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'Não podia política'. Equipe de Madonna veta pergunta sobre Bolsonaro

Madonna durante a première de "Madame X" - Carol Camargo/UOL
Madonna durante a première de "Madame X" Imagem: Carol Camargo/UOL

Carolina Camargo

Colaboração para Splash, em Nova York

24/09/2021 16h47Atualizada em 24/09/2021 18h26

Não podia falar de política

Além da imprensa norte-americana, Splash era um dos seis veículos internacionais presentes no lançamento mundial do filme "Madame X", de Madonna, que estreia no Paramount +, no dia 8 de outubro. O evento aconteceu na noite de ontem, no hotel Edition, na Times Square, em Nova York.

Chovia forte e o tapete vermelho foi montado em uma sala fechada na esquina do hotel. Na porta, alguns fãs se aglomeravam para ver a cantora. Os jornalistas esperavam as 19h. Madonna chegou ao local às 21h15 usando uma tiara que dizia fuck you (f***-se) e um colar "trust no bitch" (não confie em nenhuma vadia -- em uma tradução livre).

Alinhados, cada repórter teria sua chance com a cantora. Eu era a penúltima da fila, logo depois da agência de notícias espanhola EFE. Diferentemente das equipes de TV, as primeiras a serem atendidas, quando a Rainha do Pop foi se aproximando da mídia impressa, vi que cada repórter poderia fazer apenas uma pergunta, que ganharia uma rápida resposta. Otimista, eu tinha feito uma lista de perguntas. Mas, de comum acordo com o editor, se eu tivesse apenas uma chance, a questão seria a respeito de Jair Bolsonaro (sem partido).

A cantora se aproximou, a assessora disse o nome do veículo e o país. Me apresentei, respirei fundo e mandei: "O que você acha de Jair Bolsonaro, presidente do Brasil?" Me cortando, Madonna reclamou de uma luz que vinha de trás de mim e pediu que desligassem o refletor. E fez que não entendeu a pergunta. Ela havia feito algo semelhante com outros repórteres antes de mim.

O local estava barulhento e realmente não era fácil ouvir já que ela não chegava muito perto. Uma faixa preta delimitava o espaço entre ela e os jornalistas. Um segurança caminhava à sua frente. Então perguntei pela segunda vez. Ela ficou calada. A assessora que a acompanhava no tapete vermelho disse que ela não iria responder, afirmou que o vídeo feito deveria ser deletado e que eu seria expulsa do evento. "Você não pode mais ficar aqui! Tem de sair já. Ela não vai responder isso", afirmou.

Em menos de um minuto, outra assessora veio até mim e, com dois assessores, pediu meu telefone, entrou na minha galeria de imagens, viu os vídeos e deletou os dois últimos. Foi na pasta de imagens deletadas e apagou novamente para não deixar rastros do que havia acontecido.

"Não podia perguntar sobre política! Não na première do filme!", avisou a assessora. "Eu não sabia. Ninguém avisou", me defendi. E até pedi desculpas pelo climão.

Não fui expulsa, mas nessa hora Madonna já deixava a sala rumo ao hotel às 21h40 para o ver o filme com seus amigos e convidados, como a atriz Drew Barrymore e os estilistas Christian Siriano, jurado do reality show "Project Runway", e Fernando Garcia e Laura Kim, responsáveis pelas criações da grife Oscar de La Renta.

"Madonna nos ajudou com a Billie (Eilish) no Met (Baile de Gala do Metropolitan Museum). Estamos conversando com a equipe dela para um projeto futuro, mas não posso dar detalhes", disse Fernando, todo animado e sorridente.

Rocco Ritchie, 21, e David Banda, 16, filhos de Madonna, constavam como presenças confirmadas, mas só David apareceu na sala. Suas filhas, Lourdes Maria, 24, Mercy James, 15, e as gêmeas Estella e Stere, 9, aparecem em "Madame X", mas não foram na première.

"Minhas crianças participam do filme, quatro delas. Foi ótimo poder trabalhar com elas todas as noites", declarou para um dos repórteres como um dos destaques da história.

O filme reúne imagens dos shows da turnê "Madame X" que aconteceram em Lisboa antes da pandemia, bastidores e cenas do dia a dia da cantora, que morou em Portugal por três anos, mas agora já está de volta ao circuito Nova York-Los Angeles.

Madonna chegou acompanhada do namorado (não assumido oficialmente, mas de quem sempre posta fotos no Instagram), o dançarino Ahlamalik Williams, 27 anos. O Daily Mirror deu que ele lambeu o rosto dela no tapete vermelho, coisa que realmente eu não vi.

Em nenhum momento antes do evento foi dito que algum tema estava vetado. O mais engraçado é que, quatro repórteres antes, Madonna dizia que as pessoas sempre perguntam a opinião dela a respeito de tudo o que acontece no mundo, do Donald Trump, de desastres naturais, novos artistas e que ela gosta dessa troca.

Em entrevistas com celebridades internacionais é comum ter uma lista de assuntos vetados, assim como também é comum ter de enviar as perguntas com antecedência para serem aprovadas. Invariavelmente algumas são cortadas. O que não tinha acontecido desta vez. As únicas condições para comparecer ao evento foram apresentar um teste de PCR negativo e mostrar a carteira de vacinação. Isso foi dito e repetido diversas vezes por vários assessores.

Eu realmente achei que ela daria sua opinião sincera. Me arrependi? Não. Função de repórter é perguntar. E o fato dela ficar calada e da equipe reagir tão mal não deixa de ser uma resposta. Sabe aquele meme "não ter uma resposta já é uma resposta"? Ela poderia ter sido mais elegante e ter saído à la Glória Pires na transmissão do Oscar de 2017 com um "Não sou capaz de opinar!".

Em entrevistas para divulgação do álbum "Madame X", em 2019, Madonna declarou para a Vanity Fair italiana: "Não existem vozes suficientes. Sério, não acho que haja gente suficiente. Não apenas cantores e artistas, mas indivíduos de alto perfil, seres humanos que se posicionam e usam seu poder, sua potência e suas plataformas para fazer mudanças, para inspirar mudanças. Acho que a maioria está preocupada em ser popular e não perturbar o clima. Não conheço muitas pessoas na minha área que sejam francas falando de política, talvez um punhado de gente".

Não, ela não é obrigada a falar do Bolsonaro, aliás nem saber que ele existe. Mas ela tem muitos fãs brasileiros. Gravou com Anitta e canta até em português. Ou seja, ela sabe a força e o peso que público do Brasil tem em sua carreira. Ela é Madonna, uma artista que sempre se posicionou, que alega lutar contra injustiças.