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ANÁLISE

Com dialeto próprio, MC Kevin quis mudar o mercado do funk em SP

Guilherme Lucio da Rocha

De Splash, em São Paulo

17/05/2021 11h17Atualizada em 17/05/2021 16h28

Cocórico! Quem acordou, acordou! Isso que é foda, esquece!

Talvez a frase acima pareça sem sentido para você, mas integra o vocabulário informal das periferias de São Paulo graças a Kevin Nascimento Bueno, o MC Kevin, que morreu ontem (16) aos 23 anos.

O cantor era uma referência do que fazer e do que não fazer para muitos sonhadores, indo muito além da música: o vocabulário próprio, as inúmeras tatuagens, o jeito de cantar e, antes de tudo, ser intenso.

Kevin nasceu para o funk em meados de 2015, no auge do funk putaria. Um dos seus primeiros grandes sucessos, "Pika de Mel", com a produção do DJ R7, era um retrato da vertente que fazia sucesso à época.

Mas, assim como o mercado se inova a cada dia, Kevin não ficou parado vendo o bonde passar. No ano seguinte, ele lançou "Veracruz", música com mais de 100 milhões de visualizações no YouTube e que faz referência ao veículo Hyundai, com uma letra mais festiva e uma produção com carimbo do DJ Jorgin. Publicado - e hoje não mais disponível - no Canal KondZilla, a vitrine do funk para o mundo, Kevin assumia protagonismo na cena.

Seu carisma, o jeito engraçado de dançar e falar, já chamavam a atenção na época.

O olheiro que viu o talento de Kevin foi o empresário Alexandre Santana, o Gugu. Junto com outros MCs da Zona Norte, como MC Pedrinho, MC IG e MC PH, eles formavam os 4M (referência para mulheres, malote, maconha e música). A banca dos artistas e amigos sempre foi vista como uma espécie de "meninos da Vila", jovens amigos de periferia que tinham um sonho de viver de funk, dar uma vida melhor para família e ostentar o que de bom o dinheiro pode oferecer. Eles conseguiram, viraram espelho de funkeiros bem-sucedidos, tanto que 4M virou até marca de roupa - bem famosa nas periferias de São Paulo.

Talvez o som que melhor retrate o MC Kevin é "O Menino Encantou A Quebrada". Nele, o cantor retrata sua infância difícil, seu prazer em empinar pipa e como, graças ao funk, conseguiu ascender e se tornar referência para os jovens de periferia no Brasil.

Em seu hall de sucessos, o cantor ainda tem "Pra Inveja É Tchau", "Cavalo de Troia", "Isso que é Foda". Somados, os hits do cantor possuem mais de 1 bilhão de visualizações no YouTube - por ser gratuita, a plataforma costuma representar melhor o alcance das músicas no mundo do funk.

Antes focado em singles e lançamentos quase semanais, o funk de São Paulo vem passando por uma transformação nos últimos anos com o lançamento de mais EPs e álbuns, pensando num trabalho construído a longo prazo. Kevin, que passou tempos mais recentes sendo lembrado pelas suas declarações na internet ao invés dos seus lançamentos, não perdeu o bonde e lançou o EP 'Fenix', surfando de leve no funk com o trap e se arriscando mais nas produções, um dos seus objetivos para o futuro.

'O Kevin é maluco mesmo'

O corpo lacrado de tatuagem, o jeito molecão, os carros importados e a paixão pelo futebol aproximava Kevin do sonho da molecada. Se os jovens das periferias de São Paulo trocaram a bola pelo microfone, a referência passou de Neymar para Kevin. Seus vídeos antigos, com o artista ainda magro, com aparelho nos dentes e cantando na palma da mão descalço na rua, servem como inspiração. "Se o Kevin conseguiu, eu também posso".

Só que, via redes sociais, o cantor mostrava que o mundo do funk não era um mar de rosas sereno. O cantor cansou de expor problemas do mercado, principalmente envolvendo sua produtora, a GR6.

Há dois anos, ele reclamou da falta de suporte para MCs que estão em momento de "transição" na carreira, passando por um momento de baixa e que não tinha investimento do seu empresário. Disse que iria sair e tentar carreira solo. E com Kevin não tem essa de reunião a portas fechadas, ele colocava o dedo na ferida nos seus stories, para seus quase 10 milhões de seguidores no Instagram.

Agora, em 2020, a coisa foi mais séria. Kevin disse que não vinha recebendo os valores devidos pela reprodução das suas músicas nas plataformas de streaming. O desabafo do cantor, feito via Instagram, fez com que outros músicos apontassem o mesmo problema e abriu uma discussão sobre os contratos firmados e repasse das produtoras.

A discussão resultou na quebra do contrato entre Kevin e GR6, com o MC pagando sua multa rescisória. Mas a briga na internet repercutiu no mundo real, inclusive com o artista pedindo desculpas e agradecendo por todo o suporte que a GR6 deu a sua carreira. O próprio MC se considerava maluco, sabia que sua impulsividade trazia coisas negativas, mas jamais abandonou esse lado.

Agora livre no mercado, Kevin estava pronto para abrir sua produtora e tentar mudar o mercado que ele tanto amava, mostrando para artistas do futuro e do presente que existe vida para além das produtoras.

Mas o sonho do cantor foi interrompido neste domingo.