STF decide que especial de Natal do Porta dos Fundos deve permanecer no ar
O STF (Supremo Tribunal Federal) definiu hoje, com unanimidade, que o "Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo", feito por Porta dos Fundos e Netflix, deve continuar no ar. A decisão contraria o parecer anterior do TJRJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), que havia pedido a retirada do programa da plataforma de streaming.
A obra de ficção humorística retrata Jesus como homossexual e foi alvo de críticas de setores religiosos da sociedade, que consideraram desonrosa a associação de Cristo com a comunidade LGBTQ+. O julgamento de hoje ocorreu a pedido da própria Netflix, que fez uma reclamação contra a tentativa de censura de seu especial.
Em seus votos, os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski consideraram procedente a reclamação da Netflix e concluíram que não deve haver censura.
O relator e ministro Gilmar Mendes afirmou:
Ao analisar os presentes autos, concluo que a obra não incita violência contra grupos religiosos, mas constitui mera crítica, realizada por meio de sátira, a elementos caros ao cristianismo. Por mais questionável que possa vir a ser a qualidade desta produção artística, não identifico em seu conteúdo fundamento que justifique qualquer tipo de ingerência estatal.
Os ministros ressaltaram a liberdade religiosa e deixaram claro que o Estado brasileiro, mesmo sendo laico, reconhece a importância de suas religiões e da grande influência cristã no país. Porém, o Supremo concluiu que os grupos religiosos que não gostarem do especial de Natal podem apenas não vê-lo.
Defensor de Netflix e Porta dos Fundos neste caso, o advogado Gustavo Binenbojm —que já havia conversado com exclusividade com Splash antes do julgamento, pedindo que o STF não se intimidasse diante do chamado "terrorismo religioso"— disse o seguinte ao ministro Gilmar Mendes na sessão de hoje:
Trata-se de uma peça de humor ficcional que procura levar reflexão sobre a condição da homossexualidade diante das grandes religiões da humanidade. Se alguma verdade foi revelada, foi o sentimento discriminatório e homofóbico de quem considera que comparar Cristo a um homossexual é uma comparação com condição inferior.
No início deste ano, por decisão do desembargador Benedicto Acicair, do TJRJ, o especial teve sua exibição suspensa na Netflix (atendendo a uma ação movida pela Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura). No entanto, graças a uma decisão do ministro Dias Toffoli, do STF, o conteúdo não chegou a sair do ar.
Leonardo Camanho Camargo, advogado da Associação Dom Bosco no processo, rebateu os argumentos de Gustavo Binenbojm. Para começar, ele alegou que não houve censura prévia ao conteúdo, já que o especial de Natal do Porta dos Fundos foi lançado na Netflix e recebeu críticas de partes da sociedade.
O mundo não se faz apenas de liberdade de imprensa, mas de dignidade da pessoa humana e respeito à imagem das pessoas. Enredo cheio de expressões chulas, de baixo calão, que não reproduzo aqui para não chocar a audiência. Não é o problema de Jesus ter sido homossexual, retrata-se Maria como prostituta. É um contexto grotesco e abusivo. Isso seria, senhor ministro, liberdade de expressão?
Um dos criadores do Porta dos Fundos, Antonio Tabet usou o Twitter para ironizar o comentário de Leonardo Camanho Camargo:
Meio triste constatar que o advogado que tenta derrubar o especial de Natal do Porta dos Fundos no STF não sabe o que é uma prostituta. Se soubesse, talvez, até gaguejasse menos, tadinho.
Tanto Gilmar Mendes quanto o ministro Edson Fachin ressaltaram durante o julgamento que a Netflix agiu corretamente ao disponibilizar classificação indicativa de idade para o especial do Porta dos Fundos, assim como uma descrição para o conteúdo.
O ministro relator destacou que os ofendidos pelo material podem simplesmente não assistir ao vídeo, sem que seja necessário restringir o acesso a ele de toda a sociedade. Cármen Lúcia concordou e disse que o especial não está exposto aos que não querem vê-lo.
Foram citados casos como o da revista "Charlie Hebdo", da França, que sofreu atentado após publicar charge ironizando Maomé. Vale lembrar que a sede do Porta dos Fundos no Rio de Janeiro foi vítima de ataque com bombas após o lançamento do especial.
Em parecer enviado ao STF antes do julgamento de hoje, a PGR (Procuradoria-Geral da República) apontou que houve censura à Netflix e defendeu a permanência do especial de Natal do Porta dos Fundos no ar.
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