Por que o novo clipe de The Weeknd é perigoso para pessoas com epilepsia?
Uma decisão tomada pelos diretores da rede de cinemas IMAX, nos Estados Unidos, alterou a estratégia de lançamento de "Take My Breath", nova música do canadense The Weeknd. A companhia decidiu cancelar a estreia do clipe, que seria exibido ontem (6) nas telonas de todo o país, antes da estreia do filme "Esquadrão Suicida", em razão de preocupações do efeito do vídeo em pessoas com epilepsia.
Dirigido pela dupla americana com ascendência mexicana Pasqual Gutiérrez e RJ Sanchez, o clipe de "Take My Breath" usa uma iluminação estroboscópica. As luzes piscam e giram constantemente, com cortes de cena muito rápidos, durante quase todos os 3 minutos e 44 segundos de produção.
O vídeo foi publicado no YouTube com uma advertência na descrição, mas não há nada que realmente chame a atenção do usuário no momento em que ele "aperta o play".
Não é o ideal, como explica a neurofisiologista clínica e epileptologista Andréa Julião de Oliveira, do Núcleo Avançado de Tratamento das Epilepsias, em Minas Gerais.
"O melhor a ser feito nesses casos é colocar uma advertência no próprio vídeo, para que as pessoas não sejam surpreendidas", conta Andréa. Segundo a especialista, a primeira crise de alguém com epilepsia pode aparecer em práticas corriqueiras, como assistir a um vídeo no YouTube, por exemplo.
"Não é raro a primeira crise acontecer assistindo televisão ou jogando videogame. Hoje em dia esses produtos têm muitos cortes, muitas luzes.
Andréa Julião de Oliveira, neurofisiologista clínica e epileptologista
A médica concorda com cancelamento da exibição do clipe nos cinemas. "Não é comum ver as pessoas se importando com isso. Na maioria das vezes, lançam e suspendem depois que os casos de crises aparecem", descreve Andréa.
O que é epilepsia?
A médica explica:
É o nome que a gente dá para várias doenças diferentes que têm uma coisa em comum: todas elas têm uma tendência do cérebro a, em alguns momentos e de forma súbita, fazer uma descarga elétrica maior que o normal, como se fosse um curto-circuito. O sintoma é relativo à parte do cérebro em que esse curto acontece. Pode ser na audição, na visão, nas mãos.
Todo tipo de epilepsia é fotossensível?
Não. É uma minoria, na verdade. Menos de um em cada dez casos. As epilepsias generalizadas de causa genética e as que envolvem a área da visão têm mais chance de ter fotossensibilidade.
E como as luzes geram as crises?
A gente não sabe com certeza, mas há indícios, pelas pesquisas, que mostram que tipos de epilepsia que envolvem anormalidades na parte do córtex responsável pela visão costumam ser mais sensíveis. Ou seja, os neurônios são mais estimulados quando a retina entra em contato com a luz.
Ok, e o que 'Take My Breath' tem a ver com isso?
No clipe lançado ontem, The Weeknd explora uma psicodelia futurísta que, paradoxalmente, traz elementos vintage - sonoros e visuais - para compor a cena. O clima de "nostalgia moderna", que já havia aparecido no álbum "After Hours", deve também dar o tom de seu novo trabalho, ainda sem previsão de lançamento.
O vídeo, que já foi visto por mais de 7 milhões de pessoas até a publicação deste texto, mostra o canadense transitando por uma casa noturna. A percepção de quem assiste pode ficar ainda mais confusa por conta da iluminação, que remete aos estrobos que —sempre piscando — iluminam pistas de dança há décadas.
Antes da luz estroboscópica existir, a gente já tinha relatos de que repetições luminosas poderiam desencadear crises em alguns pacientes fotossensíveis. Mais recentemente, com a TV, os filmes, os games, essa exposição aumentou muito.
Andréa explica ainda que a fotossensibilidade aparece, por exemplo, em pessoas diagnosticadas com a chamada epilepsia mioclônica juvenil que, como o nome diz, é comum em adolescentes.
Essas pessoas são grande parte do público-alvo de um clipe como esse. Cerca de 80% das pessoas com esse tipo de epilepsia, que costuma aparecer na juventude, têm chances de ter crises com vídeos assim.
Mas essa preocupação existe no mercado?
The Weeknd não é o primeiro artista a colocar um alerta para pessoas com epilepsia em um clipe. Em 2011, o caso envolvendo a música "All of the Lights", de Kanye West, também ganhou bastante repercussão.
Na época, Kanye publicou o clipe da parceria com Rihanna e Kid Cudi já com a advertência. "All of the Lights" (cujo título, em tradução livre, significa "todas as luzes") faz justiça ao nome no clipe com uma iluminação frenética, que também pode ser perigosa para pessoas com a doença.
No mercado audiovisual, diretores e produtores já trabalham com essas questões em mente há alguns anos. Thiago Calviño, que já dirigiu clipes de nomes como Anitta, Ludmilla e Luísa Sonza, conta que, acima de tudo, está o bem-estar de quem assiste ao vídeo.
Eu não quero que alguém assista um clipe meu, mesmo que essa pessoa não tenha epilepsia, e se sinta enjoada, com algum tipo de desconforto visual. Então evito e acredito que, no geral, o mercado tem, sim, essa preocupação.
Thiago Calviño, diretor de clipes
Thiago explica que "as imagens e cores também trazem sensações" e, por questão de empatia, é importante imaginar como o clipe chegará a diferentes pessoas. Para o diretor, a ação de The Weeknd pode influenciar produções futuras por conta do alcance global do popstar.
O fato de ele ter desistido de fazer as sessões nas salas de cinema é um passo. Acho que ele e outras pessoas agora vão se preocupar mais com isso na hora de fazer um clipe, porque a gente está falando de algo que diz respeito à saúde das pessoas"
Alerta, Pokémon!
Tanto Andréa, médica, quanto Thiago, diretor de clipes, lembraram do mesmo exemplo ao falarem sobre os perigos de imagens com luzes muito piscantes e coloridas. A história envolve uma das animações de maior sucesso de todos os tempos, "Pokémon".
No dia 16 de dezembro de 1997, a série japonesa exibia seu 38ª episódio, marcado pela cena em que Pikachu usava seu famoso golpe "Choque do Trovão".
As imagens dos raios disparados pelo simpático bichinho, representadas por luzes piscando em preto e branco, foram consideradas a razão para mais de 600 pessoas, a maioria crianças, darem entrada em hospitais no Japão com dores de cabeça e relatos de crises epiléticas.
Segundo a neurofisiologista, o episódio foi um marco na relação desta questão médica com as obras audiovisuais.
"Depois disso, eles passaram a ter uma revisão médica de todos os episódios, para evitar cenas com luzes piscando em sequência. Nunca mais teve um episódio de Pokémon que desencadeasse coisas desse tipo.
Calviño era adolescente quando o episódio desencadeou uma grande discussão entre pais e filhos. Na época, houve até posicionamento de entidades médicas contra o desenho.
Anos depois, o diretor leva aquele caso como uma lição para a profissão. "Não sei se é quase um trauma infantil, mas desde sempre tenho isso na cabeça. Por causa disso passei a me interessar sobre o assunto, para me precaver nas minhas produções", explica Thiago.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.