Relação pode mudar até virar história de amor? Helena Ranaldi conta
Quando Jaqueline nasceu, Antonio tinha 18 anos. Por ser o primo mais novo e mais querido, foi escolhido pela mãe dela para ser seu padrinho. Durante muito tempo, ela manteve por ele um sentimento de admiração. Toninho estudava medicina, fazia esportes, cuidava com carinho dos pais. Era o padrinho querido que levava Jaque para comprar presente em todo aniversário. Mas com o passar dos anos, o sentimento entre os dois se transformou.
Essa impressionante história real é tema do quarto episódio de "Existe Amor", interpretado pela atriz Helena Ranaldi. Ela ficou conhecida por trabalhos marcantes em novelas, como "Mulheres Apaixonadas" (Globo, 2003) e "Laços de Família" (Globo, 2000).
Você pode ouvir o podcast acima, na íntegra.
Os episódios do podcast "Existe Amor" estão disponíveis sempre às quintas-feiras. São casos reais, apurados pela reportagem de Splash e interpretados por artistas, que trazem relatos emocionantes de muitas formas de amor. Além de Helena Ranaldi, participam do projeto as atrizes Neusa Borges, Suely Franco e Aretha Sadick, a atriz e apresentadora Adriane Galisteu e o rapper Projota. A música de abertura é uma adaptação de "Não Existe Amor em SP", de Criolo. A apresentação é da jornalista Débora Miranda.
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Você pode escutar o episódio acima ou ler o roteiro na íntegra, abaixo. O programa está disponível no UOL, no Youtube, no Spotify, na Apple Podcasts, no Google Podcasts, na Amazon Music e em todas as plataformas de podcast.
Episódio 4: Existe Amor na Transformação
Quando eu nasci, os meus pais escolheram o primo que eles mais adoravam para ser meu padrinho: o Toninho. Ele é primo-irmão da minha mãe e dez anos mais novo do que ela, que chegou a cuidar dele quando era pequeno. Por causa dessa ligação dos dois, meu pai e ele também acabaram ficando próximos. Os dois viajavam juntos, iam pra festas, pra corridas de Fórmula 1. Eram amigos, mesmo. E minha família é árabe, então tem essa coisa de ser todo mundo superunido. Aquela família que sempre se reúne em volta da mesa, com aquele monte de 'comidaiada', sabe?
O Toninho me batizou numa igreja de Rio Claro, no interior de São Paulo, quando tinha 18 anos. Como ele era solteiro, escolheram a irmã mais nova da minha mãe para ser minha madrinha com ele. A gente não tinha muito contato quando eu era pequena, porque eu morava em Rio Claro e ele vivia fora.
Morou um tempo no Líbano, depois entrou na faculdade de medicina, foi fazer residência no Rio, internato em Ribeirão Preto... Era uma fase em que eu não encontrava muito com ele, não. Mas todo aniversário meu ele vinha me buscar e me levava para comprar um presente. Sempre foi o padrinho que eu amava.
Minha avó Vitória admirava muito o Toninho, vivia falando como ele era lindo e inteligente. Mas, quando eu era criança, ele era só o meu padrinho e ponto final.
Quando eu fiz 13 anos, teve um episódio marcante. Ele veio me buscar com uma motona. O Toninho sempre adorou fazer esportes. Lembro que usava bigode e confundiam ele com o Tom Selleck, que interpretava o Magnun, naquela série da TV. Nessa época, eu já era adolescente e ficava mais envergonhada de estar perto dele. Na hora em que fui escolher o meu presente, eu perguntei: 'Será que você vai me achar muuuuito imatura se eu quiser um disco do Menudo?' [risos]. Ele falou que não, que não ia me achar imatura. E lá fomos nós, na moto, comprar o presente. Eu me achava na garupa daquela moto! A loja de discos ficava numa praça bem grande em Rio Claro, e eu lembro que tava um calor! Então a gente comprou o disco da imaturidade, mesmo ele me garantindo que eu não era imatura por isso [risos], e fomos tomar um sorvete.
O Toninho sempre foi namorador, bonitão, requisitado. Toda vez que ele conhecia alguém, como era muito amigo dos meus pais, ele ia na nossa casa com a moça tomar uísque. Eu sempre criticava as namoradas dele, nunca achava nenhuma boa. Alta demais, o cabelo é curto demais, morena demais, branca demais. Numa dessas idas lá para casa, quando eu tinha uns 15 anos, ele estava tomando uísque com meus pais e meu irmão escalou o armário para pegar um copo. Na hora em que ele abriu a porta do armário, virou tudo em cima dele.
O Toninho viu e saiu voando da sala para segurar o armário e não deixar cair no meu irmão. Virou um herói. Ele sempre foi visto assim na minha família. E minha avó Vitória, de quem eu já falei no começo e que foi muito importante para mim, vivia elogiando o Toninho. Em família árabe, é comum primos se casarem: os próprios pais do Toninho eram primos. Eu não sei se minha avó já pensava nisso na época, mas ela fazia muita propaganda dele e sempre me dizia que o bom era a gente se casar com um homem mais velho. Fato é que eu cresci e comecei a dar as minhas namoradinhas. Como diz a minha irmã, a gente beijou Rio Claro inteiro e adjacências [risos].
Eu tinha 17 para 18 anos, e passei a olhar o Toninho de um jeito diferente. Ele ia para Rio Claro andar de bicicleta no Horto Florestal, fazia mountain bike, e voltava para a casa dos pais dele sem camisa, com aquele tanque trincado [risos]. Eu vivia na casa dos meus tios, e a gente dava aquela olhada! Mas eu namorava e, logo depois, entrei na faculdade e me mudei para Ribeirão Preto. Esse tempo foi maravilhoso! Eu morava com a minha irmã e mais duas amigas de Campinas. A gente era superunida, ia para todas as festas, namorava, beijava todo mundo, curtia para caramba. No meu último ano de faculdade, meu tio José, o pai do Toninho, começou a ficar muito doente.
Ele teve um enfisema pulmonar. Eu sempre ia visitar ele e foi quando comecei a reparar mais no Toninho como homem. Eu via ele cuidando do pai, a relação que ele tinha com os primos. E como eu já não era aquela pirralha, passamos a conversar mais, a trocar ideias. Um dia, conversando com a minha avó, eu comentei: 'O Toninho está muito lindo?. E ela soltou, na lata: "Você tem que falar que você gosta dele". E eu: O quêêêê? Nunca vou fazer isso".
Um tempo depois, fui visitar o meu tio, e o Toninho estava lá. Eu ia para uma festa com a minha irmã, mas fiquei horas conversando com ele na varanda da casa dos meus tios. Lembro que cheguei muito atrasada na festa, minha irmã e minhas amigas ficaram super bravas. Mas eu estava empolgadíssima, toda me achando por ter ficado conversando com o padrinho. Minha avó, vendo tudo isso acontecer, me falou: "Você vai perder a oportunidade de namorar o Toninho. Ele nunca vai saber que você gosta dele, se você não falar". Eu disse: "Mas, vó, e se ele disser não?". E ela respondeu: "Se ele falar não, vai continuar sendo seu padrinho".
Ela sempre repetia que homem não tem bola de cristal e que, se a gente não disser exatamente o que sente, eles nunca vão saber. "Fale o que você sente". E eu sempre falei, nunca fui de joguinho. Mesmo com os moleques com quem eu ficava na faculdade.
Então, um dia eu tinha brigado com um namoradinho de Ribeirão e decidi ir conversar com o Toninho, seguir os conselhos da minha avó. Eu estava na casa dos meus pais na época, tomei uma "talagadinha" de uísque e liguei para ele, perguntando se ele iria para Rio Claro. Ele disse: "Estou num campeonato de tiro ao alvo, mas eu vou. Está acontecendo alguma coisa? Você está bem?". Porque teve isso: durante a minha infância e adolescência, eu sempre tive todos os "ites" do universo: bronquite, rinite, tudo.
E ele, depois que se formou médico, cuidava das minhas alergias. Eu disse que estava tudo bem e que só queria conversar. Ele falou que ia chegar perto de cinco da tarde, para eu ir encontrar com ele. Fui para a casa dos meus tios, mas ele tinha ido pedalar com meu outro primo. Minha tia Felícia estava sozinha, naquela época o tio José já tinha morrido, e ela me convidou para tomar um aperitivo. Eu estava lá, bebendo uma cervejinha com ela, quando ele chega todo cheio de barro, com aquelas curvas, sarado [risos]. Falou que ia tomar uma ducha, voltou sem camisa, com o shorts lá embaixo, as vírgulas do tanquinho aparecendo. "Oi, você quer falar comigo? Vamos lá na varanda".
Era dezembro, eu lembro que estava com uma camiseta regata e sentia o suor atrás, escorrendo pelas minhas costas. Eu não sabia se era ansiedade, calor, se era a bebida. Aí ele perguntou sobre o que eu queria conversar. Eu disse que estava envergonhada, mas que ia falar mesmo assim. Ele sempre foi um cara muito gentil, um ótimo ouvinte. Se você senta numa mesa com ele para conversar, pode falar por horas que ele vai te ouvir. Ele tem um perfil tímido, sempre ouviu mais do que falou. Eu criei coragem e disse: "Toninho, é o seguinte: eu sempre tive um amor platônico por você. Sempre te admirei demais, te achei super bonito. Sempre te achei o máximo e agora estou te vendo como homem. Me senti atraída por você várias vezes".
Ele me olhou e não estava acreditando naquilo. Desembestou a falar. Contou do tiro ao alvo, do campeonato do caratê, de quando ele foi para a Fórmula 1 com meu pai. Eu lá, só olhando e ouvindo. Ele não tocou mais no assunto, me ignorou total. Voltei para casa meio decepcionada. Minha mãe sabia que eu ia me declarar para ele, contei que o assunto não tinha evoluído.
No dia seguinte, fui na minha avó. Ela me disse: "Calma. O importante é que você plantou a sementinha". O Toninho ficou quase dois meses sem falar comigo. Nesse meio tempo, minha tia Felícia — a mãe dele — morreu. Eu acho que ela morreu de amor, mesmo, porque era super grudada no meu tio José e não aguentou a morte dele.
A partir daí, eu comecei a ligar com mais frequência para o Toninho, e a gente se encontrava em Rio Claro, mas sempre com um monte de gente junto. A gente nunca estava sozinho. No verão, eu fui viajar com as minhas amigas para Camburi. O pai de uma delas tinha comprado uma casa de pescador, e a gente dormia ali. Nem tinha celular nessa época e um dia, quando eu liguei para casa, minha mãe disse: "O Toninho está atrás de você". Fiquei toda empolgada. "O que que esse homem quer?". Assim que cheguei em casa, liguei para ele, que me fez um convite. "Não quer vir para Campinas conhecer meu apartamento?". Ai, eu quero [risos], imagina que não? Nessa época, eu dividia o carro com a minha irmã, então ela me colocou num ônibus para Campinas.
Eu lembro até a roupa que eu estava usando: uma calça branca agarrada e uma blusa azul turquesa sem manga. Ele foi me pegar na rodoviária e perguntou se eu estava com fome. Fomos comer, ficamos tomando cerveja. Nessa época de faculdade eu bebia mais que Opala [risos]. Até que ele falou: "Vamos para o meu apartamento". Lembro que ele montou um aperitivo, um pistache, uma cervejinha.
Era fim de tarde, a gente continuou bebendo. Daí chegou o momento que eu esperava fazia meses. Ele fez uma cara de sério e disse: "Sobre aquilo que você falou comigo, queria conversar com você. Eu fiquei pensando, acho que não tem cabimento essa situação. Você é minha afilhada. A gente é primo. Estou formado há anos, eu trabalho. Você nem se formou ainda". Eu não acreditei. O cara me fez pegar aquele ônibus quente de Ribeirão, ir até lá e encher a cara de cerveja para me dar um fora? Não podia falar tudo isso pelo telefone? [risos]. Respondi: "Você acha que não tem cabimento? Bom, como diz minha avó: se nada der certo, a gente vai continuar sendo padrinho e afilhada. Acho que a gente podia tentar".
Na hora em que eu falei isso, ele me olhou assustado e veio me dar um beijo. Estava tendo um jogo entre Ponte Preta e Guarani, e ele morava em um prédio perto do estádio. A gente se beijou e, no mesmo minuto, começaram a estourar fogos de artifício. Fogos de artifício! Não sei quem ganhou o jogo, mas não importa: aquilo tudo tinha que ser para a gente! Eu tremia muito, ele me olhou e disse: "Eu sou um cara velho. Essa história de ficar não rola para mim. Ou a gente vai namorar ou não vai dar certo". Eu falei: "Então vamos namorar!". Ele não quis que eu dormisse em Campinas nesse dia.
A gente pegou o carro, era dez da noite, e ele me levou para Rio Claro — sendo que meus pais achavam que eu estava em Ribeirão, onde eu estudava. Quando cheguei em casa, contei tudo para eles, disse que a gente estava namorando. Minha mãe ficou super feliz. Meu pai ficou bem estremecido. Ele não curtiu muito no começo, mas com o tempo aceitou. Aí começou uma história assim no namoro: "Eu sou velho demais". Ele já tinha mais de 40, e eu, 25. "Você quer ter filho, constituir família, não posso esperar muito" Eu falei "Então já vamos fazer filho" [risos]. Ele dizia: "Se você quer, tem que ser logo, porque eu sou velho e não quero ser um pai avô". Só que ele nunca quis se casar.
Quando eu nasci, era ele, o irmão, o pai e a mãe. O irmão era piloto de avião e morreu numa explosão. Depois, perdeu o pai e a mãe. Sempre falava que não queria família. Mas comigo ele quis. No final do ano, eu me formei. A gente foi viajar pela Costa Oeste dos Estados Unidos. Ficamos o mês inteiro fora, foi o máximo. Na volta, eu já passava mais tempo em Campinas com ele do que em Ribeirão ou em Rio Claro. Em março de 1997, um ano depois de eu ter me declarado, a gente se casou na mesma igreja onde eu fui batizada. Quem celebrou a cerimônia foi o mesmo padre do meu batismo. E minha avó levou as alianças.
O Toninho não curte festa. Mais de quatro pessoas para ele já é uma multidão. E imagina: na nossa celebração foram os amigos de Ribeirão, a família inteira. Eu já estava grávida, então não pude beber. Mesmo assim, fiquei fervendo com minhas amigas ao som da banda, enquanto ele era educado com todo mundo, fazendo a social. 1997 foi o meu ano: peguei o meu diploma da faculdade, engravidei, me casei e tive o Felipe, meu primeiro filho.
Hoje o Felipe está com 23 anos e, depois dele, veio a Vitória — que ganhou esse nome em homenagem a você sabe quem. Minha filha hoje tem 20 anos. Se você perguntar para a minha mãe, ela vai falar que eu, desde sempre, fui apaixonada pelo Toninho. Mas não é isso. Vivi sentimentos diferentes ao longo da vida. Quando eu era pequena, eu tinha uma admiração pelo padrinho que me levava para comprar presente. Depois, quando adolescente, eu tinha uma certa vergonha, porque ele era um cara bonitão. Só quando fiquei adulta comecei a ter um olhar mais de admiração. A gente não deve ter medo de falar o que sente, para qualquer pessoa em qualquer relação. Seja um relacionamento amoroso, entre amigas ou de mãe e filha. O que a gente sente é o que mais importa na vida.
Minha avó estava certa: "Homem não tem bola de cristal!" A gente tem que falar o que quer! Estamos juntos até hoje e respeitamos muito a individualidade do outro. Não só pela diferença de idade, mas por sermos muito diferentes em tudo. Eu sou sociável, amo gente, vai Corinthians! E ele é super quieto, tímido, na dele, intelectual. Respeito! Minha avó Vitória morreu quando o Felipe tinha menos de um ano. Mas ela acompanhou o nosso namoro e o nosso casamento. Vibrava muito junto com a gente.Eu sempre falava para ela: "Foi tudo graças a você, vó!". E foi mesmo.
O episódio 4 de "Existe Amor" tem interpretação de Helena Ranaldi. Música de abertura: Criolo. Reportagem e roteiro: Débora Miranda. Desenho de som e montagem: João Pedro Pinheiro. Design: Carol Malavolta. Motion design: Carla Borges. Direção de arte: Gisele Pungan e René Cardillo. Coordenação: Débora Miranda e Juliana Carpanez. Gerentes de conteúdo: Antoine Morel e Alexandre Gimenez. Diretor de conteúdo UOL: Murilo Garavello. Agradecimento: Arthur Cruvinel.
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