Como 'Matrix' escondeu uma história sobre a aceitação e pessoas trans
"Você não pode explicar, mas sente. Você sentiu isso durante toda a sua vida. Há algo que anda mal no mundo. Você não sabe o que é, mas está aí, como uma lasca em sua mente, deixando você louco. É essa sensação que te trouxe até mim. Você sabe do que estou falando?"
O discurso de Morpheus para Neo no primeiro "Matrix" (1999) foi um dos primeiros indícios observados por fãs e críticos de que a história criada pelas irmãs Wachowski guardava uma metáfora sobre a experiência transgênero. Com "Matrix Resurrections" se aproximando, é hora de lembrar essa leitura.
Após calorosos debates nas redes sociais, uma das diretoras, Lilly Wachowski, confirmou em agosto de 2020 para a Netflix que, de fato, existe uma metáfora trans nos filmes. Na época do lançamento, vale lembrar, Lilly e Lana ainda não haviam assumido publicamente serem mulheres trans.
Lilly Wachowski
Para Lilly, é pessoalmente satisfatório ver que "Matrix" é tão significativo dentro das comunidades de pessoas trans.
Lana Wachowski, que dirige o quarto filme, revelou ser uma mulher trans em 2010, apesar de rumores circularem na mídia desde a época do lançamento de "Matrix Reloaded" (2003). Lilly se assumiu em 2016.
Foi a partir disso que a leitura trans sobre a trilogia ganhou força e popularidade. A história, afinal, é uma alegoria sobre as limitações do corpo em relação à mente e sobre a importância de autoconhecimento e determinação.
Entre fontes da literatura que informam sobre a trilogia (agora, quadrilogia) "Matrix" está o livro "Simulacros e Simulações" (1981), do sociólogo francês Jean Baudrillard. A obra analisa o que entendemos como realidade a partir de signos e símbolos, e o filme estende o conceito para a internet.
Afinal de contas, é no ambiente digital que os personagens do filme conseguem explorar suas verdadeiras identidades. Isso, segundo a crítica Emily VanDerWerff, espelha as experimentações de gênero que perpetuaram no início da era da internet.
Switch
A metáfora quase ficou explícita através de Switch. Na proposta inicial de Lilly e Lana, Switch seria interpretado por duas pessoas diferentes, como uma figura masculina na realidade e uma figura feminina dentro da Matrix —sugerindo que a ideia de gênero pode ser facilmente desconstruída.
No entanto, a ideia acabou sendo barrada pelo estúdio, a Warner Bros. Pictures, que teria justificado a decisão alegando que o grande público poderia não entender a troca de atores. Por isso, Switch acabou sendo interpretada apenas por uma pessoa, a atriz Belinda McClory.
Apropriações
Mesmo com uma mensagem tão contundente sobre liberdades e escolhas, "Matrix" é um dos filmes —junto a "Clube da Luta" (1999) e "Donnie Darko" (2001), por exemplo— apropriados por movimentos de cunho extremista que navegam pelas vias contrárias.
Segundo VanDerWerff, há uma desconexão entre a intenção e a recepção da mensagem de alguns desses filmes, muito por causa do carisma dos protagonistas cujas ações deveriam ser vistas como contraditórias e moralmente ambíguas.
Isso nos leva diretamente ao discurso de "red pill x blue pill", ressignificado de uma maneira que vai contra a ideia proposta no filme.
Basicamente, na internet, ser um "red pill" passou a significar ser uma pessoa que entende como conceitos de justiça social —sobretudo em causas relacionadas ao feminismo, a políticas de esquerda e aos direitos LGBTQIA+— são opressoras contra homens brancos e cisgênero.
Mas diante da confirmação sobre a leitura trans dos filmes, Lilly —que não poupou um xingamento a Elon Musk e Ivanka Trump quando ele tuitou "tome a pílula vermelha" e ela respondeu "tomei"— reforça que fantasia sempre foi seu escape.
"Matrix Resurrections" chega aos cinemas brasileiros de 16 de dezembro de 2021. Será que o filme terá referências diretas à vivência transgênero?
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