Thiago Stivaletti

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Opinião

Filme sobre Amy Winehouse prefere a tragédia do que a energia da cantora

É difícil passar dois meses sem que estreie nos cinemas uma "biopic" - a cinebiografia de um cantor ou cantora que deixaram sua marca no público. Só entre os nacionais, foi uma enxurrada nos últimos anos: filmes sobre Claudinho & Buchecha, Os Mamonas Assassinas, Wilson Simonal, Elis Regina, Pixinguinha - e estou falando apenas dos longas de ficção, sem contar os documentários. E sem falar da série recente sobre Chitãozinho e Xororó, totalmente inspirada na biopic de maior sucesso do nosso cinema, "Dois Filhos de Francisco".

Entre os internacionais, tivemos cinebiografias de Elvis Presley, Freddie Mercury, Elton John, Whitney Houston. Vamos combinar: se o artista teve uma morte trágica ou prematura, aí é que os produtores caem de cabeça pra levar a história às telas - é o caso de todos os citados nessa lista, com exceção de Elton. E é também o caso de Amy Winehouse, morta aos 27 anos por excesso de álcool e drogas, cujo "Back to Black" acaba de estrear nos cinemas.

Confesso que o filme até me surpreendeu positivamente. Como sofreu uma enxurrada de más críticas, fui sem nenhuma expectativa, e o trabalho da novata Marisa Abela como Amy é bem competente. Passa por uma certa imitação de Amy, incluindo aquele meneio de pescoço que ela fazia ao cantar no palco, mas traz também uma boa carga emocional, de uma mulher frágil afetivamente, totalmente dedicada ao grande amor da sua vida, o boy lixo Blake Fielder-Civil (o bonitão Jack O'Connell), que passava muito mais tempo nos pubs do que em casa ou no trabalho, e não dispensava a cocaína.

Como o filme destaca e não é novidade pra ninguém, foi a relação tóxica (ou intertóxica) de Amy e Blake que a inspirou a fazer o álbum "Back to Black" e a letra da faixa-título - enquanto ele voltava para a namorada anterior, ela afundava na escuridão. OK, o filme se esforça demais em encenar situações que a inspiraram em suas músicas mais famosas. Um exemplo claro é quando o amigo produtor tenta convencê-la a ir para uma clínica de "rehab" se curar do álcool e da dependência química, e Amy recusa com veemência - só faltou cantar "No, no, no!" como em de seus hits mais conhecidos.

A diretora é Sam Taylor-Johnson, mais famosa pra ter inaugurado nos cinemas a franquia erótica menos erótica de todos os tempos, "Cinquenta Tons de Cinza". Sam se sai muito melhor aqui - e uma diretora traz um ponto de vista feminino fundamental tanto para mostrar tanto a força quanto a fragilidade de Amy. Destaca, entre outros, a importância de sua avó, Cynthia (Lesley Manville, a princesa Margaret da reta final de "The Crown"), que também foi cantora, como influência fundamental em sua carreira. "Back to Black" não é um mau filme, e não será perda de tempo vê-lo, sendo ou não fã da cantora. Mas o problema parece morar em outra parte - e me fez pensar no que torna uma biopic boa ou não.

A biografia de um artista no cinema é melhor quanto mais fiel for à sua energia, ao tipo de carisma que o conectou ao público e o eternizou na memória dos fãs. Deu certo em "Elvis", destacando o quanto a energia e os movimentos sexuais do Rei do Rock no palco enlouquecia as fãs. E deu certo em "Rocketman", ao mostrar o quanto a rebeldia, o talento pop e a homossexualidade de Elton John sempre fizeram parte da sua obra.

Mas não deu certo em "Bohemian Rapsody" ao enquadrar a vida de Freddie Mercury numa fábula da Disney - cortou-se totalmente a vida sexual do vocalista do Queen, que era um dos motores da sua vida e da sua música; dá até pra dizer que a energia sexual de Freddie era um dos principais elementos de conexão com seu público. E também falhou no ignorado "Whitney Houston: I Wanna Dance with Somebody", em que Naomi Ackie não tinha a energia da Whitney real, nem mesmo se parecia muito com ela. Em "Back to Black", Amy Winehouse até tem seus momentos felizes e radiantes em cima do palco. Mas a nuvem negra da tragédia é sempre mais forte, e domina a cafonice da cena final. Amy merecia um pouco mais.

Back to Black, de Sam Taylor-Johnson (2024)
Em cartaz nos cinemas

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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