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Thiago Stivaletti

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Série brasileira da Amazon prova que streaming não sobrevive sem novela

Miguel Falabella e Monica Iozzi estrelam "Novela", nova série cômica produzida pelo Porta dos Fundos - Divulgação
Miguel Falabella e Monica Iozzi estrelam 'Novela', nova série cômica produzida pelo Porta dos Fundos Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

04/08/2023 12h00

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O mundo dá voltas. Quando era criança, não tinha mais nada "mainstream" que uma novela de televisão. Nos anos 1980 e 1990, era o produto de massa por excelência, consumido por um público de todas as idades. Lançava as músicas que a gente ia ouvir nas rádios, as roupas e o corte de cabelo que as mulheres (e às vezes os homens) iam usar.

Corta para 2023. Netflix, Amazon Prime Video, HBO Max e outras plataformas despejam filmes e séries gringas toda a semana em seus catálogos. Antes desprezada pela esquerda, de repente a novela virou tudo o que ela mais preza: um produto de resistência nacionalista contra a dominação estrangeira.

Globoplay é uma séria ameaça à dominante Netflix porque tem uma arma superpoderosa que os outros não têm: novelas antigas, que acionam o botão da nostalgia num piscar de olhos. Não à toa, Netflix e HBO Max planejam suas novelas já há uns bons anos — a primeira escalou Juliana Paes e Vladimir Brichta para o seu "melodrama", e a segunda tem Camila Pitanga como trunfo.

Mas os projetos ainda não saíram do papel porque esbarram numa dura realidade: ao contrário das séries, novelas são produtos de longo prazo, que exigem um elenco de no mínimo 60 pessoas, cenários fixos e o principal: fidelização do público. Em todos esses quesitos, os streamings estrangeiros são principiantes perto da Globo, rainha das novelas há quase 60 anos.

A Amazon foi mais esperta: na impossibilidade de levantar uma novela, encomendou uma série chamada "Novela", que estreou na semana passada. Monica Iozzi vive Isabel, uma autora iniciante do gênero que tem suas ideias roubadas por Lauro Valente (Miguel Falabella), um autor já consagrado, mas que não anda em seus dias mais criativos.

Para recriar esse universo amado por tantos brasileiros, o primeiro trunfo é reunir atores que cansamos de ver nas novelas da Globo: além de Iozzi e Falabella, temos Marcello Antony, Suzy Rêgo, Herson Capri e Tarcísio Filho — vale lembrar, filho de Tarcísio Meira, o maior galã de novelas da história.

Um projeto da produtora do Porta dos Fundos, que aqui faz o seu melhor trabalho de fôlego mais longo, distante das esquetes de três minutos no YouTube, "Novela" extrai humor de uma situação fantástica: revoltada, Isabel cai dentro da trama da própria novela que inventou, substituindo a protagonista, a ex-BBB Grazi (Maria Bopp) — o nome da personagem não tem nada de coincidência.

Nesse universo, ela vai se deparar com o galã lindo, porém canastrão (Caio Menck); se envolver numa história de gêmeos, um clássico do gênero (Antony); descobrir que, quando uma novela não está no ar, as luzes se apagam e os personagens aguardam em repouso como se estivessem na geladeira; e outras brincadeiras. Em paralelo, na vida real, Mauro tenta desfazer o caos em meio às brigas de bastidores que permeiam nove entre fez novelas.

Não faltam cenas que prestam tributo a momentos inesquecíveis da nossa dramaturgia, como a briga com torta na cara de "Guerra dos Sexos", o galã rebelde tirando toda a roupa para renegar a riqueza da família em "O Astro" (2011) e a escada assassina de Nazaré Tedesco em "Senhora do Destino" (2004-2005) —ambos produtos da Globo.

Monica Iozzi em "Novela", nova série brasileira do Prime Video - Amazon/Divulgação - Amazon/Divulgação
Monica Iozzi em 'Novela', nova série brasileira do Prime Video
Imagem: Amazon/Divulgação

"Novela" tem um roteiro eficiente, mas que não chega a fazer rir como deveria. "Rebote do Destino", a novela dentro da série, está mais para uma novela mexicana, com todos os seus exageros e sua família milionária e meio cafona, que a sua versão nacional, há décadas incorporando temas e personagens bem brasileiros.

Há também um excesso de personagens que caberia bem numa novela de 150 capítulos, mas fica espremido numa série de oito episódios curtos. Mas é uma ideia espirituosa que faz uma sátira e, ao mesmo tempo, uma homenagem ao nosso gênero preferido. Quem previu o fim da novela na era do streaming errou feio; é ele que anda precisando dela para sobreviver e ganhar força.

Novela
Onde Amazon Prime Video --os oito episódios de 25 a 30 minutos da série já estão disponíveis