Thiago Stivaletti

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'Renascer' e outros remakes viram pretexto para Globo abordar temas tabus

Um pai descontrolado mantém a filha presa dentro de casa e não a deixa sair de jeito nenhum com medo que ela engravide. Logo descobrimos que a irmã mais velha, que foi expulsa de casa anos antes, engravidou — e dele mesmo. Imagine essa trama de incesto barra-pesada numa novela contemporânea como "Travessia", "Amor de Mãe" ou "Um Lugar ao Sol". No Brasil conservador de 2024, as redes sociais seriam inundadas de textões contra a Globo por trazer situação tão pesada em horário nobre.

No entanto, essa trama rolou nos últimos dias em "Renascer", com o violento Venâncio (Fábio Lago), que no passado expulsou de casa Marianinha, a irmã mais velha de Maria Santa (Duda Santos). O segredo do incesto foi descoberto por sua mulher, Quitéria (atuação impressionante de Belize Pombal, estreando em novelas). A atual trama das nove é a prova de que, nos anos 1990, as novelas (e filmes, músicas e tudo o mais) podiam abordar temas impensáveis nos dias de hoje.

Da mesma forma, o autor Bruno Luperi já pôde mostrar uma moça virgem (Maria Santa) que foi viver em meio a quengas (ou prostitutas) num bordel — ou brega, como se diz na novela. A última vez que vimos história parecida foi na minissérie "Hilda Furacão", em 1998. Ou um coronel (Belarmino, papel de Antônio Calloni) que, ao saber do paradeiro da moça, tenta comprá-la para fins sexuais e diz isso na cara dela, sem muitos rodeios. Voltando à trama do incesto: ela apareceu no horário nobre no mesmo ano de 1998, na novela "Torre de Babel", uma novela nada de época situada em... São Paulo.

Tony Ramos em Torre de Babel (1998); pai dele (papel de Juca de Oliveira) tinha um caso com a mulher do filho (Divulgação: TV Globo)
Tony Ramos em Torre de Babel (1998); pai dele (papel de Juca de Oliveira) tinha um caso com a mulher do filho (Divulgação: TV Globo) Imagem: Reprodução / Internet

O sucesso da primeira fase de "Renascer" (e de toda "Pantanal") indicam não só que o público está com saudade de uma história antiga — mas também da liberdade com que ela é contada. Hoje, não é legal tratarmos as trabalhadoras do sexo de forma cômica ou clichê, mas a própria Globo postou pra viralizar a cena em que Jacutinga (Juliana Paes) diz que "quenga não tem homem; tem freguês".

Na segunda fase, veremos um triângulo amoroso envolvendo pai e filho — José Inocêncio (Marcos Palmeira) e João Pedro (Juan Paiva) — em plena fazenda de cacau, na Bahia, bem longe do Leblon em que Helena (Vera Fischer) disputou um homem com a própria filha, Camila (Carolina Dieckmann), em "Laços de Família" (2000) — outra novela que incendiaria as redes se ganhasse um remake hoje em dia.

Rodrigo Santoro e Ana Paula Arósio na minissérie "Hilda Furacão" (1998); frei católico vivia romance com prostituta
Rodrigo Santoro e Ana Paula Arósio na minissérie "Hilda Furacão" (1998); frei católico vivia romance com prostituta Imagem: Divulgação/TV Globo

A falta dessa pimenta a mais pode ser um dos fatores por trás da má audiência da novela da seis, "Elas por Elas", outro remake cuja trama central de troca de bebês é bem mais tradicional. A aguardar como a Globo vai tratar o remake de sua joia da coroa, "Vale Tudo", no ano que vem. Difícil imaginar Odete Roitman, Raquel e Maria de Fátima discutindo corrupção no Brasil tão polarizado de hoje como faziam em 1988. Por outro lado, a luta ferrenha entre mãe e filha e as relações mercantis da milionária com garotões mais jovens devem garantir os memes e a repercussão que hoje toda novela precisa para se firmar.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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