Topo

Emicida diz que Brasil tem raiz autoritária e é culpado por desigualdade

Emicida participa do "Conversa com Bial" - Reprodução/Vídeo Rede Globo
Emicida participa do "Conversa com Bial" Imagem: Reprodução/Vídeo Rede Globo

Colaboração para o Splash

02/09/2021 02h55Atualizada em 02/09/2021 02h55

O cantor Emicida, 36 anos, falou a respeito da atual situação do Brasil, relembrando que o país tem o autoritarismo em suas raízes e que precisa entender isso caso queira mudar.

"É só quando a gente encarar no espelho a nossa raiz autoritária é que a gente vai compreender que todas as conciliações que a gente acredita ter feito continuam em abertos. Isso pra mim é coisa urgente. Por isso a gente fala em conhecimento", disse o cantor durante participação no "Conversa com Bial" (Globo) de hoje.

Emicida continuou, contando como um professor o incentivou a usar o limpa vidro do ônibus como metrônomo para estudar música. "Eu vinha duas horas da Vila Mariana até o Cachoceira com ele fazendo tec tec e eu estudando música. Essa é a força de um projeto social e é isso que o Brasil interrompe quando ele não entende que ele é sim responsável pela desigualdade que ele transforma em paisagem".

O cantor afirmou ainda que é necessário não perder a esperança.

A gente não pode perder a esperança de vista. Porque sem esperança, sem uma utopia que mantém a gente caminhando, o ser humano é um punhado de areia seca". Emicida, no Conversa com Bial

"A gente não pode normalizar quase 6000 vidas diretamente perdidas", completou Fióti, irmão de Emicida e também convidado do programa.

Emocionado, Pedro Bial afirmou que esperança é o que os dois irmãos trazem para o país.

Música velha e Bolsonaro

Pedro Bial lembrou o verso de uma música de Emicida, "Triunfo", e a relacionou a tensão política que o Brasil vive nos dias recentes.

"Eu queria chamar atenção pra uma estrofe que hoje ganha uma dimensão macabra. A gente tá vivendo um dos momentos mais tensos da história do Brasil. O presidente disse que quem tá reclamando de comprar feijão, tem que comprar fuzil. E ai olha só esses versos: 'todo maloqueiro tem em si motivação pra ser Adolf Hilter ou Ghandi. Se a maioria de nós partisse pro arrebento, a p*rra do congresso tava em chama faz tempo".

Emicida explicou a rima.

"Essa rima é uma resposta direta a essa esteriotipia que classifica todas as pessoas que nascem num ambiente de pobreza, sobretudo de pele escura, como criminosos em potencial. É interessante a gente pensar que as consequências são a frieza com a qual a gente lida com a quantidade de jovens mortos que a gente tem, danos colaterais do projeto de segurança pública..."

É muito bonito que a gente consiga produzir artistas tão sensíveis, que exemplificam de uma maneira tão poderosa as atrocidades do nosso cotidiano. Mas é frustrante que a gente atravesse décadas e isso continue sendo atual". Emicida, no Conversa com Bial

Série e representatividade negra

Emicida e Fióti falaram sobre "O Enigma da Energia Escura", série exibida pelo GNT que é produzida por Fióti e conta com a narração de Emicida.

O apresentador do "Papo de Segunda" confirmou a Pedro Bial que o programa é uma metáfora a respeito de "uma imensa energia que o Brasil ainda não deu conta".

Produtor da trama, Fióti diz que o programa busca trazer o diálogo do desconhecimento que o Brasil tem a respeito do quanto a população afro pode contribuir para a evolução da sociedade.

Os dois irmãos exaltaram a importância da representatividade e de ter uma série com a maioria dos envolvidos na produção composta de pessoas negras.

Nós somos orientados por uma matriz que faz com que a gente simplesmente ignore um percentual tão significativo da população brasileira e a contribuição, e nem tô falando da material estereotipada, mas sim do ativo intelectual. Essas pessoas trouxeram culturas, saberes, inteligências, tecnologias, ofereceram pro Brasil o caminho pra que uma cultura original nascesse desse chão". Emicida, no Conversa com Bial

O rapper se disse ainda lisonjeado e honrado de ter alcançado um lugar tão significativo que o permita contribuir para a maior representatividade. "O quão trágico é a gente não saber que a gente um Dr Gama na nossa história?".

"O que nos difere é muito pouco. O que diferente a pessoa da pele mais escura do planeta da pessoa da pele mais clara do planeta não tem uma porcentagem significativa a ponto de justificar tal catástrofe (a falta de representação). Então ela foi causada pelo homem", justificou Emicida.

Papel da arte

Emicida exaltou também o papel da arte como instrumento de mudança durante o bate-papo com Bial e o irmão.

A arte, ela não é neutra, ela também tem um papel transformador muito importante. A minha trajetória e a do Fióti, elas são um exemplo cristalino de como a arte pode produzir uma forma de emancipação que enriquece a sociedade na qual ela se encontra".

"É o lugar que pode de fato transformar o saber coletivo que a gente tá construindo na sociedade", complementou Fióti.

Apelidos e família

Na apresentação do programa, Pedro Bial questionou ainda Emicida e Fióti a respeito dos apelidos (os irmãos se chamam Leandro e Evandro, respectivamente) a respeito dos seus apelidos.

Segundo contou o apresentador, Emicida foi um termo que surgiu referente ao fato de Leandro sempre vencer as batalhas de rima que participava. "Reputação de exterminador nas batalhas de MC".

Já Fióti, contou que seu apelido veio devido ao irmão. "As pessoas confundiam muito a gente, aí começaram a falar zoando 'Esse é o filho de Emicida'. Daí ele falou isso no Programa do Jô, o Jô brincou e aí eu nunca mais fui Evandro".

Fióti exaltou ainda a relação que mantém o irmão: "Eu brinco com o Leandro, eu falo que Zambi, que Deus, na hora de conceder a gente no ventre da nossa mãe pensou assim: 'vai dois corpos, mas uma alma só, porque eles vão ter que ser complementares pra dar conta da missão que a gente precisa conduzir nesse tempo da vida'".

Os irmãos se emocionaram com o momento de carinho e afeto e também aproveitaram o programa para lembrar da infância, a morte do pai e como a mãe de ambps se esforçou para criá-los e para ajudar com a música, contando inclusive quando ela transformou toda a casa em uma linha de produção para ajudá-los.

"Toda a família se conectou graças a força da cultura hip hop, que fez com que a gente visse valor em nós mesmos".