Depois de 'Hamilton', Lin-Manuel volta às telas com elogiado musical latino
Colaboração para Splash, de Los Angeles
17/06/2021 04h00
Antes do fenômeno "Hamilton", houve "In the Heights", o primeiro musical de Lin-Manuel Miranda, que estreou na Broadway em 2008 e ganhou quatro Tonys. Só agora a versão cinematográfica tão sonhada por seu criador chega às telas —no Brasil, nesta quinta, com o título "Em um Bairro de Nova York".
Miranda cria seus musicais para ver no palco pessoas como ele, um filho de porto-riquenhos com poucas chances na Broadway. "Hamilton" transformou os fundadores dos EUA, que lutaram a Guerra da Independência, escreveram a Constituição e formaram os primeiros governos, em homens negros e latinos.
"In the Heights" refere-se a Washington Heights, bairro de latinos ao norte de Manhattan, onde Lin-Manuel Miranda cresceu. Tem esse nome por causa do Forte Washington, usado pelo exército de George Washington justamente na Guerra da Independência retratada em "Hamilton".
E você vê o primeiro número do musical aqui
A cultura explode em cores, sons e, claro, música e dança, com as canções sempre irresistíveis de Miranda. Os números se espalham pelas ruas pré-pandemia, com multidões dançando sob a água de hidrantes abertos, na piscina, no cabeleireiro, e um casal que baila na fachada de um prédio.
Para a mexicana Melissa Barrera, escolher o bairro como centro da história é ideal para encapsular a diversidade da experiência latina —embora Miranda venha sendo criticado pela falta de... diversidade no filme.
Melissa Barrera
"Em um Bairro de NY" é a história de pessoas comuns e sueñitos, pequenos sonhos. Usnavi (Anthony Ramos) é dono de bodega que sonha voltar para a República Dominicana de sua infância. Ele gosta de Vanessa (vivida por Melissa), manicure que sonha ser estilista e se mudar para o meio de Manhattan.
A "abuela" Claudia (Olga Merediz) na verdade não é avó de ninguém, mas cuida de toda a comunidade como se fosse. É ela quem prega "paciência e fé" e fala das pequenas delicadezas e belezas que afirmam a dignidade dos imigrantes tantas vezes submetidos a absurdos.
Olga, que participou da montagem na Broadway, ficou impressionada com o nível de detalhes incluídos no filme e se emocionou com o vendedor de "piragüa" (interpretado pelo próprio Miranda, desta vez num papel menor), a popular raspadinha no Brasil.
Olga Merediz
Anthony Ramos aparece em momento explosivo: está no ar em "In Treatment", além de ter feito "Hamilton", a série "Ela Quer Tudo" e uma ponta como uma drag queen em "Nasce uma Estrela". O ator, com raízes em Porto Rico, como Miranda, diz sentir a responsabilidade de honrar a cultura e a comunidade.
Anthony Ramos
Isso inclui sua mãe, que criou três crianças sozinha num conjunto habitacional no Brooklyn.
Se não fosse pelo sacrifício dela e de outros, eu não estaria aqui hoje falando com você.
Anthony Ramos
Por isso, seus gritos de guerra na filmagem eram "Pela cultura!" e "Pelo povo!". Ramos, que fez dois papéis em "Hamilton" —o revolucionário John Laurens e o filho mais velho de Alexander Hamilton, Philip—, sabe o valor de uma chance para quem tem tão poucas.
E, assim, "Em um Bairro de Nova York" atua pelo elenco, formado em sua maioria por atores desconhecidos, como um facilitador de "sueñitos" —bem como a história que pretende contar.
Anthony Ramos
Os latinos são a minoria menos representada no cinema e televisão americanos. Eles são mais de 18% da população e compram 25% dos ingressos e, no entanto, ocuparam apenas 5,3% dos papéis principais na TV e 4,6% nos filmes em 2019, segundo estudo da Universidade da Califórnia - Los Angeles (UCLA).
Com roteiro da mesma Quiara Alegría Hudes que escreveu a peça da Broadway, o longa adoraria fazer pelos latinos o que "Pantera Negra" fez pelos negros e o que "Podres de Ricos" fez pelos asiáticos. Não à toa, o diretor é o mesmo deste último, Jon M. Chu.
John M. Chu
Para Melissa Barrera, o filme poderia não apenas para abrir a porta para outros artistas e histórias latinos, mas para deixá-la aberta e, quem sabe, até derrubá-la. Ramos torce pela mesma coisa, para poder fazer por outros o que Lin-Manuel Miranda fez por ele.
Anthony Ramos
A bilheteria no primeiro fim de semana nos EUA foi abaixo do esperado, apesar das críticas quase unanimemente positivas, apontando ser o filme ideal para a reabertura dos cinemas americanos para o verão.
Mas especialistas ainda acreditam na recuperação.
O analista Paul Dergarabedian disse ao "Los Angeles Times" que musicais são difíceis de prever, e a estreia não deveria ser a única métrica, pois o filme recebeu críticas excelentes e reações positivas do público. Por exemplo, "O Grande Showman" foi de fracasso a estouro ao longo das semanas.