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Incêndio na Cinemateca é herança de Weintraub e Mário Frias

De Splash, em São Paulo

30/07/2021 10h52

Cerca de 2 mil rolos de filmes e 4 toneladas de arquivos estavam no galpão da Cinemateca Brasileira da Vila Leopoldina, que pegou fogo entre o fim da tarde e a noite desta quinta-feira (29), em São Paulo. O incêndio, uma possibilidade denunciada pelos trabalhadores da Cinemateca e pelo Ministério Público Federal pelo menos desde meados de 2020, é o resultado de uma série de negligências que vêm desde o início do governo Bolsonaro.

A Cinemateca, embora fique em São Paulo, é de responsabilidade do governo federal. Em março de 2018, ainda sob o governo Temer, o Ministério da Cultura assinou um termo de contrato com a Associação Comunicativa Roquette Pinto (Acerp), para que esta ficasse encarregada da gestão da Cinemateca Brasileira.

A partir de então, a Roquette Pinto ficou responsável pela manutenção do maior acervo audiovisual da América Latina. O contrato, na época, era válido até 2021.

Na ocasião, o então ministro Sá Leitão afirmou que os modelos que não eram 100% estatais eram capazes de conferir maior sustentabilidade e qualidade aos serviços oferecidos. A parceria com uma organização social facilitaria certas operações e possibilitaria a injeção de recursos que não fossem apenas do governo federal para a preservação e implementação de pesquisas na CB.

A questão é que a Acerp, na época, já tinha um contrato com o Ministério da Educação, para gestão da TV Escola. Em virtude do Decreto 9.190, a organização social não poderia ter mais de um contrato com o governo federal. Sá Leitão chegou a justificar que não haveria nenhum imbróglio, pois o contrato teria sido verificado pelos dois ministérios e pela área de Planejamento. A gestão da Cinemateca foi, então, incluída em um aditivo no contrato da Roquette Pinto com o MEC.

Isso culminou em dezembro de 2019, quando o então ministro da educação Abraham Weintraub, já no governo Bolsonaro, deu fim à parceria da Roquette Pinto com o MEC, visando exibir conteúdo olavista no canal.

Foi dessa forma que a gestão da Cinemateca Brasileira caiu em um limbo administrativo, porque o fim do contrato da Roquette Pinto com o Ministério da Educação automaticamente encerrou também o aditivo que permitia à associação gerir a Cinemateca, responsabilidade da área de Cultura. Na época, os ministérios da Economia e da Cidadania chegaram a alertar Weintraub para a necessidade de manter o aditivo, pois não haveria tempo hábil para abrir um edital e contratar outra organização social para se responsabilizar pelo acervo fílmico.

A falta de repasses deixou a Cinemateca com dívidas acumuladas que comprometiam diretamente o material que deveria ser preservado. Os rolos de filme mantidos em suporte de acetato e nitrato de celulose requerem câmaras climatizadas e locais separados —no próprio site da Cinemateca, a organização avisa que os filmes em nitrato de celulose são mantidos em câmaras separadas sem instalações elétricas, pois são passíveis de combustão espontânea quando deteriorados.

Em maio deste ano, o colunista do UOL Ricardo Feltrin denunciou que pelo menos 1.000 filmes poderiam já ter sido perdidos, em decorrência da falta de manutenção adequada e tratamento na temperatura correta —sem os repasses financeiros, as contas de luz ficaram atrasadas e a manutenção elétrica foi suspensa.

Nesse tempo sem gestão e repasses, funcionários e membros da Associação Amigos da Cinemateca chegaram a trabalhar sem pagamento para evitar que o pior acontecesse. Após ser demitida da Secretaria Especial da Cultura, Regina Duarte chegou a receber a promessa do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de assumir a gestão da Cinemateca, mas a nomeação nunca chegou a acontecer de fato.

A própria prefeitura de São Paulo, através da SPCine, chegou a se oferecer para fazer a gestão da Cinemateca, mas o governo federal e o secretário Mário Frias se opuseram à doação financeira — foi então que, em junho de 2020, o MPF entrou com uma ação judicial contra a União por abandono da CB.

Em abril deste ano, os trabalhadores da Cinemateca Brasileira escreveram um manifesto alertando para o perigo de manter o acervo sem acompanhamento.

A possibilidade de autocombustão das películas em nitrato de celulose, e o consequente risco de incêndio frequentemente recebem mais atenção da mídia e do público. A instituição enfrentou quatro incêndios em seus 74 anos, sendo o último em 2016, com a destruição de cerca de 500 obras. O risco de um novo incêndio é real.