Com Sônia Braga, 'Fátima' questiona o ceticismo dentro da própria religião
A fé é um dos assuntos que mais se discute no mundo, mas é também um dos que menos se chega a uma conclusão. E, entender a respeitar crença do próximo permeia o filme "Fátima - A História de Um Milagre", longa que chega aos cinemas hoje (7) e conta a história dos Pastorinhos de Fátima.
Em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial, três crianças portuguesas testemunham seis visões — entre maio e outubro — de um ser celestial que se apresenta como Virgem Maria (Joana Ribeiro). Conhecidos como Pastorinhos de Fátima, Lucia (Stephanie Gil), Jacinta (Alejandra Howard) e Francisco (Jorge Lamelas) contam aos adultos da cidade sobre o que testemunharam e começam a enfrentar as consequências dos relatos.
O filme, uma coprodução Portugal, Itália e Estados Unidos, segue com duas frentes: além da história dos três garotos, a trama também apresenta uma conversa entre o Professor Nichols, vivido por Harvey Keitel ("Cães de Aluguel"), com Lucia, mais velha e freira, interpretada por Sônia Braga ("Bacurau"). Ele tenta entender detalhes do que ela viveu quando jovem para escrever um livro sobre profetas. O encontro dos dois é o ponto de partida para Irmã Lucia reviver e contar o seu passado.
As atuações enriquecem a trama, mesmo com o filme sendo falado em inglês e situado em Portugal. Não é apenas Braga e Keitel — dois veteranos e muito conhecidos — que chamam a atenção. Tanto a protagonista, Stephanie Gil, como seus familiares e amigos, entregam atuações emocionantes e capazes de convencer o público de se tratar de uma história dos anos 1910.
O ceticismo e a maneira como as pessoas lidam com as visões das crianças guia a narrativa. Se de um lado há um acadêmico que tenta descobrir a verdade sobre a história contada por Lucia, anos atrás, por outro, uma cidade se divide entre aqueles que duvidam dos relatos e aqueles que, desesperados, enxergam uma ponta de esperança em um suposto recado divino.
A trama coloca como "vilões" aqueles que duvidam das mensagens dos pastorinhos, portanto, Igreja, Estado e pessoas que não tem seus pedidos atendidos pela Virgem Maria, não acreditam e desdenham das crianças. O filme apresenta esse comportamento como falta de fé, os apresentando como indivíduos e instituições de pecadores e arrogantes. Além disso, o longa questiona o ceticismo da Igreja, que entende como verdade apenas seus próprios dogmas. Para a instituição religiosa, uma figura sagrada não apareceria para três crianças comuns, sem nenhum motivo aparente. No entanto, é válido pensar como espectador: "caso fosse comigo, em quem eu acreditaria?".
São crianças vivendo os horrores da guerra, com parentes se juntando às tropas, em uma época sem esperança. Não seria de se espantar que suas imaginações, em uma tentativa de sobreviver a tudo isso, criam uma linda mulher que aparece no campo, trajando roupas brancas e trazendo recados de paz.
A proposta de "Fátima - A História de Um Milagre" é — segundo o próprio material de divulgação — contribuir "com o resgate da esperança e da fé dos que creem", o que justifica a decisão de apresentar a trama totalmente em inglês, afinal há a intenção de chegar ao maior número de pessoas possível. No entanto, o longa chama a atenção também para aqueles que não se identificam como cristãos ou até mesmo são ateus, afinal conta de maneira imersiva uma história real sobre três crianças que incomodaram uma das maiores instituições do mundo. Por esta ótica, o filme vale e muito a pena.
Por se tratar de uma narrativa religiosa, a verdade apresentada é apenas uma: os três garotos receberam a visita da Virgem Maria. Não há discussão quanto a isso. No entanto, para os menos crentes, o filme se torna um exercício de debate sobre fé e pode até mesmo incitar à pergunta: "por que não?".
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