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Thiago Stivaletti

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com Dona Armênia, Aracy Balabanian botou o público 'na chón' aos seus pés

Aracy Balabanian (Globo/Divulgação) - Reprodução / Internet
Aracy Balabanian (Globo/Divulgação) Imagem: Reprodução / Internet

Colunista do UOL

07/08/2023 11h56

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No dia 2 de abril de 1990, a Globo estreava "Rainha da Sucata", a primeira novela de Silvio de Abreu no horário das nove. Silvio já estreava com uma duríssima missão. Uma semana antes, a Manchete estreava "Pantanal", novela que apaixonou o Brasil desde o início. Silvio tinha dois trunfos: Regina Duarte como a sucateira que subia na vida e Glória Menezes em sua primeira vilã, a elitista e arrogante Laurinha Figueiroa. Mas um cavalo correu por fora e roubou a novela pra si. Aracy Balabanian era um furacão como Dona Armênia, a vizinha barraqueira de Maria do Carmo, explosiva e temperamental.

Sempre de bobes na cabeça, Dona Armênia falava com um sotaque todo próprio, tinha um amor edipiano por seus "três filhinhas" (na verdade três homens altos e fortes). Silvio fez seu personagem crescer até engolir a protagonista. Dona Armênia ficava rica, comprava o prédio da empresa de Maria do Carmo e passava a novela inteira ameaçando botar "a prédio na chón!" (no chão). O sucesso foi tanto que Silvio colocou a personagem na novela seguinte, "Deus nos Acuda" (1992), agora viúva e abandonada pelos filhos.

Dona Armênia foi o papel mais exuberante de Aracy, atriz de origem armênia que encontrou na personagem de 1990 uma forma de homenagear a sua família. Mas ela mostrou sua intensidade dramática em muitos outros. Em "A Próxima Vítima" (1995), também de Silvio, ela era a responsável por dar todo o peso "mafioso" da trama como Filomena Ferreto, a rígida e misteriosa matriarca de uma família que estava no centro dos crimes cometidos ao longo da novela.

É curioso notar como Aracy começou a carreira como mocinha romântica em novelas da Tupi como "Antônio Maria" (1968), ao lado de Sérgio Cardoso, e "Nino, o Italianinho" (1969). Ela emendou essas duas novelas, numa época em que ainda era comum autores e artistas trabalharem em uma história atrás da outra. Foi o autor dessas duas, Walter Negrão, que a levou para a Globo em "O Primeiro Amor" (1972), um sucesso da faixa das sete. E é nesse mesmo ano que ela participou do infantil "Vila Sésamo", um dos programas infantis mais importantes da TV brasileira, ao lado de Sonia Braga.

Nas novelas, aos poucos, Aracy foi largando os papéis de mocinha ingênua para abraçar outros, mais dramáticos e mais interessantes. Suas primeiras colaborações com Cassiano Gabus Mendes, em "Locomotivas" (1977) e "Elas por Elas" (1982), já lhe rendem personagens mais complexos. Depois do auge criativo com Silvio de Abreu, ela ainda ganhou outro personagem muito interessante pelas mãos de João Emanuel Carneiro: a Germana de "Da Cor do Pecado", fiel agregada da família de Afonso (Lima Duarte), que guardava uma paixão por ele e criava seu filho como se fosse seu.

Apenas seis anos depois de "Rainha da Sucata", Aracy ganhou uma nova incumbência cômica: viver a perua Cassandra na sitcom "Sai de Baixo". Ela chegou a pedir para o diretor Daniel Filho para sair do programa porque ria demais com as piadas de Miguel Falabella e Tom Cavalcante - sendo que um dos maiores mandamentos de um comediante é nunca rir em cena. Mas o riso de Aracy potencializava as piadas, e Daniel liberou a risada. A autorização era uma reverência total ao seu carisma acumulado em anos de carreira.

A memória que fica é a de uma grande atriz dos velhos tempos da televisão, em que os textos de novela eram mais densos, com diálogos mais longos, que permitiam grandes voos dramáticos dos (e das) gigantes vindos do teatro. Difícil imaginar, em 2023, uma Dona Armênia para ficar na memória como a de Aracy.