TV Tupi, Canal 100 e mais: o que se perde com o incêndio da Cinemateca
O que havia no galpão da Cinemateca Brasileira na Vila Leopoldina?
Embora o galpão que pegou fogo nesta quinta-feira (29) não seja o que abriga a maior parte dos arquivos da Cinemateca, materiais importantes para a memória pública podem ter sido perdidos de maneira irrecuperável com o incêndio.
Documentos da antiga Embrafilme, do Concine (Conselho Nacional de Cinema), do Instituto Nacional de Cinema e até da Força Expedicionária Brasileira estavam no local. Equipamentos históricos, as primeiras câmeras trazidas para o Brasil, roteiros de filmes e uma série de arquivos de registro também ficavam abrigados no galpão da Vila Leopoldina.
No total, cerca de quatro toneladas de documentos e 2 mil rolos de filmes estavam guardados no local. Agora, resta saber o que exatamente pode ser resgatado.
Vale destacar que nem todos os documentos da Embrafilme estavam neste galpão, já que parte do material está na sede da Vila Clementino. Os dados preliminares indicam que na Vila Leopoldina estavam os cinejornais, o acervo da TV Tupi, o material do Canal 100, os primeiros registros de filmes do Brasil e os negativos do curso de cinema da Escola de Comunicação e Artes da USP. Três salas no total foram atingidas pelo incêndio.
Canal 100
O Canal 100 foi um cinejornal fundado em 1957 por Carlos Niemeyer, no Rio de Janeiro, e foi o responsável pela produção e exibição de documentários sobretudo ligados ao futebol e eventos esportivos.
Inicialmente, o cinejornal realizava a filmagem de jogos, apresentados em seguida em sessões de cinema, antes dos filmes.
Sabe aquelas imagens clássicas em preto e branco de futebol de antigamente? Pois é.
O canal registrou, por exemplo, as primeiras imagens de Pelé e Garrincha em campo pela Seleção, e a produção de documentários foi importante para o desenvolvimento da linguagem audiovisual brasileira. O uso de recursos cinematográficos para o registro de partidas de futebol proporcionava um verdadeiro espetáculo nas telas grandes das salas de cinema.
No seu período de vigência, o Canal 100 também documentou outros eventos de cunho político, como a fundação de Brasília, a inauguração da Ponte Rio-Niterói, shows musicais e até a visita do Papa João Paulo II ao Brasil.
O Canal 100 funcionou até o início dos anos 2000, mas foi ficando cada vez menos ativo a partir da década de 1990. Alguns programas chegaram a ser exibidos também na TV.
TV Tupi
De acordo com Francisco Campera, diretor da Associação Roquette Pinto —que era responsável pela gestão da Cinemateca até o fim do contrato, em dezembro de 2019—, estariam também neste galpão os arquivos da TV Tupi, as primeiras câmeras que chegaram ao Brasil no início do século 20, trazidas pelos barões do café, cópias de filmes da época do cinema mudo e até mesmo registros da participação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Segunda Guerra Mundial.
A TV Tupi, primeira emissora de TV do Brasil, foi inaugurada na década de 1950 por Assis Chateaubriand, e todos os arquivos podem ter sido consumidos pelo fogo. Além disso, os equipamentos antigos, que eram mantidos há pelo menos um século, também eram armazenados no galpão da Vila Leopoldina.
Havia a pretensão de, futuramente, usar este material para a criação de um museu da história do cinema brasileiro.
Arquivos pessoais, expedições e mais
Ainda de acordo com o relato de Campera, podem ter sido perdidos registros das expedições de Marechal Rondon pelo Brasil, filmes da prefeitura de São Paulo e outros filmes particulares. O material serve como registro histórico, e sua manutenção é importante para pesquisas e para o entendimento das mudanças políticas e sociais das últimas décadas.
Em manifesto publicado nesta sexta-feira (30), os trabalhadores da Cinemateca Brasileira relatam que parte do acervo da distribuidora Pandora Filmes, com filmes brasileiros e estrangeiros em cópias de 35mm, também pode ter sido perdido. O grupo destaca ainda filmes de ficção, publicidade e elementos únicos da matriz de vários longas-metragens.
Por fim, chama o incêndio de "crime anunciado" e pede atenção para a maior parte do material, que está guardado na Vila Clementino.
Houve o alerta sobre a chance de o sinistro ocorrer nos acervos de nitrato da Vila Clementino, pois trata-se de material inflamável que pode entrar em autocombustão sem revisão periódica. Não foi o caso deste, o quinto incêndio na instituição. No entanto, as causas são as mesmas. Seguramente, muitas perdas poderiam ter sido evitadas se os trabalhadores estivessem contratados e participando do dia a dia da instituição.
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