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'Praia dos Ossos' vem aí: podcast sobre crimes reais alimenta streaming

Ângela Diniz foi morta pelo namorado Doca Street na década de 1970 -  Acervo UH/Folhapress
Ângela Diniz foi morta pelo namorado Doca Street na década de 1970 Imagem: Acervo UH/Folhapress

Juliana Dantas

Colaboração para Splash, em São Paulo

02/08/2021 04h00

Uma aura de mistério ronda os tocadores de podcast e os serviços de streaming no Brasil. Crimes reais, investigações cheias de buracos, personagens com motivações obscuras: tudo isso caiu no gosto do espectador do país —e tem apagado a fronteira entre áudio e vídeo.

Fenômeno entre os podcasts, "Praia dos Ossos" é mais um do gênero "true crime" que deve virar série de TV. Os direitos foram comprados pela Conspiração Filmes antes mesmo de o podcast ter se confirmado um sucesso.

Idealizado e conduzido por Branca Vianna, fundadora da Rádio Novelo, o podcast fez com que a história do assassinato da socialite Ângela Diniz pelo companheiro Doca Street, em 1976, fosse passada a limpo.

A sonorização potente, com ondas e gaivotas na Praia dos Ossos, em Búzios (RJ), fisga o ouvinte já nos primeiros minutos do podcast. Essa e muitas outras características —que aproximam a produção em áudio do cinema— fizeram com que a Conspiração visse ali uma joia, com equipe e tratamento narrativo já adequados para o vídeo.

"Quando a gente compra os direitos de uma obra para adaptar, a gente compra um diamante bruto, que exige ainda muita lapidação para virar um filme ou uma série", relata Clarisse Goulart, diretora-executiva de desenvolvimento da produtora. "No caso de 'Praia dos Ossos', a gente viu uma peça que já tinha alguma lapidação para o audiovisual."

A intenção da equipe é que "Praia dos Ossos" seja 100% dramatizada. "A gente não faria um documentário pelo fato de a Ângela Diniz não estar mais viva", pondera Clarisse. "A gente não teria a voz dela na obra, até porque há muito pouco ou quase nenhum registro dela, como mostrou o próprio podcast."

A produtora ainda não revela detalhes de elenco nem de equipe, e diz que as negociações com as plataformas de streaming ainda estão em andamento. Isso não impede os fãs de "Praia dos Ossos" de já fazerem suas apostas.

Em uma comunidade no Facebook com 3.600 integrantes que discutem detalhes do caso, as conjecturas começaram há bastante tempo. Muitos já têm a opinião formada sobre quem seria a melhor atriz para interpretar Ângela Diniz. Entre os nomes citados estão Paolla Oliveira, Mariana Ximenes, Letícia Colin e Grazi Massafera.

O diretor-executivo da Rádio Novelo, Guilherme Alpendre, revela que licenciar o conteúdo do Praia acaba sendo um bom negócio, tanto pela monetização de um conteúdo em áudio quanto pela captação de uma nova leva de ouvintes. "O fato de termos já exemplos importantes, inclusive no ar, mostra que o mercado brasileiro está maduro para este tipo de operação", aponta Alpendre.

Caso Evandro: como tudo começou

"O Caso Evandro" é o exemplo mais emblemático até agora de um podcast bem-sucedido que se transformou em série. Lançada em áudio pelo jornalista Ivan Mizanzuk, no "Projeto Humanos", a série documental ganhou as telas como um produto original Globoplay.

O menino Evandro, que foi assassinado - Reprodução - Reprodução
O menino Evandro, que foi assassinado
Imagem: Reprodução

O ponto de partida é o desaparecimento de um menino em Guaratuba, no Paraná, mas essa é só a primeira linha puxada de um grande emaranhado. A sequência de violações e absurdos revelada pelo jornalista já havia conquistado fãs em áudio e adquiriu novos espectadores em vídeo.

O resultado? O sucesso está se retroalimentando. Segundo Mizanzuk, desde a estreia do produto no streaming de vídeo, o "Projeto Humanos" triplicou a média diária de downloads nas plataformas digitais de áudio: "Ainda é surreal um trabalho que eu fazia nas férias ter tomado toda essa projeção e virar série".

No tempo certo

O compasso entre a produção em áudio e a produção em vídeo foi fundamental. Embora a história tenha chegado ao Globoplay só em março deste ano —nas plataformas de podcast, já estava disponível desde 2018—, as duas realizações caminharam praticamente juntas.

A produtora Glaz comprou os direitos para adaptação do podcast antes mesmo de ele ir ao ar. "Por conta dessa negociação, toda vez que eu encontrava alguma matéria da época eu já ficava imaginando como aquilo seria impactante no audiovisual. Tem imagens ali que são muito impressionantes, e que a produção da série conseguiu usar de forma brilhante", explica Mizanzuk. "O audiovisual preencheu lacunas que eu, com o áudio e livro, não conseguiria chegar."

À medida em que novas descobertas eram feitas na investigação do jornalista, a sala de roteiro audiovisual também era abastecida. Mizanzuk passou a ser consultor para os profissionais da adaptação: "Acompanhei todo o processo e ajudei a fazer o pré-projeto, sempre baseado na minha pesquisa". Quando o podcast terminou, a série já estava gravada e em fase de pós-produção.

Ivan Mizanzuk  - Divulgação / Globoplay - Divulgação / Globoplay
Ivan Mizanzuk
Imagem: Divulgação / Globoplay

#VemCoisaBoaPorAí

Ivan Mizanzuk é hoje contratado como talento da Globo para produção de podcasts, e o "Projeto Humanos" é licenciado para a emissora.

De acordo com a assessoria de imprensa do Globoplay, alguns projetos de documentários de "true crime" estão em pesquisa e produção. Um deles é liderado justamente por Mizanzuk, sobre um caso que ficou conhecido como "Meninos Emasculados de Altamira": entre 1989 e 1993, crianças foram sequestradas, mutiladas e mortas no município do interior do Pará.

O lançamento desta investigação jornalística será primeiro em áudio, no "Projeto Humanos", que tem previsão de estreia já para o ano que vem. "Ainda é muito cedo para falarmos de produção em vídeo", diz Mizanzuk.

O caminho inverso

A contramão ainda é incipiente, mas já é estrelada. Com direção de Toni Sader, "A Febre de Kuru" é uma série original da Orelo, o primeiro tocador de podcasts "made in Brazil".

A produção é uma série ficcional baseada em uma história verídica pouco conhecida: a do homem que é considerado o primeiro serial killer do mundo. O enredo se passa em Porto Alegre, entre 1863 e 1864: o criminoso não só matava suas vítimas como transformava o corpo em linguiça e vendia para a burguesia.

O elenco é digno de qualquer novela das nove na Globo: Cléo Pires, Silvero Pereira, Sérgio Mamberti, Reginaldo Farias, Lucélia Santos, Negra Li, Arlindo Bezerra —e, ainda, com participação do jornalista Ariel Palácios.

Ainda na Orelo, outra produção que não é baseada em "true crime" —mas é de suspense e que flerta com o sobrenatural— é digna de nota: "Oculto" é uma realização da Mira Filmes, com Bianca Comparato e Gabriel Leone nos papéis principais.