Depois de tudo, o que 'quebrou' Lucas foi a bifobia, e isso não é surpresa
Não é "deslegitimação da shippada". Também não é homofobia. O que aconteceu no 'BBB 2021', da noite de ontem para a manhã de hoje, tem um outro nome: bifobia. E todo mundo que assistiu, em um nível ou outro, em um tempo ou outro da vida, tem uma conta a acertar com ela.
Se o 'BBB' é um experimento antropológico que reflete (ou coloca uma lupa sobre) a realidade de fora da casa, o que aconteceu depois do beijo de Lucas e Gilberto na festa 'Holi Festival' foi o programa cumprindo o seu destino: pergunte para qualquer pessoa bissexual e vai ouvir que nada do que Lucas foi obrigado a escutar depois do beijo é inédito, ou mesmo particularmente original.
São agressões absolutamente familiares que todo bissexual, muito provavelmente, já ouviu mais de uma vez. Eu certamente as ouvi muitas. Se você conhece uma pessoa bissexual que confia em você, é possível que você já tenha escutado essas histórias. Eu espero que elas não tenham caído em ouvidos surdos.
E é preciso chamar o que aconteceu pelo nome correto. O espanto de Lucas quando Lumena, uma mulher lésbica, gargalhou na sua cara ao ouvir que ele era bissexual; a forma como a DJ baiana, flanqueada por Pocah e Karol Conká (que não podem ser absolvidas disso só por também se declararem bissexuais), disse que ele estava "apropriando uma luta coletiva por uma questão individual"; o questionamento que quase todos na casa fizeram sobre Lucas estar "usando" Gilberto, e o beijo que deu nele, para se promover — todos esses são chavões comuns da bifobia, desafios cotidianos que pessoas bis sofrem contra a própria identidade, não importa quantas vezes a afirmem.
Por isso, é comum ouvir na militância que o bissexual existe em uma espécie de limbo. Ele não é aceito pelas pessoas heterossexuais, como alguns gostam de argumentar para invalidar a luta — as atitudes de Rodolffo e Caio na noite de ontem mostram que é uma impossibilidade que qualquer identidade fora do heteronormativo seja plenamente aceita nesses ambientes; e tampouco é visto como parte legítima da comunidade LGBTQIA+, apesar do "B" estar logo ali na sigla.
E viver nesse limbo é devastador para a saúde mental. Se outras militâncias falam de micro-agressões, ou de como os preconceitos não estão só em atitudes caricatas e fisicamente violentas, mas também nas sutilezas da opressão psicológica, e na forma como a sociedade é construída para sancionar e até incentivar essa opressão, não é diferente (guardadas proporções, onde elas precisam ser guardadas) para as pessoas bissexuais.
Lucas está há semanas sofrendo com o isolamento, a grosseria, o bullying e o constante rebaixamento por parte de quase todo o restante da casa, especialmente de um grupão encabeçado por Karol Conká e Lumena. Mas foi na primeira vez que se assumiu bissexual abertamente que ele encontrou seu limite. Depois de todas as violências, as cutucadas, que ele sofreu, a bifobia foi o que ele não foi capaz de aguentar, o que o levou a desistir do programa.
Em 2020, um estudo publicado pelo "Journal of Affective Disorders" concluiu, ao entrevistar quase mil pessoas lésbicas, gays e bissexuais em Hong Kong, que os indivíduos bis reportavam uma incidência maior de problemas como depressão e ansiedade, eram menos frequentemente assumidos para familiares, amigos e a sociedade em geral, e se sentiam menos conectados a comunidade LGBTQIA+ como um todo.
Pesquisas similares, com recortes mais específicos, apontam que mulheres bissexuais sofrem mais com problemas psicológicos e distúrbios alimentares do que mulheres lésbicas, por exemplo; e que pessoas bissexuais racializadas (não-brancas) também são atingidas desproporcionalmente nesse sentido.
É um assunto sério. Eu gostaria que estivéssemos falando sobre isso há muito tempo, e que Lucas Penteado, não importa quais tenham sido seus erros dentro e fora da casa do 'BBB', nunca precisasse ter passado por isso em rede nacional. Mas, se servir para despertar o Brasil para algumas dessas realidades, que bom: antes tarde do que nunca.
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