Por que terror e religião se misturam tanto?
Em "Profecia do Inferno", nova série coreana da Netflix, a história sobre monstros se torna uma metáfora sobre fanatismo religioso e instituições que podem usar a fé para manipular seus seguidores. A dinâmica entre terror e religião, no entanto, não é nova. Mas por que esses dois elementos, aparentemente tão distantes, se misturam tanto? Splash Explica.
Os conceitos de "bem" e "mal" apresentados na Bíblia influenciam obras desde o surgimento dos primeiros movimentos artísticos clássicos e não foi diferente com o terror. O gênero, tradicionalmente uma espécie de válvula de escape para se questionar convenções e tabus da sociedade, usa bastante as ideias presentes nas próprias escrituras: punição, danação eterna, tormentos e até fenômenos naturais, como enchentes, e traições ou assassinatos.
Sob a ótica do medo
Quando se fala de terror e religião, filmes como "O Exorcista", "Invocação do Mal" e "O Exorcismo de Emily Rose", por exemplo, vêm à tona quase imediatamente. Histórias de possessão demoníaca, via de regra, acabam tendo um viés pró-religião, pois insinuam que a única fonte de salvação para a pobre garota possuída é se aproximar da Igreja e seguir os ensinamentos à risca.
No entanto, a própria ideia da possessão abre espaço para dúvidas, já que fica a sugestão de que as figuras divinas se afastam facilmente, enquanto o demônio está sempre por perto. Além disso, não é incomum que padres ou pastores que pratiquem o exorcismo sejam pessoas que já questionaram a própria fé e tiveram encontros com os lados mais obscuros da religião.
Por isso, apesar de fé e terror serem, à primeira vista, conceitos antagônicos, eles se cruzam justamente na forma como tratam o medo e o desconhecido. Se existem instituições religiosas que usam o medo da punição para exercerem certo controle sobre as pessoas, filmes de terror se apropriam desta mesma lógica para tratarem sobre vulnerabilidade e manipulação.
A autora Sara Century explica no portal Syfy Wire:
"Muitas pessoas aparentemente saudáveis e descontraídas tiveram a confiança abalada e foram manipuladas até que estivessem dentro de um culto antiético e abusivo (...)"
Cultos são assustadores na vida real e na ficção porque eles mostram o quão facilmente podemos nos distanciar da própria moral sob certas circunstâncias. Cultos no cinema, assim como na vida real, são confusos quanto a tema e objetivo.
O Sete-Peles
De acordo com os autores Eleanor Beal e Jonathan Greenaway, do livro "Horror e Religião: Novas abordagens literárias de Teologia, Etnia e Sexualidade" (em tradução livre), análises psicológicas do cinema de terror foram importantes para estabelecer a importância do gênero em estudos acadêmicos, principalmente a partir das décadas de 1970 e 1980.
Os dois explicam que teologia e terror estão ligados na essência, e que convenções comuns ao gênero, como violência, sexualidade não-normativa e crenças não-ortodoxas, são vistas por religiosos como uma ameaça à moral, e que isso sempre teve consequências políticas. Após a Revolução Francesa, por exemplo, líderes religiosos começaram a suspeitar que as escritas góticas pudessem estimular "pensamentos perigosos" e a imaginação.
A estudiosa Katie Halsey observa:
"Na década de 1970, críticos voltaram a atenção para os perigos morais do gótico, particularmente para seus efeitos políticos. Dentro da polarização política dos anos 1970, romances góticos eram associados a ideias e princípios da Revolução Francesa. Jornais conservadores caracterizavam essas ficções como politicamente perigosas."
Desta forma, o que o terror faz atualmente é utilizar a ideia de adoração como uma forma de criticar organizações religiosas e seu extremo controle. A trama de "Profecia do Inferno", com o surgimento do grupo A Nova Verdade, faz justamente isso.
Century afirma:
"Em filmes como 'A Bruxa', é a falha do Cristianismo que leva à adoração ao Diabo. É o estranho fascínio pelo desconhecido, misturado ao mal-estar causado pelas regras opressoras da igreja que geram um afastamento."
Apesar de esses filmes retratarem personagens que se afastam dos ideais cristãos (...), a compaixão é estendida para as almas perdidas no centro da narrativa, e os dois lados são mostrados como igualmente perigosos.
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