Síndrome de Munchausen: o que é a doença que aparece em 'Fuja'
Para entender melhor do que se trata o problema retratado no longa, conversamos com Christian Dunker, psicanalista e professor da USP (Universidade de São Paulo), além de dono de um blog aqui no UOL.
ATENÇÃO! A MATÉRIA CONTÉM SPOILERS DO FILME!
O que é?
A síndrome de Munchausen foi identificada pela primeira vez na década de 1950 pelo médico britânico Richard Asher. O nome da doença faz referência ao barão Munchausen (1720-1797) da Alemanha, conhecido por contar mentiras e inventar histórias sobre si.
É um transtorno factício, ou seja, a crença da pessoa no problema faz parte do quadro. Ela diz estar doente, mas, quanto mais exames são feitos para refutar aquilo, mais ela se nega a acreditar. Envolve um paradoxo: reclamar de um problema e, ao mesmo tempo, causar aquele problema.
Christian Dunker
Portadores da síndrome de Munchausen, portanto, fingem estar doentes ou causam problemas a eles mesmos —é comum se envenenarem ou se cortarem— para receber atenção. No caso da síndrome por Procuração, uma pessoa, geralmente a mãe, adoece o próprio filho para que ela seja obrigada a cuidar dele.
Pode ser que o portador tenha passado por muitos traumas e notado que ganhava atenção quando ficava doente. Podem ser situações em que a família não conseguiu distribuir o sentimento amoroso e a pessoa se sente privada de receber atenção, reproduzindo isso na vida adulta.
A mãe
Em "Fuja", Sarah Paulson vive Diane, mãe que se dedica aos cuidados da filha Chloe (Kiera Allen), que vive numa cadeira de rodas, tem asma e toma vários medicamentos todos os dias. Ao estranhar um dos comprimidos que recebe, Chloe descobre que está sendo intencionalmente paralisada pela mãe.
Dunker explica que os casos de Munchausen por Procuração são mais comuns em mães, mas também podem aparecer em pais superprotetores. Para essas pessoas, a doença do filho é sempre incurável, um caso perdido para qualquer médico.
Essas mães adoram colocar os filhos como desafios para a medicina. Ela pede, mas não aceita a ajuda médica. Espera que a filha seja a 'superpaciente'. Elas têm agressividade e evasão quando o médico faz algo que contrarie essa narrativa. Ela espera que o médico diga que não sabe mais o que fazer.
"O Sexto Sentido"
No filme de 1999, um dos espíritos que pede ajuda a Cole é o de uma garota que quer salvar a irmã de ter o mesmo fim que ela. Durante seu funeral, o pai da menina assiste a um vídeo que mostra a mãe da garota envenenando-a, mesma prática que estava acontecendo com a irmã caçula.
"The Act"
A série de 2019 remonta o caso de Dee Dee e sua filha, Gypsy Blanchard. A mãe abusava da filha, inventando e causando uma série de problemas de saúde, para ganhar doações. A história culminou em Gypsy encomendando o assassinato da própria mãe, crime que a mantém presa nos EUA desde 2015.
No documentário da HBO "Mamãe Morta e Querida" (2017), psicólogos que tratam de Gypsy na prisão relatam que ela acabou absorvendo parte da personalidade da mãe, tornando-se também manipuladora e mentirosa.
Essa mãe é delirante. O delírio pode ser compartilhado por alguém mais jovem ou menos esperto. Ele vai absorvendo para manter a relação. É uma coisa que passa de mãe para filha. A criança aprende a amar naqueles termos: mentindo, manipulando.
Christian Dunker
"Objetos Cortantes"
No seriado da HBO de 2018, uma mãe com síndrome de Munchausen por Procuração mata uma das filhas pelo excesso de medicamentos e torna a outra tão carente por atenção que a garota acaba matando outras crianças, que supostamente estariam distraindo a atenção da matriarca.
Como reconhecer?
De acordo com Dunker, o diagnóstico da síndrome de Munchausen por Procuração é raro e, quando apontado, é rejeitado pelos pacientes. Mas é preciso muita atenção a certos sinais que podem indicar um problema na relação entre mães e filhos.
É comum que mães atrapalhadas com a maternidade comecem a medicalizar como forma de amor. Muitas idas ao médico, muitos remédios. Isso passa despercebido, como se a mãe só fosse excessivamente preocupada. Mas temos que ficar alertas: a mãe quer chamar mais a atenção para ela do que para o filho.
A medicina foi entrando nos cuidados maternos. A mãe sempre sabe como cuidar, é quase uma enfermeira. Essa mãe supercuidadora vai reagir mal se você apontar um problema. "Você está duvidando do amor que tenho pelo meu filho? Vocês é que estão errados!" É difícil o tratamento.
Dunker acredita que a medicalização extrema, com vários especialistas em diversas áreas, pode explicar a onda de produções sobre Munchausen no cinema e na TV.
Temos cada vez mais uma leva maior de produções sobre saúde mental. Aliado a isso, uma cultura de altíssima medicalização. Esse tema combina perfeitamente com o cenário.
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