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Belo é preso por show em escola pública do Rio durante a pandemia

Marina Marini e Tatiana Campbell*

De Splash, em São Paulo, e colaboração para Splash, no Rio

17/02/2021 14h39Atualizada em 17/02/2021 19h54

Belo foi preso hoje pela Dcod (Delegacia de Combate às Drogas), da Polícia Civil do Rio de Janeiro. O cantor é investigado pela realização de um show no Complexo da Maré, Zona Norte do Rio, durante a pandemia do novo coronavírus.

O evento, que aconteceu no interior da Escola Estadual do Parque União na última sexta-feira (12), não foi autorizado pela Secretaria Municipal de Saúde e nem pela Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro. Por isso, a polícia também investiga uma suposta invasão ao local.

Procurada por Splash, a Sepol (Secretaria de Estado de Polícia Civil), informou que a operação recebeu o nome "É o que eu mereço". A defesa de Belo também foi procurada, mas até a publicação desta reportagem não atendeu nem retornou os pedidos de entrevista.

Belo chegando na Cidade da Polícia, na Zona Norte do Rio de Janeiro - AgNews / AgNews - AgNews / AgNews
Belo chegando na Cidade da Polícia, na Zona Norte do Rio de Janeiro
Imagem: AgNews / AgNews

A ação prendeu preventivamente outras três pessoas além de Belo: Célio Caetano e Henrique Marques, sócios da produtora Série Gold, responsável pela organização do evento; e Jorge Luiz Moura Barbosa, o Alvarenga, apontado como chefe do tráfico no Parque União.

"Como se tal situação, por si só, não fosse absurda e suficiente para uma resposta do estado, foi verificado junto à Seeduc que o evento ocorreu sem qualquer autorização, configurando verdadeiro esbulho/invasão de um prédio público para a realização de um evento privado, contrário ao interesse público e que serviu para propagar ainda mais a doença viral", disse o delegado Gustavo de Mello de Castro, titular da Dcod.

Material apreendido na casa de Belo

De acordo com o delegado, foram apreendidas duas armas na casa de Belo cujo vencimento do registro será checado. A polícia também encontrou mais de R$ 40 mil, US$ 1 mil e £ 3,5 mil em espécie.

Segundo a Polícia Civil, o cantor responde por quatro crimes: infração sanitária, crime de epidemia, invasão a prédio público e organização criminosa. "Os fatos são graves, além de gerar uma grande aglomeração de pessoas, houve uma invasão de uma escola pública e além da festa — segundo as nossas informações — ter sido capitaniada pelo traficante local", explicou o delegado.

"O crime de epidemia tem uma pena muito alta porque causa o risco de morte. E quando a gente reúne esse grande número de pessoas no mesmo evento, a gente impulsiona a epidemia de uma forma muito rápida. É muito arriscado, inclusive é proibida a realização de tais eventos", afirmou o delegado.

Ao realizar o show, ele promove toda a engrenagem do narcotráfico no interior daquele comunidade. A gente tem relatos de que lá havia pessoas armadas, crianças consumindo droga. Quando ele aceitou realizar o evento no interior da comunidade, dentro de uma escola invadida — onde houve invasão até de sala de aula —, ele faz com que aquela facção se fortaleça.

Ainda de acordo com Gustavo de Mello de Castro, Belo foi preso em uma casa em Angra dos Reis, na Costa Verde Fluminense, enquanto gravava uma entrevista para um programa de TV — segundo Splash apurou, o programa é o Hora do Faro, da Record. O delegado acrescentou ainda que "ele [Belo] deveria ter avaliado melhor aonde ele iria realizar o show. Por já ser experiente ele poderia ter optado por não ir aquele local".

O delegado também disse que, quando terminar de prestar depoimento, Belo deve ser encaminhado para a Polinter (divisão da Polícia Civil responsável pelos mandados expedidos em conjunto com outros estados da federação) para, em seguida, seguir para o sistema prisional.

Gracyanne Barbosa, esposa de Belo, está na delegacia apenas como acompanhante e somente presterá depoimento caso a polícia julgue necessário.

Gracyanne Barbosa chega à Cidade da Polícia, na Zona Norte do Rio de Janeiro - ROBERTO FILHO / BRAZIL NEWS - ROBERTO FILHO / BRAZIL NEWS
Gracyanne Barbosa chega à Cidade da Polícia, na Zona Norte do Rio de Janeiro
Imagem: ROBERTO FILHO / BRAZIL NEWS

A delegacia também cumpriu cinco mandados de busca e apreensão e confiscou equipamentos e veículos.

Além das prisões, a Justiça decretou a suspensão das atividades da sociedade empresária e bloqueio das contas bancárias dos investigados, até que se apure os prejuízos causados pela ação.

Na saída da delegacia, Belo afirmou que não sabe qual crime cometeu para estar sendo investigado.

"Até agora eu não entendi o que eu fiz para estar passando por isso aqui, eu não sei o que que fiz. Eu quero saber qual o crime que eu cometi. Eu só subi no palco e cantei, é isso o que eu faço", declarou o cantor.

'Precisamos trabalhar'

Gracyanne Barbosa usou os stories do Instagram para desabafar após a prisão de Belo

A musa fitness afirmou que o marido tem seguido todas as normas da pandemia e lembrou que sua família precisa do dinheiro proveniente do trabalho dele.

"Desde que foi liberado voltar os shows, ele tem feito a parte dele, cumpre as normas, testa sua equipe, verifica tudo pertinente a ele e à sua equipe. E assim se espera que todas as outras partes também façam", afirmou Gracy.

Eventos não autorizados

Em contato com a reportagem, a Seeduc reforçou que não houve qualquer pedido de liberação do pátio da escola no Complexo da Maré para a realização do evento.

"Desde o início da pandemia e a suspensão das aulas presenciais, a Seeduc não autorizou nenhum evento de qualquer natureza dentro de suas unidades escolares", diz o comunicado.

Festas clandestinas marcaram o Carnaval do Rio de Janeiro. Ontem, dia que o estado registrou o maior número de casos de covid-19 desde o início da pandemia — 8.385 —, a capital fluminense teve mais uma noite de aglomerações, ruas cheias, festas lotadas e desrespeito às normas sanitárias da cidade. Endereços bem conhecidos dos cariocas voltaram a ser palco de irregularidades.

Desde a última sexta-feira (12), a Secretaria Municipal de Ordem Pública informou que foram contabilizadas 83 inspeções sanitárias, com 30 interdições e 63 infrações em estabelecimentos por aglomeração e descumprimento de outras medidas de proteção à vida, além da falta de licenciamento. Até o momento, de acordo com o último boletim da prefeitura do Rio, todas as 33 regiões da cidade estão com risco alto para a covid-19, segundo nível em uma escala de três.

Em situações como esta, segundo o município, as atividades de entretenimento em ambientes abertos só podem funcionar se forem cumpridas as medidas protetivas permanentes, como o uso da máscara, manter pelo menos 2 metros de distância de outras pessoas para não gerar aglomeração e também a limitação de público em 3/4 da capacidade interna do estabelecimento.

Belo se pronuncia

A assessoria de imprensa do cantor utilizou as redes sociais na noite de hoje para falar sobre a situação do artista. Em nota, a família e a equipe do cantor afirmaram estar "surpresos e consternados" com o mandado de prisão preventiva realizado hoje pela Polícia Civil do Rio de Janeiro.

De acordo com a nota, "o show foi legalmente contratado pela produtora Série Gold, conforme comprovam notas fiscais e outros documentos já entregues às autoridades."

"O espanto se dá em razão da prisão ter ocorrido mesmo após parecer contrário do Ministério Público (MP) e também da falta de isonomia quando se trata de apresentações artísticas durante a pandemia da Covid-19, pela qual Belo teve a saúde acometida há três meses e a agenda cancelada integralmente há um ano."

O comunicado ainda afirma que Belo pede desculpas por ter se apresentado em uma "aglomeração" e que ele retomou há pouco tempo para os palcos. "com compromissos ainda insuficientes para reverter o prejuízo dos meses em que esteve impedido de trabalhar, enquanto indústria, comércio e outras atividades de lazer — inclusive as casas de show — voltaram a funcionar, ainda que com restrições."

A assessoria ainda cita que o evento que Belo participou "nõ foi o primeiro e nem será o último em que aglomerações fugiram do controle dos organizadores" e critica a postura das autoridades da atenção "mais expressiva" dada ao caso de Belo.

"Completa o estado de choque do cantor o fato de que o evento de sábado não foi o primeiro e nem será o último em que aglomerações fugiram do controle dos organizadores. No entanto, chamou atenção das autoridades, de maneira mais expressiva, justamente um episódio na Maré, uma das maiores favelas cariocas, onde eventos culturais já são comumente reprimidos pela ideia de que os moradores de comunidades não merecem vivenciar a arte da mesma maneira do que aqueles que residem em áreas mais ricas da cidade."

"Ecoando o questionamento feito ao longo do dia nas redes sociais, a equipe de Belo também se pergunta se a situação seria a mesma caso o show ocorresse em bairros da Zona Sul e com artistas de gêneros musicais menos negligenciados do que o pagode. Um exemplo dessa distinção é o fato de não haver registro de prisões na interdição de um baile de carnaval."

'De acordo com a Lei'

Belo - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Em publicação, assessoria afirma que evento era legalizado
Imagem: Reprodução/Instagram

A assessoria de imprensa do cantor reafirmou em outra publicação que o show realizado na última sexta (12) aconteceu com toda a documentação "de acordo com a lei" e que as autoridades não teriam dado a chance da equipe apresentar as provas antes da prisão preventiva. A publicação foi deletada logo em seguida.

"Para esclarecimento dos últimos acontecimentos divulgados na imprensa, deixamos claro que o artista foi contratado para show referido, com toda documentação de acordo com a lei ; tendo contrato, nota fiscal e garantia de todos os protocolos de segurança pela empresa que o contratou. Estamos documentados e com todos os respaldos pertinentes a esse evento", dizia comunicado.

"Infelizmente, o Brasil é um país onde a justiça funciona somente para alguns. Sequer deram o direto da nossa parte apresentar algum documento que justificasse o trabalho, pediram a prisão preventiva direto.
Agradecemos a todos, o carinho que estamos recebendo nesse momento difícil."

Tecido fino e tênis

Belo foi preso pela primeira vez em junho de 2002 acusado de associação com o tráfico de drogas. Após ficar cinco dias foragido, o cantor se apresentou à Justiça e teve a prisão preventiva decretada.

Na ocasião, a polícia descobriu, por meio de grampos em celular, autorizados pela Justiça, conversas entre Belo e Valdir Ferreira, o Vado, apontado pela polícia como gerente do tráfico na favela do Jacarezinho, zona norte do Rio.

O traficante pedia na conversa R$ 11 mil para comprar um "tecido fino", que, segundo os policiais, era um termo usado para se referir a cocaína. Em troca, daria um "tênis de marca AR", que seria um fuzil AR-15.

Vado morreu em agosto de 2002, durante confronto com a polícia na favela do Jacarezinho.
Já o cantor ficou 37 dias preso na carceragem da Delegacia de Divisão Antisequestro, no Leblon, zona sul do Rio, onde dividiu uma cela com sete detentos, até conseguir um habeas corpus para responder em liberdade.

Ele deixou a carceragem no dia 12 de julho, mais magro, com os cabelos pretos, acompanhado de Viviane Araújo, sua noiva na ocasião.

Em dezembro de 2002, o cantor foi condenado a seis anos de prisão, mas recorreu em liberdade ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) pedindo um novo julgamento.

Quarto com paredes falsas

Na manhã de 5 de novembro de 2004, Belo foi preso novamente, em sua casa no Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste do Rio. Ele estava escondido em um quarto com paredes falsas após ter sido condenado a oito anos de prisão pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro pelos crimes de tráfico e associação.

O cantor cumpriu pena inicialmente no presídio Ary Franco, foi transferido para o presídio Evaristo de Moraes e depois voltou para o Ary Franco, após agentes encontrarem celulares e um videogame na cela que Belo dividia com outros quatro presos.

Em março de 2006, ele passou para o regime semiaberto, mas foi proibido de realizar shows fora do município do Rio de Janeiro.

Em julho de 2008, a juíza Cristina de Araújo Góes Lajchter, da Vara de Execuções Penais, concedeu liberdade condicional ao cantor. Na decisão, a magistrada entendeu que ele já havia cumprido um terço da pena e obteve comportamento satisfatório. Ainda assim, ele precisou respeitar algumas restrições, como não ficar fora de casa após as 23h.
Em março de 2010, a juíza Roberta Barrouin Carvalho de Souza, da Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro, concedeu liberdade total ao cantor.

No programa "Conversa com Bial", em 2019, Belo relembrou a prisão e disse que, na ocasião, estava vivendo um momento de ascensão como artista. "Esse episódio me levou do céu ao inferno em fração de segundos. Não acreditei que seria preso porque cometi um erro de falar um minuto e trinta e oito segundos no telefone. Mesmo assim, fui preso, condenado e fiquei três anos e oito meses. Foi um episódio tão triste! Achei que a minha vida tinha acabado de forma total".

* Colaborou Marcela Ribeiro, de Splash, no Rio