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Assédio e estupro: atrizes pornôs acusam diretor brasileiro premiado

Gabriel Nanbu

De Splash, em São Paulo

30/07/2021 04h00

Duas atrizes que trabalham no mercado de filmes pornográficos registraram boletim de ocorrência contra o diretor Fábio Pereira da Silva, 43, conhecido artisticamente como Binho Ted. A acusação é de estupro —o que ele nega.

Splash conversou com sete atrizes que trabalharam com o diretor e afirmam ter passado por situações parecidas. Todas o acusam de violência sexual. Três contam que foram abordadas por Binho Ted em intervalos para descanso ou mesmo fora do set de filmagens. Há, ainda, cinco relatos de que o diretor realizou ou tentou realizar, nas gravações, sem consentimento, práticas sexuais que haviam sido previamente barradas por elas.

Binho Ted começou a atuar na indústria pornô há 22 anos, como ator. Na última década, consolidou-se como diretor —inclusive tendo sido premiado. Ganhou o Prêmio Sexy Hot, o mais prestigiado do Brasil na área, em 2016 e 2019. Ele é casado há dez anos com a amiga de adolescência Lidy Silva, hoje também diretora de filmes pornográficos. O casal possui a produtora HardBrazil, em São Paulo.

Histórias de abusos cometidos pelo diretor circulam nos bastidores da indústria de filmes pornográficos há anos —um dos relatos data de 2006. Um diretor, que pediu para não ser identificado na reportagem, diz que, em um trabalho realizado em parceria com Binho Ted, no começo de 2020, o colega lhe confidenciou "macetes" para se aproveitar de atrizes.

Os depoimentos das atrizes com quem a reportagem conversou indicam um modo de agir recorrente do diretor. Ele se aproveitaria principalmente de novatas —jovens que estão realizando seus primeiros trabalhos na indústria do pornô. Normalmente, são mulheres que, pela inexperiência, sentem-se inseguras e vulneráveis, além de precisarem de dinheiro.

De acordo com as atrizes, depois dos abusos, Binho Ted ameaça as vítimas para que não revelem o que aconteceu, prometendo prejudicá-las na indústria ou mesmo contar sobre o trabalho que fazem para familiares e conhecidos —muitas ainda escondem o emprego como atriz pornô.

Fábio nega todas as denúncias. Ele afirmou à reportagem que as pessoas que o acusam desejam "aparecer". Diz que as atrizes fazem isso por motivos pessoais ou por "birra", por não terem sido chamadas mais para participar de seus filmes. Também diz que colegas produtores orquestram sua difamação, para se livrar da concorrência.

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Imagem: Arte/UOL

Sem voz

Evelyn Buarque, 23, é uma das atrizes que dizem ter sido estupradas no ambiente de trabalho. Segundo ela, era maio de 2018 e, enquanto fazia a maquiagem, Binho Ted "veio por trás" e tentou forçar a relação sexual — ela tinha 20 anos na época.

Evelyn diz que empurrou o diretor, mas ele só desistiu quando um colega entrou no local. A atriz registrou um boletim de ocorrência de estupro contra o Binho no começo de maio deste ano. Ela afirma que, além do medo de ser descredibilizada, ameaças pesaram contra a decisão de fazer a denúncia na época do abuso. Hoje, ela tenta incentivar outras mulheres a denunciar.

"Ele dizia que, se eu abrisse a boca, perderia outros trabalhos. Eu me sentia manipulada, queria falar, mas não tinha forças. Eu era uma menina que estava começando e achava que as pessoas pensariam que eu queria aparecer."

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Imagem: Arte/UOL

Impunidade como regra

Muitas das atrizes que agora denunciam o diretor têm o mesmo receio: dizem que se sentem sem voz por causa da profissão que exercem. Elas acreditam que a impunidade em casos como esse existe, em grande parte, por consequência do estigma em torno do trabalho de atriz pornô. Pouca gente, segundo elas, leva a sério uma denúncia de abuso cometido durante a gravação de um filme de sexo.

Independentemente de os envolvidos estarem em um set de filme pornô, uma interação sexual não consentida, mediante violência ou grave ameaça, continua sendo estupro, explica a advogada Isabela Guimarães Del Monde, fundadora da deFEMde (Rede Feminista de Juristas), coordenadora do MeToo Brasil e colunista de Universa.

A gente está falando de um trabalho. As profissionais não podem ser submetidas a situações violentas ou degradantes. O grande debate, quando falamos de trabalhadora sexual, é a percepção de que o cliente ou o diretor pode tudo, já que 'ela está lá para transar'.

A advogada defende a necessidade de regulamentação —tanto dos trabalhos na indústria pornográfica quanto da profissão de trabalhadores sexuais autônomos.

"As trabalhadoras sexuais não têm direitos trabalhistas, não estão protegidas pelo sistema de previdência social. Elas não têm garantia de proteção nem segurança. Qualquer relação de trabalho não regulamentada vai ser necessariamente abusiva."

Isabela chama a atenção para a importância de denunciar. "É só com a pressão popular que esse tipo de situação vai mudar. Fazer o boletim de ocorrência é importante no campo individual, para que ela seja reconhecida como uma pessoa que tem direitos. E, quem sabe, essa denúncia pode cair em uma promotoria sensível à questão de gênero. Coletivamente, isso vai gerando um histórico do agressor na polícia e é um fator de pressão."

Pensando nisso, Evelyn criou recentemente dois grupos de WhatsApp para acolher vítimas, incentivar outras mulheres a registrar queixas e mobilizar possíveis ações contra o diretor. A atriz diz que já teve contato com 12 mulheres que relataram abusos cometidos por Binho. Até o momento, apenas ela e a atriz Teh Angel, 27, registraram boletins de ocorrência —aos quais Splash teve acesso.

Algumas das atrizes participaram de lives nas redes sociais para dividir suas experiências e três delas o denunciaram em uma reportagem do site Ponte. Binho contra-atacou, semanas depois, dando entrada em um inquérito policial, no 97º DP de São Paulo, contra Evelyn, Teh Angel e Ágatha Ludovino, alegando ter sido vítima de crimes de difamação e calúnia.

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Imagem: Arte/UOL

'Ele fez sinal de silêncio'

Ágatha Ludovino, 21, foi a primeira atriz a expor Binho publicamente. Em um vídeo publicado no YouTube, em 2019, ela o acusava de abuso sexual em três ocasiões diferentes. A denúncia foi apagada pela atriz em razão de ameaças feitas por amigos do diretor, segundo ela. Ágatha diz que agora pretende registrar boletim de ocorrência, a exemplo de Evelyn.

Ela afirma que, em sua segunda gravação para a HardBrazil, Fábio colocou o pênis em sua boca, enquanto ela estava em uma pausa de descanso. "Ele fez sinal de silêncio; agiu como se nada estivesse acontecendo."

Depois de expor Binho por meio do vídeo e de se indispor com ele, percebeu que as ofertas de trabalho diminuíram. "Soube que ele pediu para outros diretores não me contratarem."

A atriz diz que se sentiu especialmente desamparada pelo fato de, pouco depois de sua denúncia ser publicada, ele vencer a categoria de melhor diretor do ano no Prêmio Sexy Hot, o mais importante da indústria pornô nacional.

Todo o mundo já sabia dos abusos. Vários produtores antigos, que eram da época em que o Fábio começou, disseram: 'Parabéns pela coragem. Eu sei que ele já fez com muitas meninas'. Mas não adianta me apoiar sem voz ativa. Eu passei anos sendo vista como barraqueira e mentirosa.

O canal Sexy Hot afirmou a Splash que, ao tomar conhecimento dos relatos de abuso contra o diretor, retirou de sua programação todos os filmes licenciados da HardBrazil e deixou de comprar vídeos da produtora. Afirmou, ainda, que o prêmio de melhor diretor era escolhido pelo público (apesar de a indicação dos nomes ser feita pelo canal).

Além de Ágatha e Evelyn, Luara Amaral, 21, também relata abusos sexuais de Binho. A atriz conta que seu primeiro contato com a pornografia foi por meio da HardBrazil, em 2019. Diz que se empolgou com a proposta de ganhar R$ 1.000 por "cenas curtas de 15 minutos", mas acabou traumatizada.

Luara diz que Binho "passou a mão em suas partes íntimas sem autorização", quando ela se trocava. Em outra gravação, afirma ter sido estuprada pelo diretor nos bastidores, sem preservativo.

"Ele disse para eu ficar quieta e penetrou em mim. Eu não tive nenhuma reação a não ser ceder e esperar que acabasse logo. Durou cerca de dois minutos e ele ejaculou dentro". No dia seguinte, em uma cena que deveria ser somente simulação, ela diz que foi penetrada por ele novamente.

Depois de acabar tudo, o Fábio pediu para eu abrir a boca, colocou dois comprimidos e me mandou engolir. Eram pílulas do dia seguinte. Me culpei, me senti burra. Fiquei traumatizada e demorei para assimilar tudo.

Binho Ted afirma que o relato de Luara é inverídico. "Filmamos na presença de todos uma cena de simulação de sexo. Não ocorreu estupro nem foi oferecido pílula para a atriz."

Ele também nega as acusações de Ágatha. "Ela vem a cada instante com uma versão mentirosa. São todas inverdades." Quanto a Evelyn, diz que não houve "nenhum tipo de relação sexual" com a atriz e argumenta que, dois dias depois da filmagem, ela fez um post no Instagram "agradecendo pelo trabalho".

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Imagem: Arte/UOL

Táticas

Os contratos da HardBrazil com seus atores e atrizes —assim como são os contratos da maioria das produtoras brasileiras— são documentos que estabelecem apenas a cessão de direito de imagem e preveem a realização de sexo explícito nas cenas.

Os combinados para as gravações —como as práticas sexuais que a atriz concorda ou não fazer— são apenas verbais. Com isso, outra acusação que se repete é que Binho desrespeita limites e combinados com as atrizes de forma sistemática.

Segundo o diretor que pediu para não ser identificado, Binho consegue duas cenas de graça das atrizes com a seguinte estratégia: ele combina de buscá-las de carro para a gravação, mas vai com a câmera ligada. Diz que está filmando para pegar "uns trechinhos", faz a menina tirar a roupa no carro e se masturbar.

"Para a outra cena, diz que vai fazer um vídeo de verificação dela para abrir seu canal no Xvideos [site de vídeos pornôs]. Para isso, seria suficiente ela mostrar o rosto, mas ele diz que precisa de uma cena de masturbação completa. Então, grava e vende."

Atrizes que trabalharam com o diretor confirmam que fizeram o vídeo do carro, chamado "Carona do Ted" —sem que ele fosse combinado previamente. Binho, mais uma vez, nega.

O colega do diretor diz ainda que ele se vangloria de abusar de atrizes em cenas que deveriam ser restritas a simulações de sexo. "Às vezes, ele transforma essa simulação em sexo de verdade."

Bruna Black, 20, diz que, quando gravou com Fábio —sua primeira experiência no pornô, no fim de 2019—, o diretor sugeriu fazer a cena de simulação e, na hora, violentou-a. "Ele ejaculou dentro de mim e pediu para não falar a ninguém." Ela acusa o diretor, ainda, de tê-la coagido a fazer sexo com ele em diversas ocasiões, posteriormente.

O diretor enviou a Splash um vídeo de Bruna conversando com ele, dentro de um veículo, depois da primeira gravação. Nas imagens, ele questiona se tudo "ocorreu bem" no trabalho, e ela responde que sim. Ele pergunta, ainda: "Eu fiz alguma coisa [ruim] com você?". E ela diz: "Não. Me tratou muito? Eu já gravei em outros sites em que os produtores tentaram fazer algo comigo, mas esse aqui não fez nada comigo, apenas gravou".

Bruna, porém, diz que foi coagida a gravar o vídeo. "Ele faz esses vídeos como se fosse um recibo. E me deu dinheiro a mais por isso e disse para eu não falar nada do que aconteceu lá."

Amanda Borges, 24, diz que teve experiência semelhante à de Bruna. "A gente combina que ele não vai penetrar, só simular. Ele tentou colocar em mim, mas eu tirei."

Fábio afirma que não pratica violência nem abuso contra as atrizes em suas gravações. "Todas as cenas são previamente combinadas antes da filmagem." E diz que não houve penetração.

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Imagem: Arte/UOL

'Gosta de maltratar'

A reputação do diretor é antiga. Uma das acusações ouvidas pela reportagem data do começo de 2006. Bruna Lemos, 41, que hoje não faz mais filmes adultos, conta que foi chamada pelo diretor —que na época era apenas ator — para fazer figuração em um filme de Carnaval da produtora Brasileirinhas.

Ele disse que não era nada sexual. Chegando lá, não era isso. Eu reclamei, mas ele acabou mantendo relação sexual comigo. Eu ainda escutei: 'Mas você acha que veio para a missa?'. O Fábio gosta de maltratar, essa é a parte excitante para ele. A gente acha que esse tipo de coisa vai acabar, porque o mundo muda. Mas continua a mesma coisa.

O diretor nega ter conhecido Bruna antes da gravação ou tê-la levado para trabalhar no filme. Bruna diz que não denunciou, entre outros motivos, porque acreditava que o depoimento de uma trabalhadora sexual não seria levado a sério na delegacia. Até hoje, as denúncias são raras.

Teh Angel, 27, que registrou boletim de ocorrência contra Binho no fim de maio, revela as dificuldades que enfrentou para ser atendida na Delegacia de Defesa da Mulher de Osasco.

A escrivã me perguntou se foi estupro ou desacordo comercial. Eu disse que ele introduziu o dedo no meu ânus e, mesmo eu não gostando, continuou. E ela disse: 'Então é um desacordo comercial'. Se um cara enfia um dedo no seu ânus sem sua autorização é só um desacordo? Foi muito frustrante.

A Secretaria de Segurança Pública foi procurada para comentar o atendimento na delegacia, mas enviou uma nota em que não comenta o ocorrido. Afirma apenas que o caso foi registrado como estupro e encaminhado para investigação. "A Corregedoria da Polícia Civil está à disposição para a realização de denúncias."

Tentativa de mudança

A produção de filmes adultos no Brasil não tem uma regulamentação específica. As regras são estabelecidas pela Ancine (Agência Nacional do Cinema) e são as mesmas que regem qualquer obra audiovisual feita no país.

Nos Estados Unidos, maior produtor de filmes adultos no mundo, tampouco há uma regulamentação válida para todo o país. A iniciativa de estabelecer regras é das próprias produtoras que, atentas às demandas de seus clientes (e aos riscos de processo), criam políticas que objetivam a segurança e o bem-estar dos trabalhadores.

May Medeiros, diretora e sócia da produtora Xplastic, está à frente de um movimento que quer tornar o pornô um "mercado mais ético" no Brasil.

Ela diz que escuta histórias de abuso na indústria "desde que começou nela", há dez anos. Junto de outros produtores, criou um documento que pretende ser uma régua para as boas práticas no mercado.

É muito tocante ouvir esses relatos, e eles me motivaram a agir. Mas acho importante deixar claro que a gente não está lidando com um problema típico de um mercado. É um problema cultural de uma sociedade machista. Acho importantíssimo que essas meninas consigam ter voz.

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Como denunciar violência contra a mulher

Mulheres que passaram ou estejam passando por situação de violência, seja física, psicológica ou sexual, podem ligar para o número 180, a Central de Atendimento à Mulher. Funciona em todo o país e no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita. O serviço recebe denúncias, dá orientação de especialistas e faz encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. O contato também pode ser feito pelo WhatsApp, no número (61) 99656-5008.

Também é possível realizar denúncias de violência contra a mulher pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil e na página da ONDH (Ouvidoria Nacional de Diretos Humanos, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Mulheres vítimas de estupro podem buscar os hospitais de referência em atendimento para violência sexual, para tomar medicação de prevenção de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), ter atendimento psicológico e fazer interrupção da gestação legalmente.