Alinne Prado discutiu racismo no TV Fama e diz que já foi silenciada na TV
O "TV Fama" chamou a atenção na última semana não por algum escândalo envolvendo um famoso nem por uma fofoca que repercutiu. Mas por causa de um vídeo de Alinne Prado, apresentadora do programa, dando uma verdadeira aula sobre racismo —que viralizou nas redes sociais.
A mensagem de Alinne foi uma reação ao vídeo da influencer Adriana Sant'Anna, que havia falado no Instagram que buscava uma empregada doméstica que cobrasse pouco nos EUA. Alinne foi contundente em sua crítica: "Deve ser muito difícil não poder escravizar ninguém".
Alinne afirma que poder usar sua voz como fator de transformação é uma de suas alegrias, mas diz que o custo de se posicionar é alto. Em um papo com Splash, a jornalista lembra tudo o que já enfrentou para conseguir se expressar e revela como conseguiu se reerguer.
Nem sempre minha voz vai reverberar. Algumas pessoas vão aceitar e outras não. Ninguém me reprimiu na Rede TV! pelo que falei, mas ninguém elogiou também. Não me machucou o que eu li de pejorativo. Estou fazendo o que tem que ser feito e da forma que eu consigo.
Alinne Prado
Escancarando portas
Nascida no Morro do Dendê, na Ilha do Governador, bairro no Rio, filha de pai operário e mãe dona de casa, Alinne conta que, graças ao acesso à educação, conseguiu ocupar os espaços com que sonhava. "Nada me foi concedido. Sempre fui escancarando portas, aproveitando brechas."
O primeiro estágio como jornalista foi na antiga TVE, atual TV Brasil. Ali, Alinne demorou a entender que o tratamento que recebia de chefes e colegas tinha relação com o racismo.
Tive burnout. Trabalhava com chefes que gritavam muito comigo. Uma me chamava de 'negrinha', em tom depreciativo. Eu demorei a entender que aquilo era negativo. Quando tentava me impor, ela dizia que eu tinha que aceitar e não falar nada.
Sonho e pesadelo
Após 10 anos na TVE, Alinne conseguiu o emprego com que sonhava na GloboNews. Em um período de um ano, ela se destacou, participando de grandes coberturas e ganhando elogios. Até a chegada de uma nova chefe —que ela prefere não identificar.
Quando ela me conheceu, não estendeu a mão para mim. Dias depois, me demitiu, disse que teria um corte de pessoal. Ela recusou um abraço meu na hora da despedida, e eu saí chorando. Entendi o que estava acontecendo.
Naquele mesmo dia da demissão, Alinne acabou cruzando com Fátima Bernardes nos estúdios da Globo. A apresentadora do "Encontro", então, convidou-a para integrar a equipe do programa, no qual passou três anos, antes de ser remanejada para o "Video Show".
No dia em que voltei de licença-maternidade, fui chamada e me disseram que não queriam mais mulheres orbitando a Fátima. Por isso, colocaram o [Felipe] Andreoli e o [André] Curvelo na minha vaga. Meu leite secou ali.
Silenciada
No "Video Show", Alinne foi conquistando cada vez mais espaço e recebendo elogios na mídia. A discussão racial pode não ter sido pauta em sua casa, mas o entendimento de sua voz e seu potencial foram ficando cada vez mais claros e visíveis.
Quando eu comecei a ter consciência racial e a levar isso para a bancada, passei a ser silenciada. Quando eu usei turbante, me pediram para não usar roupas extravagantes. Começaram a me diminuir na bancada, me proibiram de dar entrevista. Fui decaindo.
Pouco depois, Alinne recebeu uma ligação, avisando de sua demissão. O "Video Show" buscava alguém mais neutro, segundo ela. A jornalista precisou se mudar da cobertura em que morava, no Recreio, entrou em depressão e ainda foi vítima de um assalto. Ela passou também por um aborto espontâneo.
Nyara era o nome da minha filha, significa "aquela que tem grandes propósitos" em iorubá. Perdi a bebê e fui atendida num hospital público, porque não tinha mais plano de saúde. Na frente do meu filho. Aí você vê o racismo estrutural. Mas, aos poucos, fui me curando, por incrível que pareça.
Procurada por Splash, a Globo emitiu comunicado, afirmando que não compactua com comportamentos abusivos e explicando que o desligamento de Alinne foi feito em ''dinâmica comum a qualquer outro profissional ou empresa''.
A Globo repudia qualquer forma de preconceito ou discriminação e reafirma seu compromisso com um ambiente de trabalho baseado no respeito e na diversidade. E dispõe de uma Ouvidoria pronta para receber relatos de comportamentos abusivos ou discriminatórios, que são apurados criteriosamente.
Durante sua trajetória de seis anos na Globo, Alinne Prado passou por quatro programas, em diferentes funções. Após essa passagem, seu contrato chegou ao fim e não foi renovado, numa dinâmica comum a qualquer outro profissional ou empresa. - afirma a Comunicação da Globo
A cura
Depois de um período fora da TV, Alinne voltou aos holofotes no "Dancing Brasil", da Record, onde conseguiu se expressar dançando valsa com dreads, vestindo-se como uma paquita negra e fazendo sua apresentação final com afroxé, a "coisa mais linda" que já vivenciou na TV, de acordo com ela.
Hoje, me considero uma mulher curada. Já fui ao fundo do poço e, quando cheguei lá, fui um pouco mais fundo. Não preciso da TV, não preciso ser famosa. Só preciso existir e resistir.
Alinne sofreu para conseguir fazer sua voz ser ouvida e, hoje, quer poder passar o que aprendeu e conquistou para outras tantas pessoas. "Respeito quem não quer se posicionar, porque dói muito, são feridas profundas", diz ela. Mas é essa a mensagem que espera deixar para a posteridade.
Se você observar a minha fala [no vídeo do 'TV Fama'], não elevo a voz, não enraiveço. É assim que a gente alcança. A revolução é de amor. Jesus Cristo era pobre, negro, periférico, defendia prostituta. Ensinou a dar a outra face. Nem sei se vou conseguir, só vou tentando. É o legado que deixo.
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