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Há dez anos Caetano estacionava no Leblon (e eu estava lá)

Em homenagem à legenda original: Caetano Veloso se prepara para atravessar uma rua do Leblon Fausto Candelaria/AgNews

De Splash, em São Paulo

10/03/2021 04h00Atualizada em 10/03/2021 10h25

Era uma quinta-feira, informava o título. Na foto, um senhor de semblante ameno olha o trânsito enquanto se preparava para atravessar a rua.

Poucos minutos antes do clique, Caetano Veloso havia estacionado no Leblon. Nascia ali um dos maiores memes do jornalismo brasileiro.

Isso foi há 10 anos.

E eu estava lá.

Não no Leblon.

Estava na redação no Terra, onde a notícia foi publicada em 10 de março de 2011.

Era editor-assistente de Diversão, editoria do portal responsável pela cobertura de cinema, música, séries, televisão e...famosos.

Celebridades dão audiência até hoje, mas sinto que em 2011 a corrida por cliques em portais era ainda mais ferrenha. Estamos falando do auge do extinto site Ego e paparazzi trocando tapas nas praias do Rio e nos aeroportos da ponte-aérea.

E aí nasce talvez a explicação da existência de um título como "Caetano estaciona carro no Leblon nesta quinta-feira", "Victor Fasano aponta chinelo para fotógrafo", "Grazi Massafera deixa a academia de celular na mão" e tantos outros produzidos naquela época.

Famoso saindo da academia com celular na mão? Dezenas de imagens como essa da Deborah Secco lotam as caixas de e-mail das redações diariamente. Imagem: Dilson Silva/AgNews

Não sei te dizer ao certo por que esse título viralizou, mas sempre lembramos dele em 10 de março.

Há alguns anos, nesta data, abri um tópico no meu Facebook para relembrar a ocasião. Em certo ponto da conversa, nos demos conta de que não sabíamos de quem era a autoria da nota que tanto viralizou.

Abriu-se ali, no Facebook mesmo, uma CPI não governamental: coloque jornalistas curiosos com um tema fútil e terá uma investigação completa. Foram dezenas de mensagens trocadas entre ex-colegas, prints de escala de folga, "acusações" e "defesas".

Até que a pessoa "culpada" se apresentou.

Teu preconceito (e o meu também) vai te fazer pensar que era um estagiário ou um redator pouco qualificado. Mas não. Era uma talentosa jornalista com uma baita bagagem cultural.

E sua identidade será preservada nesse texto.

E por que isso aconteceu? Porque essa era a operação padrão da internet da época. Quantidade e velocidade significavam audiência.

Imagem: Fausto Candelaria/AgNews

E por isso é estranho que só esse tenha viralizado, já que foram tantos produzidos na mesma linha. A cobertura de celebridades da época se baseava numa linha de produção de matérias de dois parágrafos inspirados em fotos de paparazzi.

Eram dezenas de e-mails que chegavam por hora. Principalmente de duas agências que ficavam encarregadas de enviar esse material para as redações de todo o país.

Famosos na praia, no aeroporto, na padaria, na farmácia, em qualquer lugar. Eram milhares de megabytes de imagens tremidas, sem foco com globais irritados ou guardando suas coisas na areia quando percebiam a presença dos fotógrafos.

Olha a Adriana Esteves comprando tortas no Rio; a indústria de paparazzi ainda movimenta dinheiro e rende audiência Imagem: Fabio Martins/AgNews

E absolutamente tudo virava notícia. Cabia ao pobre redator pegar essas fotos e transformá-las em algo que rendesse um clique do leitor.

Nada mais natural que, no meio de uma jornada frenética, a criatividade não bater ao olhar um músico da MPB ao lado de um Kadett atravessando uma rua no Leblon.

Afinal, o título não está errado.

Depois deste e tantos outros episódios com títulos de valor jornalístico questionável, boa parte das redações online —não todas— refletiu sobre seu modo de criação de conteúdo. E a internet também nos ensinou que é bom rir de si mesmo de vez em quando, como o próprio Terra fez nos anos seguintes.

E só para esclarecer: em 10 de março de 2011 eu estava de folga. Não fui eu.

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