Helicóptero, plantão, aceno do Silvio: bastidores dos primeiros realities
Estávamos no carro estacionado, em silêncio. Na frente, o motorista e o fotógrafo. No banco de trás, eu —na época repórter do jornal Agora (pertencente ao Grupo Folha, como o UOL). Alguém reclamou pela milésima vez. Continuei em silêncio. Era o quarto ou quinto dia que passávamos ali, naquela rua do Morumbi (zona oeste de São Paulo). Nada acontecia e nenhum de nós aguentava mais.
Dias antes, no fatídico 28 de outubro de 2001, Silvio Santos havia colocado no ar a "Casa dos Artistas". Sem nenhum aviso prévio, sem coletiva de imprensa, sem nem uma mísera notinha oficial, surgiram na tela do SBT 12 famosos confinados em uma casa misteriosa, que ninguém sabia onde ficava. Era exatamente o dia que estrearia a terceira edição de "No Limite", reality bem-sucedido em que a Globo vinha apostando desde o ano anterior.
"Casa dos Artistas" foi um sucesso imediato e começou a superar a audiência da Globo aos domingos. Não bastasse, a emissora carioca havia recentemente comprado da produtora holandesa Endemol os direitos do "Big Brother" --que, àquela altura, estava se transformando em fenômeno mundial-- e se preparava para lançá-lo em breve. A guerra estava armada.
Se seguiu a isso uma grande batalha judicial entre as emissoras, que o Brasil acompanhou rigorosamente. O interesse pelo programa foi imediato, e a curiosidade era inevitável. Além de saber mais sobre os participantes, alguns deles ainda pouco conhecidos do grande público, o que todos queríamos saber era: como e onde estão vivendo essas pessoas confinadas?
Nenhum de nós tinha ainda intimidade com esse conceito de confinamento. Tem limite de comida? Eles não podem falar com ninguém? Eles não saem mesmo de lá? Onde ficam as câmeras? Eram milhares de dúvidas para as quais ainda não tínhamos respostas.
Foi uma fonte da Fabíola Reipert, então colega de redação, que deu a primeira pista: havia boatos de que a tal casa dos artistas ficava no Morumbi. VIZINHA À RESIDÊNCIA DO PRÓPRIO SILVIO SANTOS.
O problema era: como confirmar isso? Uma repórter foi mandada para lá. Passou a noite em frente à casa. Fora a chegada constante de alguns motoqueiros, nada de atípico. Era muito fechada, com muros altos, não dava para saber o que acontecia lá dentro.
A chefia de reportagem decidiu, portanto, pelo óbvio: alugou um helicóptero, colocou um fotógrafo dentro e o pôs para sobrevoar a casa. Foi assim que conseguimos as primeiras fotos daqueles 12 pioneiros do realismo televisivo na piscina.
Depois disso, fui a incumbida de ir para lá todo santo dia da semana seguinte —de carro, não de helicóptero. Eu, o fotógrafo e o motorista. Estacionávamos em frente à casa e ficávamos lá o dia todo. Olhando a movimentação, tentando entender melhor como funcionava esse fenômeno chamado reality show —que, mal sabíamos, duas décadas depois ainda resistiria firme e forte na TV brasileira.
Até Silvio Santos se acostumou à nossa presença. Quando saía para trabalhar, acenava. Eu acenava de volta. A verdade é que não tinha nada para ver ali. Mas era uma boa história para ser vivida por uma jovem repórter. E para ser recontada, mesmo 20 anos depois.
A vida deles, a nossa vida
O sucesso que "No Limite" vinha fazendo já demonstrava a força que os reality shows teriam no Brasil. O programa foi o primeiro investimento da Globo no gênero —além de um quadro no "Domingão do Faustão", que confinou participantes em uma casa, por um curto período de tempo, no Parque Villa Lobos, em São Paulo.
Sob o comando de Zeca Camargo, a primeira edição do reality estreou em junho de 2000. Rendeu muito bafafá ao largar os participantes no meio do mato e desafiá-los em provas como comer olhos de cabra crus e cérebro de bode. Aquela mistura de aflição com excitação era irresistível e conquistou o coração dos brasileiros.
Acontece que os participantes eram todos anônimos e, numa época em que a nossa vida inteira não estava nas redes sociais, era mais difícil descobrir informações sobre eles. No minuto em que apareciam na tela da TV, viravam celebridades. Todo o mundo queria saber quem eram e o que faziam aquelas pessoas.
E foi assim que recebi missões mais impossíveis do que as já encaradas por Tom Cruise no cinema, como encontrar familiares e amigos de Cristina, participante de "No Limite 2", a partir das seguintes pistas:
- uma foto dela de rosto
- o primeiro nome: Cristina
- a cidade: São Paulo
- a profissão: vendedora.
Quando o "BBB" estreou, seguiram-se as aventuras. O grande desafio era descobrir quem eram aquelas pessoas que, pelos próximos três meses, fariam parte da nossa vida todo dia. Viajei para o Rio assim que acabou o "BBB 2" para falar com Thyrso e Manuela. Fui a Brasília saber mais sobre Juliana Leite, do "BBB 4".
Como os próprios realities, nós, da imprensa, sempre estivemos atrás das boas histórias. Do que essas pessoas tinham para mostrar de sua vida até ali e da trajetória que elas estavam criando quando se dispunham a ficar confinadas e a ser filmadas 24 horas por dia.
Descobri muito podre, odiei e amei muita gente a distância. Votei em muitos paredões. Me emocionei. Me irritei quando meus competidores favoritos foram eliminados. Sofri com injustiças e com preconceito. O surreal dos reality shows é o tanto que a gente se envolve com eles. Acha que está assistindo à vida do outro, mas está abrindo a nossa também.
O bom é que depois passa. Hoje já não me lembro do nome da maior parte dos brothers e sisters que passaram pela TV.
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