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Shirley Manson, do Garbage: 'Estou frustrada e temo o futuro da humanidade'

A banda Garbage, que volta com o disco 'No Gods No Masters'
A banda Garbage, que volta com o disco 'No Gods No Masters'
Joseph Cultice/Divulgação

Colaboração para Splash, de São Paulo

10/07/2021 04h00

Ícone dos anos 1990 e diva pop do feminismo, Shirley Manson admite ser frustrante lançar o novo álbum do Garbage, "No Gods No Masters", em meio à pandemia. Do futuro, então, nem se fala. Apesar disso, ela está ansiosa para a tão aguardada turnê com Alanis Morissette e Liz Phair.

Meus dedos estão firmemente cruzados, mas tenho medo que algo calamitoso aconteça e os shows sejam cancelados. Na pandemia, nunca se sabe bem o que vai acontecer de verdade.
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O Garbage em breve começa a ensaiar para cair na estrada na turnê, anunciada com alarde no fim de 2019, pouco antes de o mundo parar. Em seguida, a banda toca com o Blondie no Reino Unido. Manson, 54, está empolgada por integrar um line-up que transborda girl power, o que ainda é tão incomum.

Sem deuses, sem mestres

Politizado e elogiado pela crítica, o novo álbum é um sonoro chega-pra-lá no racismo, na misoginia e em tantas outras formas de opressão a grupos sociais sub-representados nos espaços de poder, além de uma expressão de preocupação com o futuro do planeta.

Um disco distópico para tempos distópicos.

"No Gods No Masters" ("sem deuses sem mestres", em tradução livre) é a frase que Manson viu grafitada em Santiago, Chile, durante a onda de revoltas no país que começou em 2019 com o aumento da tarifa de transporte público e que dura até hoje. É um dos mais bem feitos pelo Garbage, ela diz.

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Sinto-me frustrada e com um pouquinho de medo do futuro da humanidade. Acho natural se sentir assim, a não ser que você tenha escolhido ignorar tudo isso deliberadamente. E eu entendo, porque é uma maneira de autopreservação. Mas eu não poderia ignorar. Precisei reagir. É meu dever como ser humano.

Por mais descrente que possamos estar, a cantora insiste em tirarmos lições globais do que estamos vivendo:

Podemos aprender com a pandemia que não podemos nos dar o luxo de pensar apenas em nós mesmos. Esse é o novo mundo, o novo jeito de vivermos em sociedade. Precisamos assimilar isso.

Machismo e música

Manson é feminista antes de a indústria cultural cooptar a causa. O primeiro disco do Garbage é de 1995, e desde aquela época, a cantora já colocava o dedo na ferida. Não seria diferente, portanto, após a explosão do movimento Me Too, com mulheres denunciando assédio e violência.

Na faixa "The Men Who Rule the World", ela canta:

Os homens que dominam o mundo / fizeram uma sujeira do c*ralho / a história do poder / a adoração do sucesso / o rei está na contabilidade / ele é o presidente do conselho / mulheres lotam os tribunais / todas sendo acusadas de serem p*tas

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Na indústria da música não é diferente. Nos últimos anos, muitos casos de violência de gênero têm sido relatados por mulheres, como bem mostram as histórias de Britney Spears e Ke$ha. Manson lamenta não ter visto as coisas mudarem para melhor.

Gosto que agora a gente discute esse tabu. O poder do movimento Me Too está em tornar esse assunto mainstream. Todos estão dispostos a falar disso hoje em dia, mas não vejo muitas mudanças sendo implementadas.

Perguntada sobre episódios de assédio que teria sofrido, ela não se fez de rogada ao apontar os culpados:

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Quase toda mulher tem experiências com violência de gênero. Esse é o padrão. O Me Too jogou luz sobre um problema global com o comportamento masculino. Até homens têm experiências com violências infligidas por outros homens. É um problema masculino.

Segundo Manson, homens precisam assumir responsabilidade, e ela diz não entender por que tão poucos demonstram importarem-se com a questão.

Homens são poderosos. Eles têm força física e nós, enquanto sociedade, precisamos ensiná-los a ter autocontrole. Não estou de todo certa se pode-se usar a desculpa de que homens não podem evitar ser violentos, pois eu acho que, sim, eles podem.

A vocalista diz ainda acreditar que falhamos nisso há séculos e chegou a hora de repensarmos a cultura em que vivemos.

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É injusto e desagradável. Não consigo imaginar que querer machucar os outros seja uma boa maneira de se viver. Acho que isso é inimaginável para você também, então vamos pensar em uma solução.

Mas e o Brasil, hein? A última vez que ela esteve no país com os colegas de banda —Butch Vig, Duke Erikson e Steve Marker— foi em 2016. A cantora diz que, no fim deste ano, depois de fazerem as turnês já agendadas, eles planejam voltar à América do Sul para divulgar "No Gods No Masters".

Será?

Até 2012, a gente nunca tinha ido ao Brasil. A recepção dos fãs foi bastante comovente, intensa e profunda. Eu me lembro de tudo, até do lindo hotel em que ficamos e de como a noite foi mágica. Espero que a gente volte.