'Dom': afinal, a ficção precisa ser fiel à realidade?
De Splash, em São Paulo
22/07/2021 04h00
Logo que estreou na Amazon, "Dom" ganhou destaque ao adaptar para as telas a vida de Pedro Dom, o "bandido gato", vivido nas telas por Gabriel Leone. Mas a história ganhou um novo capítulo quando Erika Grandinetti, irmã do Pedro real, revelou que a mãe não autorizou a série.
Segundo ela, era a sua mãe, e não o seu pai, que cuidava do irmão. A série mostra justamente o oposto.
Erika Grandinetti, irmã de Pedro Dom
Splash conversou com o advogado especializado em direitos autorais Marcelo Pretto, que explicou como funciona a lei nesses casos. Ao ver um parente retratado numa obra audiovisual, a família tem direito de recorrer? Pode exigir que o material saia do ar? Cabe processo?
Muitas perguntas!
O impasse aqui é uma questão de direitos de imagem, e volta para a questão das biografias não-autorizadas. O assunto ganhou destaque no caso de Roberto Carlos, de 2007, mas Pretto explica que em nenhum caso recente uma obra precisou ser retirada de circulação por decisão judicial.
De acordo com decisão do STF de 2015, não se pode mais exigir autorização prévia para a publicação de biografias.
A decisão, segundo o voto da relatora, ministra Carmen Lúcia, entende como fundamental o direito à liberdade de expressão de atividades intelectuais, artísticas ou científicas. Por isso, não depende de censura da pessoa biografada ou de seus familiares, no caso de a pessoa em questão ser falecida.
E isso se estende para filmes ou séries de TV.
Mesmo assim, a Constituição prevê o direito de ingressar na Justiça com pedidos de indenização. Mas não autoriza qualquer pedido de censura artística ou política. O STF entende que isso seria "amordaçar a palavra", e que não é desta forma que se cumpre a lei.
Do ponto de vista do audiovisual, o debate sobre a necessidade de uma adaptação fiel é antigo.
Quando uma obra resolve contar a história de uma personalidade, é justo que os roteiristas façam alterações no que de fato aconteceu?
Por exemplo, existem bons filmes que se prendem bem à realidade, como "Selma" (2015) e bons filmes que fantasiam bastante, como "A Rede Social" (2010).
Ou seja: é válido cobrar que as obras sejam 100% fiéis à realidade?
Para o crítico e colunista de Splash Roberto Sadovski, a cobrança é inválida.
Roberto Sadovski, crítico e colunista
Ele acredita que existe uma certa resistência, principalmente no Brasil, a obras que não seguem a realidade à risca.
Roberto Sadovski
Mesmo assim, embora não se possa cobrar que um cineasta saiba exatamente o que foi dito em cada conversa de seu biografado, existem expectativas sobre manter a essência de uma história —sobretudo quando ela trata de uma figura notória.
A roteirista e também colunista de Splash, Renata Corrêa, explica quais os pontos que pedem atenção especial quando falamos sobre um filme ou seriado "baseado numa história real":
Renata Corrêa, roteirista e colunista
Mas isso não significa que os roteiristas não possam tomar certas liberdades.
Renata Corrêa
Mas ela aponta para a necessidade de atenção para um outro detalhe:
Renata Corrêa
O diretor Yann Demange, que lançou em 2018 o filme "White Boy Rick", biografia do traficante Richard Wershe Jr. (Richie Merritt) com Matthew McCounaghey no elenco, parece concordar.
Yann Demange, em entrevista para o Yahoo Movies em 2018
Qual seria a solução, então, para conciliar uma boa história com algo que não machuque os envolvidos no caso real?
Renata Corrêa
Mesmo assim, para Sadovski, é importante frisar que não é necessariamente o teor de realismo que afeta a qualidade da obra.
Sadovski