A solidão nossa de cada dia: por que ver Antonioni na Mostra
Quando o italiano Michelangelo Antonioni conquistou o mundo no início dos anos 1960 com a sua trilogia da incomunicabilidade — "A Aventura" (1960), "A Noite" (1961) e "O Eclipse" (1962) —, o mundo ocidental começava a esquecer a penúria da Segunda Guerra Mundial, encerrada em 1945.
Itália, França, Inglaterra e Estados Unidos lideravam um período de progresso e conforto material da classe média. O luxo era uma meta concreta que deveria ser buscada. Festas elegantes, carros esportivos, lanchas, vestidos da Dior eram símbolos de uma felicidade à toda prova. Quem poderia ser infeliz nesse mundo que era pura felicidade?
Antonioni veio para estregar a festa e mostrar que esse mundo estava cheio de angústia, solidão, incompreensão. As máquinas funcionavam a pleno vapor, mas as pessoas não se entendiam nem no menor dos sentimentos. Era um mundo tão materialista que a alma ficou de fora. A solidão em seus filmes pode se sentir no amplo espaço dos desertos ou no espaço fechado de um salão de festas, ou de um quarto. Mas está sempre lá.
Por que rever os filmes de Antonioni na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que começou na última quinta? A diretora do evento, Renata de Almeida, resumiu bem o motivo: "Antonioni era conhecido como o cineasta da incomunicabilidade. Num tempo em que nos comunicamos sem parar pelo celular, ele com certeza tem algo a nos dizer."
Em resumo, o que Antonioni nos diz é: o mundo anda em ritmo acelerado, mas o ser humano e suas angústias continuam os mesmos. O homem apenas se adapta às novidades, às redes sociais, ao mundo do Big Brother onde todos amam acompanhar a intimidade de meia dúzia — e assim vai se iludindo de que existe alguma real troca entre ele e as pessoas à sua volta.
Ver ou rever os filmes de Antonioni agora em outubro pode iluminar como vários cineastas do presente seguem os passos dele na hora de filmar a solidão humana. O mestre está na forma como Wim Wenders filma o limpador de banheiros japonês de "Perfect Days"; na solidão aguda da menina Priscilla Presley presa na gaiola da fama de Elvis em "Priscilla", de Sofia Coppola; nos bancários revoltados contra o sistema de "Os Delinquentes", de Rodrigo Moreno, indicado da Argentina ao próximo Oscar; e até na descoberta solitária do amor das crianças do belga "Close", de Lukas Dont, e do japonês "Monster", de Hirokazu Kore-Eda. Ou ainda nos filmes do turco Nuri Bilge Ceylan, um dos melhores do mundo hoje — seu último filme, "Ervas Secas", está na programação da Mostra.
No fim das coisas, seu aplicativo de paquera e os filmes do Antonioni devem dizer a mesma coisa: você está só neste mundo. A diferença é que o aplicativo te dá a ilusão de estar acompanhado, enquanto o cinema do mestre nos apresenta uma doce maneira de viver nessa solidão, encontrando nela uma riqueza insuspeita.
Para terminar, deixo as minhas dicas antonionianas. Se nunca viu "A Aventura", "A Noite" ou "O Eclipse" na tela grande, não deixe de ver. "O Grito" e "O Deserto Vermelho", seu primeiro filme a cores, valem toda a experiência. E há os dois cults eternos, "Blow Up" e "O Passageiro - Profissão: Repórter", que nunca perdem o ar de novidade a cada vez que se revê. Boa Mostra a todos!
Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Quando De 19/10 a 1/11 em várias salas
Programação e ingressos Site da Mostra - www.mostra.org
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