade — a tal da masculinidade tóxica.

E por que todo esse túnel do tempo que nos transporta para três ou quatro décadas atrás faz tanto sucesso? Talvez porque a nossa memória seja hiperseletiva, e a gente guarde apenas o lado bom das coisas que também tinham o seu lado ruim na época.

Ou porque o nosso eu de hoje, mais consciente de toda a problematização do que se produzia antes, olhe com um certo escárnio para aqueles espectadores ingênuos que um dia fomos. Ou ainda porque todos esses ícones de antigamente hoje soltam o verbo e confessam coisas que na época jamais poderiam ser ditas. Ou porque simplesmente ainda não havia a internet nem as redes sociais, e éramos bem menos ansiosos.

Meu medo é que a gente apenas tenha saudade de tempos mais cegos, em que não se enxergava os mil problemas que hoje vemos na cultura de massa. É triste, mas até a nostalgia pode ser perigosa.