Thiago Stivaletti

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Mostra de Tiradentes pressiona pela regulação do streaming no Brasil

Abrindo o calendário de cinema do ano, a Mostra de Cinema de Tiradentes terminou no último sábado trazendo um panorama do cinema independente feito no Brasil no último ano, em geral com poucos recursos e muitas ideias sobre um Brasil ainda polarizado. A política e a afirmação das diversas identidades deu a tônica nos nove dias do evento. Confira alguns dos destaques:

REGULAÇÃO DO STREAMING - Se em 2023 o primeiro Fórum de Tiradentes buscou a reconstrução do setor audiovisual depois do desmonte do governo Bolsonaro, em 2024 produtores e distribuidores estão dedicados a aprovar a regulamentação do streaming. O projeto prevê que plataformas como Netflix, Amazon Prime e outras paguem ao governo um imposto sobre seu faturamento, e esse dinheiro seja investido em filmes e séries brasileiros. O setor também quer uma maior visibilidade na home desses catálogos, para que o espectador seja mais informado do conteúdo à disposição. Na Carta de Tiradentes, elaborada ao final dos encontros do Fórum, o setor pede um imposto de 14% sobre o faturamento. É um valor acima do que consta nos projetos já em tramitação na Câmara, que preveem de 3% a 6% do faturamento. No mundo, esse percentual varia muito, chegando a 25% na França.

"Temos que sentir qual será a vontade política em torno desses 14%. O Brasil é o segundo maior mercado de VoD (vídeo sob demanda) no mundo, e o nosso papel é mostrar que esse percentual é viável sim. Não acho que seja um número fora da caixinha", disse ao UOL a diretora da Mostra de Tiradentes, Raquel Hallak. Na abertura do Fórum, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, se mostrou disposta a defender o setor. E o novo diretor da Ancine, Paulo Alcoforado, mostrou todo um estudo pronto sobre o mercado do VoD, indicando como regulamentar. O setor audiovisual espera que a regulamentação seja aprovada neste ano, mas com o Congresso e o Senado, nunca se sabe.

A ministra ainda anunciou a injeção de R$ 15 bilhões no setor cultural ao longo dos próximos cinco anos via Lei Aldir Blanc e inauguração de 118 novas telas de cinema em 18 estados através do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).

O FANTASMA DO BOLSONARISMO - Lula ganhou as eleições em 2022, mas o cinema mostra que o fantasma da extrema direita está à espreita. No longa de ficção "Soap", Tamar Guimarães retrata uma esquerda caviar que fica elucubrando formas de derrotar Bolsonaro no conforto de suas banheiras, camas e apartamentos, apenas trocando mensagens num grupo de zap. Enquanto isso, uma guru religiosa muito parecida com a ex-ministra Damares promove uma sessão de abraço e acolhimento para direitistas em desalento. No curta "Eu Não Nasci pra Isso", o diretor Erik Ely relembra o seu período de alistamento militar obrigatório como algo indesejado, mas que deixou nele marcas duradouras, como a obsessão por games de tiro. E no curta "Garimpando Garimpeiros", Tomás Tancredi pesquisa imagens de garimpeiros no Youtube para investigar o apoio que davam ao (e recebiam do) governo Bolsonaro. Um deles canta, em tom de brincadeira, que se o ex-presidente não ajudar os garimpeiros, todos eles iriam virar ladrões.

Cena do documentário "A Câmara", de Cristiane Bernardes e Tiago de Aragão, exibido em Tiradentes
Cena do documentário "A Câmara", de Cristiane Bernardes e Tiago de Aragão, exibido em Tiradentes Imagem: Divulgação

A VOZ DAS MULHERES - Dentro da sua programação de 145 longas e curtas, Tiradentes apresenta muitos trabalhos de jovens diretoras discutindo a voz e o lugar da mulher nos dias de hoje. No documentário "Eu Também Não Gozei", Letícia é uma atriz engravida e procura os quatro possíveis pais de seu filho. Todos fogem da responsabilidade alegando não terem gozado - e acompanhamos a jornada de solidão e progressiva coragem dela em seu caminho de futura mãe solteira. Em "A Câmara", acompanhamos diversas deputadas em ação no Congresso, das bancadas de esquerda e direita neocristã, lutando para se fazer ouvir num mundo tão masculino como o da política.

Cena do curta "O Cavalo de Pedro", de Daniel Nolasco, exibido na Mostra de Tiradentes
Cena do curta "O Cavalo de Pedro", de Daniel Nolasco, exibido na Mostra de Tiradentes Imagem: Divulgação

O SEXO NAS TELAS - Como Tiradentes exibe um cinema independente e de baixo orçamento que muitas vezes não chega a estrear em circuito comercial, os cineastas têm maior liberdade para exibir aquilo que anda em falta nas salas e ainda mais no streaming: sexo. No curta "O Cavalo de Pedro", Daniel Nolasco chuta o balde ao imaginar uma relação gay entre Dom Pedro e um simples varredor do Paço Imperial, com direito a uma cena de sexo sem cortes. O filme é de uma ironia mordaz ao imaginar que uma revelação dessas seria muito mais chocante no Brasil do que os muitos atos corruptos que os dois praticaram juntos. No curta "Homem de Verdade", Rafael Rudolf resgata imagens de quando se exibia nu para uma câmera ainda adolescente. Ele mantém esse hábito já adulto se filmando no sexo com diferentes parceiros. E faz disso um ato libertário, questionando nossa noção de masculinidade. No longa "Eros", a diretora Rachel Daisy Ellis convida frequentadores de diferentes motéis a se filmarem durante uma noite e compartilharem suas imagens, num painel de diferentes desejos e fantasias privados que se tornam coletivos graças ao cinema.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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