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Com filho da Universal, Caetano critica o termo 'terrivelmente evangélico'

Caetano Veloso é o entrevistado do "Roda Viva" de hoje - Reprodução/TV Cultura
Caetano Veloso é o entrevistado do "Roda Viva" de hoje Imagem: Reprodução/TV Cultura

Colaboração para Splash

20/12/2021 23h34Atualizada em 22/12/2021 10h07

O cantor Caetano Veloso, 79 anos, criticou o termo "terrivelmente evangélico", usado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) quando da nomeação de André Mendonça como ministro do STF. Um dos filhos de Caetano, Zeca, faz parte da Igreja Universal.

"Acho a expressão do presidente muito ruim e desrespeitosa. Mas ser desrespeitoso é do jeito do presidente. A expressão não é feliz e não funciona. É uma expressão que não dá conta, é uma homenagem do presidente ao preconceito", declarou o cantor durante entrevista ao "Roda Viva" (TV Cultura) de hoje.

Caetano contou que sua relação com Zeca e com o outro filho, Tom, que também já foi evangélico, é ótima.

O Tom, quando criança, começou a ir na igreja com a babá, arrastou o Zeca. O Tom não vai mais pra igreja, não diria que ele seja evangélico. Zeca sim, frequenta a igreja, mas pra mim é um enriquecimento, que eu tenha tão de perto e profundamente acompanhado essa movimentação da mente brasileira, porque é uma transformação na mente brasileira. É algo que tem a ver com a história, com o surgimento do protestantismo. Eu e Zeca temos um diálogo muito bom sobre tudo, música, vida, pessoas, porque ele é muito conversador. Tom não, ele só fala o essencial. Pra mim eu sinto que tô vivendo uma vida rica e real".

O cantor contou ainda que a relação dos dois com Moreno Veloso, filho de Caetano de outro relacionamento, que faz parte do candomblé, é ótima.

Zeca (29) e Tom Veloso (24) são filhos do artista com a atriz Paula Lavigne. Moreno Veloso é fruto do relacionamento com Andréa Gadelha. Em 1979 os dois tiveram uma filha, Júlia, que morreu bebê após nascer prematura.

Bolsonaro, brasileiro médio e censura

Caetano falou, durante a entrevista comandada por Vera Magalhães, sobre Bolsonaro e censura.

"Acho que é óbvio que muito homem comum brasileiro pode se identificar com o Bolsonaro. Essa ideia de que brasileiro é alegre, pra uma pessoa da minha idade, ela é nova. Desde pequeno aprendi que éramos o resultado da união de 3 raças tristes. Esse tipo de ideia de que o Brasil era muito presente, quem inventou isso de Brasil alegre foi o Vinicius de Moraes. Todos os sambas de carnaval da tradição eram de historias de amor que não deram certo."

Essa frase que eu disse no Roda Viva de 25 anos atrás ("Há um desejo de direita truculenta no Brasil, fingindo-se de liberal, que é brutal e que nos ameaça cotidianamente") foi profética. Eu tinha experiencia porque fui preso, confinado, exilado, isso durou 3 anos. durante parte do exilio. Eu não sabia se ou quando eu poderia voltar ao Brasil." Caetano

Caetano citou ainda o "silenciamento" que é feito a alguns artistas quanto à posição política.

"A criação artística é um negócio que não pode ficar aos serviços de qualquer ideologia, de uma luta de outro âmbito, entende? O que não quer dizer que os artistas devem silenciar. Mas os que precisam, às vezes é legítimo. Agora isso não quer dizer que eu apoie. Mas eu detestaria ver uma onda de silenciamento, porque isso é uma forma de censura coletiva", declarou.

Luísa Sonza?

O cantor falou também sobre masculinidade e como começou a "quebrar" isso.

"Nos anos 60, todo mundo estava colocando em questão a autodefinição de gênero no gestual, na roupa e no cabelo. Os homens de cabelo longo já foi um movimento que dizia isso. Quando eu vi o primeiro show dos Stones, que Mick Jagger chegou com aquela bicharia toda, eu achei espetacular. Eu já fazia aquilo, nos festivais, da Globo, da Record. Na 'É proibido proibir', eu dançava com o quadril -parecia com a Luísa Sonza, só que não era loira nem linda", brincou.

Brasil pode ser menos desigual

O cantor foi questionado se ainda acredita que o Brasil tem potencial para ser um país menos desigual.

"A gente tem a obrigação. É o mínimo que um país deve ao seu povo. Aparece pra mim frequentemente a oportunidade que o Brasil significa, por causa de vários vetores diferente. O Brasil tem uma peculiaridade que ele próprio deveria aproveitar".

Luta contra o fascismo

Caetano reforçou sua ideia de que a delicadeza e a poesia podem ser armas na luta contra o fascismo.

"A gente não pode fazer canções se não acreditar nisso. Acho que "Não vou deixar" é uma canção que fiz no fundo em homenagem a "Apesar de Você", do Chico Buarque. No fundo, a ideia de enfrentamento político é a mesma. Acho que a delicadeza e a elegância têm capacidade de enfrentar a brutalidade, a ignorância e a injustiça".

O cantor relembrou ainda em alguns momentos da entrevista os tempos durante a ditadura militar em que foi exilado, reforçando que, mesmo assim, não sente vontade de sair do país.

Não tenho vontade nenhuma de morar fora. Eu vivi fora porque o Brasil me expulsou e me exilou, porque eu próprio não sairia. Então eu, com 79 anos, fui expulso porque o Brasil me botou pra fora, mas estou aqui, não quero sair e continuo acreditando que o Brasil pode fazer algo de grande pro mundo".

Ainda nesse tópico, Caetano deixou claro que não acredita que essa "perda de identidade" do brasileiro com o país seja irreversível e que o Brasil ainda "não se desfez".

Eleições 2022

Caetano declarou ainda que votará em Lula em 2022, porque ele tem se mostrado como a favor de um voto anti-bolsonaro, mas disse que "seu coração está com Lula e Ciro".

O cantor também disse achar a candidatura do ex-ministro Sérgio Moro não o anima e que a imprensa foi "passiva demais e pouco crítica" à Operação Lava Jato.