Depois do sucesso de "Coringa" (2019), a DC percebeu que seus personagens podem brilhar ainda mais no cinema se deixar de lado o universo compartilhado e entregar uma história independente de seus heróis e vilões.

Este é o grande acerto de "Batman", que desprendido de tramas passadas, traz um herói obcecado, esquisito, que se esforça muito mais mentalmente para chegar ao objetivo final, juntando pistas e resolvendo mistérios, do que apenas uma máquina de guerra imparável.

Lançamentos de filmes de super-heróis acontecem o tempo todo no cinema. Já virou rotina dos fanáticos pelo gênero acompanharem de perto os calendários dos dois maiores estúdios dos personagens baseados em quadrinhos, a Disney com Marvel, super bem organizada pela mão rigorosa de Kevin Feige, e a Warner com a DC, que se assemelha ao quarto de um adolescente rebelde tamanha bagunça. Com problemas de produção e alguns filmes renegados pelos fãs, a segunda viu uma saída ao começar a criar títulos individuais, que não dependessem de todo um universo. Foi com este pensamento que o cultuado "Coringa" (2019) foi lançado e é um sucesso de crítica e público.

Seguindo a mesma ideia de uma produção isolada das outras, foi a vez de o Homem-Morcego ganhar uma nova versão, mesmo que alguns atores já tenham vestido a capa recentemente, como é o caso de Christian Bale e Ben Affleck, que deveria estrelar o novo longa, mas desistiu e mudou o curso da história. Sem um protagonista que ligasse o herói a um universo já pronto, o diretor Matt Reeves ("Planeta dos Macacos") agarrou uma oportunidade de ouro de iniciar tudo de novo, e da sua maneira.

O cineasta então fugiu do esperado de filmes de super-heróis e entregou aos fãs um Batman que há muito não se via: o detetive. Nesta nova produção, o herói perde a alcunha de "super", pois por maior que seja seu traje, não lhe concede poderes sobrenaturais e nem é projetado para lutar com extraterrestres, por exemplo. Ao contrário, Bruce Wayne agora é rápido em deduções, vai atrás de pistas e faz uso da força e da violência quando é preciso conseguir uma resposta que se encaixará no quebra-cabeça.

O clima de investigação casa perfeitamente com o vilão do longa, o Charada, interpretado desta vez por Paul Dano ("Sangue Negro"). Diferente de alguns brucutus, como Bane, ele é mais próximo do Coringa e tem o seu maior poder em deixar enigmas e em demonstrar violência não apenas física, mas também mental.

No entanto, Charada não é o único grande vilão a assombrar Gotham na nova produção, e Carmine Falcone (John Turturro) e Pinguim (Colin Farrell) também contam com destaque, dando um tom de "filme de máfia", combinando de maneira certeira para o desenrolar da trama. Há também a Mulher-Gato (Zoe Kravitz), mas ela já é de se esperar que trabalhe ao lado de Batman.

Outro mérito do filme é o novo estilo de Bruce Wayne. Acostumados a vermos um personagem playboy bonitão, que esconde uma identidade de herói, em "Batman" somos surpreendidos com um homem esquisito, adverso a pessoas, que não se importa com o dinheiro ou aparências e apenas é obcecado por acabar com a violência e vingar a morte de seus pais. Com uma atuação assertiva de Robert Pattinson ("Crepúsculo") como protagonista, o personagem ganhou novas camadas e deve agradar a todos aqueles que desejavam novos ares na versão cinematográfica do herói.

Para acompanhar esta fase diferente do Homem-Morcego, há um clima noir no longa, o que reforça ainda mais a ideia de história de detetive. A mistura de narração em off, reviravoltas e dramas familiares entrega um filme deliciosamente brega, que abraça essa ideia e se aceita: "Batman" é como um encontro que deu certo entre a estética "emo" e um filme de suspense dirigido por Alfred Hitchcock.

Com um Batman mais mental do que físico, "Batman" é uma boa maneira de revisitar e mudar um personagem que já há um tempo tem estado preso em um padrão de filmes que não deixava o herói mais brilhar como antes. Agora, o Homem-Morcego mudou e tem tudo para agradar desde os cinéfilos adoradores de filmes antigos de detetive, até os fãs de carteirinha de um dos maiores heróis dos quadrinhos.