Da família no sofá à tela no celular: ver novela não é mais como antes
Nos anos 1960 e 1970, quem tinha um aparelho de TV em casa nunca estava sozinho. "Botavam uma televisão pequena em cima do muro, porque não cabia tanta gente dentro de casa. Eu fazia café, pão de queijo, batata-doce. Era uma festa", lembra a aposentada Guilhermina Judice Arantes, 89 anos.
O que todo o mundo queria ver? Novela! Embora a TV nessa época ainda fosse privilégio para poucos, ninguém podia perder os capítulos de sua história favorita. E acompanhar a teledramaturgia virou mania nacional. Na hora da novela, a família se reunia no sofá.
De lá para cá, muita coisa mudou. Setenta anos depois do lançamento da TV no Brasil, as novelas continuam sendo uma paixão do brasileiro, mas o jeito de assistir mudou. E muito.
Aumento de acesso no Globoplay
O acesso às novelas pelo Globoplay, por exemplo, teve um aumento de 140%, de janeiro a agosto desse ano, se comparado com o mesmo período do ano passado. "Tieta", exibida pela primeira vez na Globo em 1989, é a novela mais consumida em horas no dia do seu lançamento e, desde sua publicação, é um dos programas mais vistos na plataforma.
O importante é não perder a novela
A advogada Danielle Miranda, mãe de Lucas, 3 anos, e Júlia, 11, se vira como pode para assistir às suas novelas favoritas.
"Sou à moda antiga e prefiro ver no horário que passa. Mas, às vezes, não consigo, porque estou dando comida para meu filho. Aí vejo pelo aplicativo da Globosat ou pelo Now, da Net."
Danielle não perde um capítulo de "Mulheres Apaixonadas", reprisada no Viva. Ela conta que é da geração que gravava os capítulos pelo videocassete. "Quando me apego na novela, não gosto de perder nada".
A estudante Taís Pontes, 27 anos, também é noveleira assumida. Durante o isolamento social, ela maratonou "A Favorita" em apenas um mês e conta que gosta da praticidade do streaming.
"Vou vendo de acordo com o meu tempo. Prefiro assim. Vejo no celular, no computador, ou na própria TV."
Antes da pandemia, Taís estava seguindo "Amor de Mãe" e "Salve-se Quem Puder". Ela costumava ver as tramas na hora do almoço e na volta da faculdade. "Agora estou acompanhando 'Caminho das Índias' e revendo 'Totalmente Demais'. Estou sempre assistindo a alguma novela."
A popularização do streaming criou uma nova categoria de noveleiros: aqueles que maratonam suas tramas favoritas.
"O telespectador pode transformar o ato de assistir a determinado programa em uma atitude privada. Cada pessoa pode ver o que desejar, sem perturbar os membros da família", explica Sérgio Mattos, autor do livro "História da Televisão Brasileira: Uma Visão Econômica Social e Política".
'Histórias boas resistem'
Com mais de 50 anos de carreira na TV e 128 personagens, o veterano Tony Ramos afirma que a telenovela já vem, há algum tempo, sendo assistida de maneiras diversas, mas que o público continua acompanhando, pois quer saber o que vai acontecer no próximo capítulo.
"Um folhetim de muita paixão, amor e suspense sempre será sucesso ao vivo, porque a TV aberta ainda mantém a sensação de estar acontecendo agora. Mesmo em reprises, histórias boas resistem."
Ary Fountoura, 87 anos, superatualizado com o avanço tecnológico, diz que compreende a mudança de hábitos do público.
"O celular está na mão de todos. Não precisa mais pegar um ônibus e sair correndo para ver o capítulo de uma novela. O mundo está se aprimorando."
Ver a novela a cavalo
Pouca gente tinha televisão em casa logo depois que ela foi lançada no Brasil, em 1950. Por isso, era hábito juntar vizinhos ou ir à casa do parente rico para seguir a novela.
Guilhermina conta que ela e o marido, moradores de Airuoca (MG), recebiam a vizinhança na fazenda. Foi preciso instalar um fio de mais de um quilômetro para que o sinal da TV chegasse até o local.
Guilhermina conta que uma sobrinha ia diariamente à sua casa só para acompanhar uma trama de que gostava.
"A Gilza ficou um mês lá em casa para poder ver novela. Ia a cavalo, assistia a novela, arriava o cavalo de novo e saia de lá umas 23h."
Família no sofá
Segundo Sérgio Mattos, até os anos 1980 o mais comum era que cada lar tivesse apenas um aparelho de TV, geralmente localizado na sala de visitas ou de jantar, onde todos se reuniam para assistir à programação.
A gerente de operações e projetos Cassiane Lanzoni, tem boas recordações de sua infância em Canoas (RS) com a família reunida ao redor da TV.
"Eu morava em um bairro de classe média baixa, e a televisão chegou à minha casa em 1968. Como eu nasci um ano depois, cresci vendo TV. Em minhas memórias em preto e branco estão a novela 'Selva de Pedra' e os personagens de 'Vila Sésamo'."
Ela tinha apenas 3 anos quando a primeira versão de "Selva de Pedra" foi exibida na Globo, em 1972, mas, até hoje se recorda de uma cena de Dina Sfat com Regina Duarte.
"A Fernanda [Dina Sfat] havia sequestrado a Simone [Regina Duarte] e pisava na mão dela. Aquela cena nunca saiu da minha cabeça. Sentia raiva da Simone e, por isso, cresci com raiva da Dina Sfat. Naquela época, o público não diferenciava personagem e ator."
Cores na TV
Antes de a programação da televisão ser transmitida colorida, os telespectadores arrumaram um jeitinho de dar mais cor ao que era visto somente em preto e branco —muitas vezes com chuvisco, mau contato e a ajudinha de uma esponja de aço na ponta da antena.
"Um dia meu pai chegou do trabalho com um pacote na mão, dizendo que iriamos ver a novela colorida. Sacou um plástico colorido e grudou na frente da televisão. Lembro que achei lindo ver o rosto dos atores em azul, amarelo, rosa... Foi uma novidade incrível. Hoje acho bem engraçado, mas era um recurso da época para quem tinha TV em preto e branco", recorda Cassiane.
Desde criança a TV sempre foi minha companheira, dificilmente ela está desligada na minha casa. Tem na sala e tem no quarto. Da manhã até a noite. Só desligo nas horas em que estou em reunião on-line. Sou geração TV.
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