Vítima ou bandido? 'A Jaula' traz o debate sobre 'cidadão de bem' no Brasil
Daniel Palomares
De Splash, em São Paulo
17/02/2022 04h00
Um carro. Um ladrão. O que seria só mais um roubo na cidade de São Paulo vira uma sessão de tortura em "A Jaula", primeiro longa de ficção de João Wainer, estrelado por Chay Suede e Alexandre Nero. Afinal, o que faz de alguém um bandido ou um cidadão de bem no atual Brasil bolsonarista?
A Jaula
Lançamento: 2022 Duração: 101min Pais: Brasil Status: Em Cartaz Direção: João Wainer Roteiro: Mariano Cohn, Gastón Duprat4,0
Bem amarrado e instigante, pouco sutil
5,0
Chay e Nero dão show em recorte limitado
5,0
Fizemos uma análise geral de cenário, figurino, direção de arte e fotografia
5,0
Aproveita ao máximo as possibilidades de ambientes e atores
5,0
A diversão é uma nota na qual propomos, que independente das notas técnicas, a produção vale ser vista
Pontos Positivos
- Filme desespera e empolga com ação explosiva
- Chay e Nero entregam duas das melhores atuações de suas carreiras
Pontos Negativos
- Reflexão necessária, mas explícita demais
Veredito
"A Jaula" representa os reflexos de uma sociedade doente que pode estar na nossa calçada ou em qualquer lugar do mundo. O filme é desconcertante e empolgante ao mesmo tempo, só pecando na pouca sutileza.
Uma das funções da arte é ser reflexo do tempo na qual é produzida. "A Jaula", primeiro longa de ficção do jornalista e fotógrafo João Wainer, pode até não ter essa grande intenção, mas te faz sair da sala de cinema com uma pulga atrás da orelha.
Gravado no fim de 2018, justamente quando Jair Bolsonaro foi eleito presidente, o longa não poderia ser mais atual depois de tudo que o país viveu nos últimos 4 anos. Baseada no filme argentino "4x4", escrito por Mariano Cohn e Gastón Duprat, a história de um ladrão que se torna vítima de seu próprio alvo poderia acontecer em qualquer lugar do mundo, mas ganha um tempero característico no Brasil.
A trama é simples. Djalma (Chay Suede) é um ladrão que consegue invadir mais um carro nas ruas de São Paulo. Ele rouba o aparelho de som, alguns pertences e faz questão de urinar dentro do veículo antes de ir embora. Só que ele não consegue sair.
O filme nos deixa presos, assim como o personagem, dentro do espaço claustrofóbico do veículo. O carro de lataria reforçada e vidros espelhados é propriedade de um médico (Alexandre Nero) que, cansado de já ter sofrido dezenas de assaltos, decide se vingar dos algozes, torturando quem tentou o roubar.
Quase um ano antes de seu marcante papel como Danilo na novela "Amor de Mãe" (TV Globo), Chay faz o possível e impossível dentro das limitações. Vemos Djalma definhar, com fome, sede e em completo desespero; o ator perdeu 9kg para o papel.
Quem é a vítima?
O filme não está atrás de respostas, mas te faz refletir: até que ponto vale a pena ir em busca de justiça com as próprias mãos? O personagem de Nero, um de seus papéis mais assustadores, não tem mais nada a perder. Descobriu um câncer terminal e já está cheio de "tanta bandidagem". Não quer saber dos "defensores dos direitos humanos" e reforça que é, sim, um "cidadão de bem".
Um médico que sequestra outra pessoa e a tortura por dias dentro de um carro pode realmente ser considerado um cidadão de bem? Até onde conseguimos sentir empatia pelo bandido pobre e sem perspectiva que escolheu a vida no crime?
Na TV, Astrid Fontenelle dá vida a uma espécie genérica de Datena, cobrindo cada detalhe do ocorrido e perguntando aos espectadores: afinal, quem é a vítima?