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Racismo e Brasil autoritário de 'Medida Provisória' não são só ficção

Filme de Lázaro Ramos, "Medida Provisória", enfrentou dificuldades com a Ancine - Divulgação
Filme de Lázaro Ramos, "Medida Provisória", enfrentou dificuldades com a Ancine Imagem: Divulgação

Daniel Palomares

De Splash, em São Paulo

11/04/2022 21h00

Estreia de Lázaro Ramos na direção, "Medida Provisória" chega finalmente ao circuito nacional, após ter lançamento adiado e enfrentar resistência do governo e da Ancine. Talvez o Brasil distópico, racista e autoritário do filme não esteja tão longe da realidade.

Mesclando drama com humor, o longa propõe uma reflexão diante do absurdo: e se a segregação entre brancos e negros for institucionalizada pelo Estado? Há poucos meses das eleições, o debate está mais quente do nunca.

Medida Provisória

Lançamento: 2022 Duração: 94min Pais: Brasil Status: Em Breve Direção: Lázaro Ramos Roteiro: Lázaro Ramos e Lusa Silvestre
splash
5,0 /5
ENTENDA AS NOTAS DA REDAÇÃO

Misturando gêneros, empolga e desespera

Taís Araújo, Alfred Enoch e Seu Jorge são viscerais

Fizemos uma análise geral de cenário, figurino, direção de arte e fotografia

Lázaro Ramos prova seu talento por trás das câmeras

A diversão é uma nota na qual propomos, que independente das notas técnicas, a produção vale ser vista

Pontos Positivos

  • Reflexão e entretenimento: filme empolga mesmo com discussão densa

Pontos Negativos

  • Gostinho de quero mais: o final poderia ser mais extenso

Veredito

Lázaro Ramos quer provar que merece o lugar conquistado atrás das câmeras em 'Medida Provisória' e consegue. O filme emociona e faz pensar: será que estamos a caminho do mesmo absurdo retratado na tela?

Imagine um Brasil do futuro no qual as pessoas negras receberão uma indenização pelos séculos de escravidão que seus antepassados enfrentaram nessas terras. Agora imagine que este mesmo país cria um movimento, a partir de um governo autoritário, para reparar os males causados pela escravidão, forçando a população negra a se mudar para a África.

Parece absurdo ou até o roteiro de um episódio de "Black Mirror", mas não está tão distante assim da realidade. "Medida Provisória", filme que marca a estreia de Lázaro Ramos na direção, sofreu para conseguir chegar aos cinemas de todo o Brasil. O longa enfrentou impasses com a Ancine, atrasos na data de lançamento e uma tentativa aberta de boicote por parte de Sérgio Camargo, ex-presidente da Fundação Palmares.

Discutir o racismo tão abertamente causa incômodo. Levantar o debate a poucos meses da eleição, diante de um governo que se posiciona contrário aos movimentos sociais, é ainda mais complicado. Lázaro brilha com seu trabalho atrás das câmeras, mas o seu Brasil distópico se mostra assustadoramente real.

Com as atuações viscerais de Taís Araújo, Seu Jorge, Adriana Esteves e o astro britânico Alfred Enoch, "Medida Provisória" consegue trazer uma discussão densa e ao mesmo tempo empolgar. É desesperador ver o sofrimento dos personagens separados de suas famílias e amigos por uma lei, mas também aquece o coração perceber seus momentos de alegria e união para enfrentar o pesadelo que estão passando.

Para alguém branco, como quem escreve essa crítica, o filme pode servir como uma cutucada para algumas falas que parecem tão inocentes e que carregam tanto preconceito. "Fulana tem o pé na cozinha?", diz uma personagem descomprometidamente, usando uma expressão racista, relacionada a escravidão. Mas a discussão é muito mais profunda.

Como nós brancos podemos contribuir para a luta antirracista? Adianta só não usar termos e expressões ofensivas? De que forma o nosso privilégio conseguirá impedir que situações como a da ficção virem realidade? São muitas perguntas e as respostas ficam a cargo do espectador. Lázaro cumpre seu papel com uma obra que pode ter demorado a sair, mas com certeza demorará muito mais para deixar nosso pensamento.