Racismo e espanhol: como Spielberg corrigiu 'West Side Story'
Na onda nostálgica que tomou conta de Hollywood nos últimos anos com seus remakes e continuações, o renomado Steven Spielberg decidiu realizar sua própria versão de "West Side Story" ("Amor, Sublime Amor"), musical que virou filme em 1961 e venceu o Oscar de Melhor Filme no ano seguinte.
A tarefa não era nada fácil: mexer em um clássico sempre gera comparações e ainda pode incomodar os fãs mais fervorosos. Mas o novo filme conseguiu superar os riscos e se tornou um dos grandes favoritos da atual temporada de premiações. Talvez o segredo esteja em cada detalhe que Spielberg conseguiu "corrigir".
Latinos de verdade
A primeira grande mudança de Spielberg foi na escolha do elenco. "West Side Story" é inspirado na tragédia de "Romeu e Julieta", só que transportada para a Nova York da década de 1950. No filme, as gangues dos Jets (brancos) e Sharks (porto-riquenhos) se enfrentam pelo domínio da região do Upper West Side de Manhattan.
No original de 1961, a gangue de Porto Rico era interpretada por atores brancos que ainda usavam maquiagem escura para se passar por latinos. Natalie Wood, a protagonista, tinha origem russa e George Shakiris, intérprete de Bernardo, líder dos Sharks, era descendente de gregos.
"Todos usávamos a mesma cor de maquiagem, era muito escura. Questionei o maquiador: 'Meu Deus! Por que temos que ter a mesma cor? Porto-riquenhos têm origem francesa, espanhola, alguns são negros.' Ele me chamou de racista", relembrou Rita Moreno, única atriz porto-riquenha do elenco original, ao podcast "In the Thick".
Spielberg fez questão de que todos os novos Sharks fossem interpretados por atores e atrizes de origem latina. Entre os novos destaques estão Ariana DeBose, forte concorrente ao Oscar por Anita (papel que foi de Rita), de origem porto-riquenha, Rachel Zegler (Maria), de origem colombiana, e David Alvarez, filho de pais cubanos, como Bernardo.
Espanhol sem legenda
No novo filme, o elenco alterna sempre entre o inglês e o espanhol. Mas, quando os personagens porto-riquenhos conversam em sua língua nativa, o diálogo nunca é legendado e traduzido. Spielberg explica por quê.
Se eu colocasse legendas no espanhol, estaria a igualando ao inglês e fazendo com o que o inglês tivesse poder sobre ela. Precisava respeitar a língua o suficiente para não legendá-la.
disse o diretor em entrevista a "Entertainment Weekly"
Em 2009, quando o musical foi reencenado na Broadway, Lin-Manuel Miranda foi convidado a traduzir parte das músicas para o espanhol, mas as versões não duraram muito tempo em cartaz por não agradarem o público.
Mais realismo
O filme de 1961 foi lançado enquanto a região do Upper West Side era desapropriada para dar lugar a um novo bairro de classe alta. A área conhecida por San Juan Hill virou o Lincoln Square em um projeto que despejou 7 mil famílias pobres, majoritariamente negras e hispânicas, que nunca receberam a assistência prometida para a realocação.
50 anos depois, os problemas dessa política que tentou livrar o bairro das favelas se mostram mais claros no longa. Podemos ver famílias sendo expulsas de suas casas e protestando contra isso. Jets e Sharks lutam por um território que eles sabem que não existirá mais.
A briga de gangues também evolui para um lugar mais sombrio. Logo no início do filme, a bandeira de Porto Rico é vandalizada pelos Jets, em referência a como supremacistas brancos agem em relação a comunidades latinas e de outras etnias. O racismo não é só uma ideia, mas sim uma realidade no novo "West Side Story".
Spielberg pode até não vencer o Oscar, mas garantiu uma mensagem ainda mais poderosa com sua versão do clássico.
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