A história do Carnaval, maior festa do Brasil e hoje cancelado pela covid
Já diria o famoso refrão: "em fevereiro, tem carnaval. Tem carnaval". Não em 2021, este ano será bem diferente disso, é verdade. Provavelmente vai deixar saudades. E você sabe o motivo do carnaval cair entre fevereiro e março? E mais, você sabe como e quando surgiu a festa mais brasileira de todas?
Apesar de não parecer, o Carnaval tem bases no cristianismo. Foi um feriado criado para poder manter tradições e amenizar o período da quaresma, que tem por característica ser uma época de orações e jejuns, sempre 40 dias antes da Páscoa.
Alguns historiadores dizem que a festa teria surgido no antigo Egito ou na Europa medieval e era uma espécie de culto de agricultores que pediam temporada de boas colheitas. Mas foi com o Império Romano que ela se transformou. Essas festas eram chamadas de Saturnálias, em homenagem ao deus Saturno, que aconteciam nos meses de novembro e dezembro.
Nas Saturnálias, nobres e escravos se misturavam nas ruas para as celebrações, que incluíam muita comida, bebida, música e dança. Com o apadrinhamento de Baco, o deus do vinho. Lembra muito uma certa festa, certo?
Com o fim do Império Romano e a ascensão da Igreja Católica, a tradição quase acabou. E para não desagradar os novos fiéis, a igreja resolveu manter a festa, desde que movida para antes do início da Quaresma e com o nome de "Carnevale", que em latim significa "adeus à carne".
Por isso a data exata do Carnaval é móvel, ela varia de acordo com a data da Páscoa, que é sempre no primeiro domingo após a lua cheia que aparece logo após o equinócio de primavera no Hemisfério Norte.
O Carnaval conhece o Brasil e o mundo conhece o Carnaval
Embora seja uma festa global, foi no Brasil onde o carnaval se encontrou e se transformou num espetáculo popular, especialmente no Rio de Janeiro. E como isso aconteceu?
Em Portugal, o Carnaval já era comemorado nos séculos 15 e 16, com o nome de "entrudo". Quando os portugueses começaram a migrar para cá, nos séculos 17 e 18, essa tradição foi se consolidando por aqui. Nessa época, a forma de brincar o carnaval/entrudo, era basicamente jogando coisas uns nos outros pelas ruas, por exemplo, água, limões de cheiro (bolinhas de cera cheias de perfume), farinha de trigo e até lama, fezes ou lixo. A prática foi (felizmente) proibida em 1841.
Foi no início do século 19, que a festa começou a se transformar de verdade, com os novos costumes vindos da corte portuguesa. Importamos os "ranchos", que eram desfile de carruagens enfeitadas pelas ruas, ocupadas por pessoas usando máscaras e fantasias vindas geralmente de Paris. Logo depois desses desfiles, começavam os bailes de carnaval e eram realizados em clubes requintados, frequentados pela corte e pela nova elite brasileira. Nas camadas mais pobres da população seguia a tradição do entrudo, que viria a desaparecer apenas no início do século 20.
A popularização da festa
Com o passar do tempo, clubes e locais mais populares passaram a ter seus próprios bailes de carnaval, era o início do surgimento de sociedades carnavalescas e cordões, que mais tarde dariam origem a escolas de samba. Um deles surgiu em 1886, o Cordão Estrela da Aurora. Os cordões eram uma alternativa popular e barata aos grandes bailes da elite. Começava ali a inserção de batuques africanos.
Foi nos primeiros anos da República que o carnaval começaria a tomar a cara que conhecemos hoje, foi nesse período que ranchos, desfiles de máscaras e fantasias em carros enfeitados pela avenida se popularizaram no Rio de Janeiro. Em 1916 tivemos o nascimento oficial do samba, em 1928, a fundação da primeira escola de samba, a "Deixa Falar". E o primeiro concurso de escolas de samba aconteceria em 1932, tendo a Mangueira como campeã. Um dos principais lugares em que aconteciam as festas populares era a Praça Onze, no bairro do Estácio.
Até o próprio presidente da República, então Getúlio Vargas, preocupado em demonstrar interesse pelos pobres, resolveu reconhecer o evento e dar-lhe condições para se estruturar melhor. Desde então, a festa foi evoluindo até se tornar o Carnaval típico do Rio de Janeiro, hoje internacionalmente reconhecido e não apenas o do Rio de Janeiro.
O Carnaval por todo o Brasil
O Carnaval brasileiro tornou-se conhecido em todo o mundo por causa do espetáculo grandioso dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, mas há anos é muito mais do que isso. Em São Paulo, o nível vem crescendo ano após ano e o espetáculo vem ganhando notoriedade, além do fato da popularização dos blocos de rua, que conquistaram a capital paulista nos últimos anos.
É também bem popular o Carnaval da Bahia, famoso pelos trios elétricos, criados por Dodô e Osmar, no Carnaval de 1950 e aperfeiçoado em 1951, quando a dupla saiu tocando em cima de um Ford 49. Na Bahia também são bastante tradicionais os os grupos de afoxé, formados quase que exclusivamente por negros. O primeiro grupo, a Embaixada Africana, surgiu em 1885 e reunia pessoas vestidas de trajes de nobres africanos para cantar e dançar músicas inspiradas na cultura africana. A tradição se repete até hoje, em todo Carnaval, com pessoas negras vestidas de príncipes cantando em nagô, um idioma africano.
Por todo o Nordeste podemos ver uma infinidade de festas incríveis e diversas, cada uma mantendo suas tradições e belezas típicas. Os mais tradicionais carnavais de rua do país acontecem em Natal, Maceió, Olinda e no Recife. Por todas as capitais vemos diferentes ritmos e festas, como o maracatu e o frevo. Quem nunca viu os famosos "bonecões de Olinda"?
E o que será de 2021?
Por conta da pandemia do novo coronavírus, os desfiles de carnaval de várias cidades do país foram transferidos de fevereiro para o meio do ano, caso já estejam definidas as condições sanitárias para ocorrer o evento. Há também a discussão de um projeto de lei para estabelecer um feriado no mês de julho.
Muitas cidades adiaram os feriados de Carnaval para evitar que as pessoas viajem e promovam aglomerações, mesmo sem desfiles de escolas ou blocos. Para se ter uma ideia, o governo do estado de São Paulo e a prefeitura da capital decidiram não conceder o ponto facultativo para funcionários da administração pública. No Rio, o prefeito Eduardo Paes revogou o ponto facultativo na segunda-feira (15), mas segue sendo feriado na terça-feira (16).
Houve um tempo em que tocar Samba no Brasil era motivo de cadeia
Pouca gente imagina isso, mas tocar samba já foi motivo para ser preso no Brasil. Ser sambista era sinônimo de ser "vadio" e, por associação, "bandido". O pioneiro sambista João da Baiana (1887-1974), por exemplo, enfrentou frequentes problemas com a polícia quando andava com seu pandeiro pelas ruas do Rio de Janeiro. Certa vez ele foi parado por policiais porque estava com o instrumento musical na mão e um agente resolveu apreender o pandeiro, visto como uma prova da "vadiagem" do compositor, segundo narrou o biógrafo Lira Neto em seu livro Uma História do Samba (Cia. das Letras). Naquele dia, sem o pandeiro, João decidiu faltar a uma roda de samba da qual fazia parte. O senador José Gomes Pinheiro Machado (1851-1915), fã do ritmo e um dos políticos mais importantes da época, ficou sabendo da história e pediu que João fosse a seu gabinete.
Pinheiro Machado escreveu uma dedicatória assinada no novo pandeiro de João: "A minha admiração, João da Baiana - Senador Pinheiro Machado". A partir de então, quando era parado por policiais, o músico mostrava o instrumento com a assinatura do parlamentar. Funcionava como um salvo-conduto contra a repressão.
Leia mais histórias sobre o Carnaval
Se você se interessa e quer saber mais sobre as origens do Carnaval brasileiro, separamos obras de vários escritores, entre eles o próprio Lira Neto, para você se aprofundar e entrar no clima da folia:
Uma história do samba
Preço: R$49,16
Depois da aclamada trilogia biográfica de Getúlio Vargas, Lira Neto se lançou ao desafio de contar a história do samba urbano. O escritor cearense traz em sua narrativa singular, o percurso completo desse ritmo que é um dos sinônimos da brasilidade, com riqueza e amplitude de material compilado, recheado de documentos inéditos e registros fotográficos, o projeto será desdobrado em três volumes - neste primeiro, Lira leva o leitor das origens do samba até o desfile inicial das escolas de samba no Rio.
Pra Tudo Começar na Quinta-Feira. O Enredo dos Enredos
R$17,50
Este livro traz um recorte temático e espacial: ele versa sobre os enredos das escolas de samba do Rio de Janeiro e os seus criadores, mostrando a conexão que existe entre os enredos das agremiações e os respectivos contextos históricos em que foram apresentados. Além de fazer uma análise da biografia profissional e a contribuição dos maiores carnavalescos, criadores de enredos, para o crescimento e transformação das escolas de samba do Rio de Janeiro desde 1960, quando a influência desses personagens passa a ser decisiva (e polêmica) para os rumos da festa.
Dicionário da história social do samba
Preço: R$55,92
Este livro vem com a proposta de ser o primeiro dicionário sobre a história do samba no Brasil. O samba resistiu a décadas de racismo e preconceito estético, e se tornou parte da identidade nacional brasileira. Mais do que apenas descrever conceitos, neste importante dicionário os autores reconstroem a memória cultural de nosso país.
Meu bloco na rua: A retomada do carnaval de rua do Rio de Janeiro
Preço: R$30,50
Neste livro, a jornalista e produtora cultural Rita Fernandes demonstra como se deu a retomada carnavalesca na década de 1980 - acompanhando os movimentos de reabertura política - e conta por que a história da maior festa popular do mundo é também um elogio à liberdade por meio de blocos como Simpatia É Quase Amor, Barbas e Suvaco do Cristo Em Meu bloco na rua,
Princípio do Infinito: um Perfil de Luiz Carlos da Vila
Preço: R$26,50
O livro conta a história do samba no Rio de Janeiro a partir da trajetória entremeada de muitas fotografias históricas de um dos maiores poetas do Brasil, Luiz Carlos da Vila.
Carnaval é cultura: Poética e técnica no fazer escola de samba
Preço: R$164,91
Quando falamos sobre Carnaval nos últimos anos, um dos nomes mais lembrados é de Milton Cunha, carismático carnavalesco e comentarista da TV Globo, neste livro, ele registrou os bastidores de vinte anos de seus desfiles, abriu seu baú pessoal, selecionou mais de 500 imagens que, além de captar os momentos de delírio na avenida, revelam o trabalho de dez meses antes nos barracões, nas quadras, nos ensaios: como o desfile do ano seguinte é pensado, planejado e executado, como os materiais são reaproveitados, como a festa gera trabalho e desenvolve artesãos.
Carnaval em Branco e Negro: Carnaval Popular Paulistano 1914-1988
Preço: R$63,00
"Carnaval em branco e negro" trata-se de um estudo denso, rico em detalhes, no qual a vida dos bairros da cidade de São Paulo se revela através da folia. O álbum de fotos, acompanhando o livro, faz o leitor imergir nas imagens: as fantasias singelas dos blocos de negros, suas modestas moradias enquadrando os conjuntos musicais, o pequeno fausto dos automóveis, as mulheres bem vestidas, indicando já um certo enriquecimento de uma camada de imigrantes europeus.
Por que perdeu?: Dez desfiles derrotados que fizeram história
Preço: R$58,31
Nesta obra de escrita certeira, faro jornalístico e responsabilidade com a memória do carnaval, Marcelo de Mello faz um trabalho de revisão e reflexão, revisitando desfiles inesquecíveis ocorridos entre 1977 e 2004, com desfiles que não obtiveram a primeira colocação, mas ficaram marcados na história da festa e na recordação popular.
Caretas de Maragojipe
Preço: R$71,51
Caretas de Maragojipe é um registro fotográfico que João Farkas realizou do Carnaval da cidade de Maragojipe, na Bahia, durante cinco anos. São retratos dos habitantes com suas máscaras e fantasias diante de uma parede que a prefeitura pinta todos os anos de azul.
Uma dica: para você que prefere ler virtualmente, é possível encontrar essas obras no Kindle Unlimited, serviço da Amazon que reúne mais de um milhão de e-books, é gratuito no primeiro mês e custa R$ 19,90 após a promoção.
* Os preços e a lista foram checados no dia 11/02/2021 para atualizar esta matéria. Pode ser que eles variem com o tempo.
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