Tom Zé relembra 'bronca' de Gilberto Gil e ameaças na internet
Tom Zé, 84, é um ser humano inquieto. Nem a quarentena provocada pela pandemia do novo coronavírus fez um dos maiores nomes da música brasileira, protagonista do tropicalismo, descansar.
Em conversa por telefone com Splash, o cantor falou sobre seu mais novo álbum, "Raridades", e sobre seu principal trabalho na quarentena: produzir canções para o musical "Língua Brasileira", de Felipe Hirsch.
O nome do novo disco é auto-explicativo: "Raridades" tem 14 músicas gravadas entre 1969 e 1976, que estavam no catálogo das gravadoras Continental e RGE e foram descobertas pelo jornalista Renato Vieira.
O Renato achou ouro puro, é uma coisa preciosa a pesquisa que ele fez.
Antes de começar a entrevista, Tom Zé adiantou: "antes de conversar com jornalista, eu sempre estudo". E a memória de Tom Zé é uma coisa inacreditável. Mesmo quando lhe escapa o nome de algum arranjador querido ou de algum das suas dezenas de álbuns lançados, ele recorre, aos gritos, à dona Neusa, sua esposa. Parece difícil, mas a memória de Neusa é ainda mais fiel. As respostas para as dúvidas de Tom chegam mais rápidas que qualquer pesquisa no Google.
Na sua pesquisa pré-entrevista, Tom tinha na mão histórias por trás de cada música no álbum. Ele fala sobre os arranjos formidáveis Hector Lagna Fietta (1913-1994) em "Feitiço" e "Silêncio de Nós Dois", sobre o prazer de cantar "Jeitinho Dela" com os Novos Baianos no festival de Música Popular Brasileira da Record em 1969, e o trocadilho de "Quem Não Pode se Tchaikovsky", em referência ao compositor clássico de origem russa.
Mas a história que mais marcou o cantor foi envolvendo seu parceiro de tropicalismo, Gilberto Gil. Em 1969, o Brasil vivia sob o regime militar e o recém-vigorado AI-5, ato institucional que endureceu a repressão. Em dezembro de 1968, Gil e Caetano Veloso foram presos. Em fevereiro do ano seguinte, ganharam a liberdade, mas não podiam sair da Bahia e tinham que se apresentar regularmente à polícia. Segundo o cantor, ainda em fevereiro, Gil conseguiu uma autorização para viajar à São Paulo e ir a um show de Gal Costa e Tom Zé.
Quando soube que Gil estava presente, fui falar com ele após o show. Se formou uma roda e ele falou, na minha direção: 'Você está maluco?'. Nessa época, eu fugia um pouco do senso comum da Tropicália, tinha minhas experimentações. Quando ele falou aquilo, parecia uma bronca, era num tom exaltado. Eu me espantei, e ele completou: 'Essas músicas que você está cantando [referências a 'Dói e Você Gosta'], não são do Brasil, são de qualquer lugar do mundo!'. Foi uma cena fantástica.
Gil, obviamente, estava certo. Mas demorou para o mundo conhecer Tom Zé, que ficaria os próximos anos em uma espécie de ostracismo por conta do seu trabalho experimental, até ser descoberto por David Byrne, então nos Talking Heads, no fim dos anos 1980.
Sobre seu trabalho durante a quarentena, Tom diz que as produções para o musical vêm demandando bastante tempo e ocupando sua mente durante o período em casa. Ele também se tornou um pesquisador da história da língua portuguesa.
Eu tenho trabalhado muito, eu estou fazendo músicas para um musical que falará sobre as nuances da linguística, um assunto que estou muito interessado por agora. A peça entraria em cartaz no mês de março, mas por conta da pandemia, adiou. Então, fico conversando com o Felipe Hirsch, fazendo sugestões, ele falando sobre os atos, o que pensa de música para cada momento.
Cancelamento e o 'drible' para falar de política
Em 2013, Tom Zé lançou o EP "Tribunal do Feicebuqui", onde já falava sobre o ódio na internet, tão em voga nos dias de hoje. À época, o cantor foi criticado por narrar um comercial para a Coca-Cola promovendo a Copa do Mundo no Brasil.
Hoje, o cantor diz que está fora das redes, muito por conta da sua esposa.
Na internet, quando tem milhares de comentários já é algo grande. Comigo, eram aos milhões. No caso do comercial da Coca-Cola, muita gente reclamou, diziam que não esperavam o Tom Zé fazendo um comercial para uma empresa capitalista. Anos depois, eu fiz músicas bastante críticas ao presidente Temer e ao golpe contra Dilma. Aí o negócio ficou feio, teve até ameaça. Aí a Neusa fechou tudo, ela dizia: 'Eu só tenho um marido, não vou dar sopa'. Hoje não acompanho mais.
Em 2018, numa entrevista à Folha de São Paulo, ele se disse medroso quando o assunto era política. Mas, por conta do momento atual, ele dá os seus jeitos de criticar.
Eu estou mais reservado, mas não deixo de colocar o dedo na ferida. Há um tempo, fiz algumas lives e tinha o combinado de não ficar falando de política. Mas, da minha maneira, eu fiz as minhas críticas. Ficou nas entrelinhas e quem pegou, pegou.
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