Um livro foi a 'vacina' usada por menino e avô contra distância na pandemia
Os danos causados pelo coronavírus são incalculáveis. Quando não é fatal, a pandemia é cruel com os sobreviventes isolados do convívios com as pessoas que amam: não há como recompensar o tempo que um avô não pode passar com o neto. Mas Mateus e Mario Sérgio de Moraes viram na arte um remédio contra a solidão do vírus.
Mario, 69 anos, e Mateus, 10, escreveram juntos (mas separados pela distância física) o livro "Tudo Acaba em 10", publicado pela editora Capella. O papo deles com Splash foi leve como a historinha que colocaram no papel e que sonham em transformar em animação.
Arte é vacina contra violência. A gente fez de um momento muito seco, uma árvore frutuosa. No momento mais horroroso do país, com a estupidez que enfrentamos, nós fizemos um doce. - Mario Sérgio, que já tomou a 1ª dose da vacina contra a covid-19
O garoto escrevia, com caneta e papel, as ideias que tinha para a história do personagem Garganta; o avô recebia o manuscrito intermediado pelo filho Luiz Guilherme —o "leva e traz" da família de Mogi das Cruzes (SP)— e digitava a sequência.
Eu senti a ausência dele. Antes da pandemia, ele ia pelo menos duas vezes por semana para a minha casa para dar risada, pular na cama e jogar bola comigo. - o avô Mario
A energia de Mateus ficou clara na conversa por vídeo com Splash: como toda criança não acostumada a dar entrevistas, o menino precisou da ajuda de Mario em alguns momentos para se concentrar na conversa. Ele queria contar à reportagem como construiu cada personagem —não que isso fosse um problema.
Ao lado do avô e da avó Eliane, 67, Mateus cria desde os quatro anos de idade o que eles chamam de "historinhas de três". A ideia nasceu porque os avós queriam aproveitar o tempo depois do almoço para cochilar, mas o menino queria brincar e fantasiar; o meio-termo encontrado foi sonhar acordado. Mario Sérgio se orgulha de ter incentivado este comportamento no neto.
E a imaginação é o "carrossel" mais valioso que ele deixa para o neto:
Eu me sinto como Ignácio de Loyola Brandão. O avô dele era carpinteiro em Araraquara (SP) e fez um carrossel. Ele achava lindo, mas um dia o carrossel pegou fogo. O avô retirou os olhinhos dos cavalos e colocou em uma lata, em uma estante bem alta, para que os netos não pegassem. Um dia, o Ignácio pequenininho subiu, pegou e escondeu os olhinhos. Depois de um tempo, o avô morreu, e ele perguntou para a avó se ela se lembrava desse fato. A avó respondeu: 'Ele sabia que era você porque só você tinha a ludicidade dele'. - Mario Sérgio
O que isso tem a ver?
"Eu acho essa história fantástica", explicou Mario. "É exatamente essa semente de fantasia, de nuvem, de vento, de emoção que eu estou deixando ele viver. Eu quero que ele navegue sempre pelo reino da criatividade. Eu encontrei nele uma espécie de herança daquilo que eu sempre fiz. Nós estamos fazendo uma tabelinha onde eu sou o passado, e adoro ser o passado, e ele é o futuro."
É natural que Mateus não entenda tão bem o romantismo do avô em relação à literatura, mas o menino se empolga com a ideia de já ter publicado um livro e tem certeza de que vai ser famoso.
Para ele, se tornar uma estrela não é questão de "se", mas "quando".
A gente está esperando o livro fazer muito sucesso, todo mundo comprar, para começar a escrever o segundo. - Mateus
A família sabe que, um dia, quando tiver idade para entender a profundidade da pandemia, Mateus vai compreender melhor o quanto o livro protegeu sua cabeça de forma positiva. Porém, apesar da pouca idade, às vezes parece que ele até já sabe mais do que a gente.
O livro ocupou o meu tempo para fazer algo legal na crise desse vírus chato, que me impede de ver meus amigos. Cada milésimo de segundo, minuto e hora foi fundamental na diversão. - Mateus
Mas não se engane, o sonho de Mateus não é ser autor em tempo integral. Como um bom garoto de 10 anos, ele quer ser jogador de futebol. Aliás, o número emblemático da tão desejada camisa 10 é a nota que ele e os avós merecem pela ideia que os aproximou na pandemia.
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