Gregorio Duvivier: 'Humorista tem que ter liberdade, com responsabilidade'
A alegria que invadia a casa quando começava a tocar o tema de abertura de "Os Trapalhões" é uma das lembranças mais antigas de humor na TV de Gregorio Duvivier. O humorista que cresceu vendo "Chaves" acredita que a unanimidade em torno de Chico Anysio, Jô Soares e outros comediantes deu espaço a um cenário mais segmentado, em que cada um ri do que quer.
Para o apresentador do "Greg News" (HBO), o besteirol de "Casseta & Planeta" e outros clássicos dos anos 1990 não morreu —só se transformou e passou a dividir espaço com o trabalho de pegada mais autoral dos artistas da nova geração.
Segundo o ator, escritor e roteirista carioca, quem conta uma piada na televisão não deve se censurar, mas é responsável pelo que diz: "Eu não escolhi esta profissão porque ela era fácil".
Leia, abaixo, trechos da entrevista.
Meus amigos Trapalhões
"A primeira lembrança que eu tenho da TV aberta eu acho que é dos 'Trapalhões'. Eu adorava ver. Me trazia uma alegria, uma sensação de que eles eram amigos meus, sabe? Embora meus pais não gostassem muito, porque tinha um lado da sexualização, que eles já achavam esquisito e que, hoje em dia, assistindo, eu também acho. A mulher estar sempre objetificada e tal, eles implicavam com isso. E com toda razão. Eles preferiam que eu visse 'Chaves', e eu adorava também. De 'Chaves' eles gostavam, viam junto. Lembro muito desta cena: de estar passando Chaves, ir juntando uma pessoa e outra, quando via estava todo o mundo rindo do Chaves. Ou, eventualmente, até chorando. Porque tinha uns episódios emocionantes. Pelo menos, para mim."
Unanimidades
"Tinha uma programação com humoristas muito talentosos. Não dá para dizer que não era engraçado. Pelo menos, para a época. Renato Aragão, Mussum, Jô Soares, Chico Anysio eram comediantes clowns, palhaços muito talentosos e muito populares, carismáticos, que traziam muita alegria para o povo. Talvez, o Brasil hoje não tenha mais humoristas tão unânimes quanto eles."
O humor de cada um
"Hoje tem humoristas mais de nicho. Alguns falam com jovens, outros com os mais velhos, outros com a direita, outros com a esquerda. Antigamente, você tinha a impressão de que o país todo estava rindo da mesma piada, do mesmo palhaço. Isso era complicado, claro, porque não tinha muita diversidade. Mas também era bonito. Acho bonito você pensar que estava todo o mundo em volta da mesma fogueira ancestral. Hoje em dia, a impressão que dá é que cada um está na sua tela, rindo do seu comediante, o que também tem sua beleza."
Comédia besteirol
"Ainda tem espaço para a comédia besteirol, sim. Quando a gente fala da politização do humor, isso aconteceu com um certo tipo de humor, mas com outro não.
Se for ver o humor do Tirulipa, do Whindersson, é um humor mais raiz, mais moleque, e é bonito que ele exista. Não acho que ele tenha acabado nem acho que ele deva acabar.
Humor político sempre existiu no Brasil, mas hoje eu tenho a impressão de que tem uma variedade maior. Tem humor para todos os gostos, não é mais tão hegemônico. Minha mãe não sabe quem são os humoristas mais famosos dos adolescentes. E eles, por sua vez, não conhecem mais os ídolos da geração dos meus pais, que são Chico Anysio, Jô Soares."
Piada autoral
"O que a minha geração tem de muito legal é que, em geral, os humoristas são autores do seu próprio material. Esta é uma vantagem em relação às gerações anteriores. Talvez isso se dê por causa do boom do stand-up e também do teatro de improvisação, nos anos 2000. Os dois são gêneros em que o comediante escreve o seu próprio material.
Isso traz uma certa politização, porque você tem ali pessoas falando sobre a experiência delas e o modo como elas veem o mundo. Antigamente, como havia uma autoria mais compartilhada, os textos eram mais genéricos. Essa noção de autoria do texto de comédia é meio recente, e eu a considero muito positiva. Você sabe de onde aquele texto está vindo."
Politicamente incorreto
"Eu olho com desconfiança esta tese da patrulha do politicamente incorreto como algo que cerceia a liberdade. Não vejo muito isso no Brasil hoje, não. Eu, pelo menos, sempre tive total liberdade. O que eu não falo é porque eu não vejo graça mesmo."
Tem gente que diz 'está muito chato', 'está muito difícil fazer humor'. Acho que está mesmo, mas é para ser difícil. Eu não escolhi essa profissão porque ela era fácil.
Liberdade com responsabilidade
"Não se trata de não ofender nenhuma pessoa, porque essa é uma preocupação enlouquecida e que vai ser muito frustrada. Sempre que o humorista pensar 'não posso ofender ninguém', ele vai errar muito. Ninguém vai achar graça, porque vai ser um texto medroso, cuidadoso e tal. Acho que humorista tem que ter liberdade total. Mas, ao mesmo tempo, essa liberdade vem com uma responsabilidade. E acho isso muito bom, muito positivo."
A grande mudança é que o texto é assinado. Você não pode mais dizer 'é só uma piada', 'ah, isso aí não é nem meu', 'ouvi alguém e estou repetindo'. Os textos vêm junto com uma autoria. Você tem que se responsabilizar pelo que você diz. Acredito que o humorista diga coisas através das piadas e acho isso muito importante de a gente levar em conta.
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