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Antes de ser demitido por suposta saudação nazista Adrilles negou racismo

Gesto de Adrilles Jorge foi interpretado como saudação nazista - Reprodução
Gesto de Adrilles Jorge foi interpretado como saudação nazista Imagem: Reprodução

De Splash, em São Paulo

09/02/2022 14h49Atualizada em 09/02/2022 14h53

O ex-BBB e ex-comentarista da TV da Jovem Pan, Adrilles Jorge, demitido hoje por fazer suposta saudação nazista durante participação ontem no "Opinião" (Jovem Pan News), o que é crime, coleciona diversas declarações polêmicas. Em novembro de 2021, ao vivo na emissora, ele chegou a insinuar que Felipe Neto "pode morrer" — o que gerou pedidos do youtuber para a Jovem Pan se posicionar sobre.

Adrilles, ex-amigo de Pedro Bial após discordarem do apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), acumula frases que negam o racismo no Brasil e menospreza as desigualdades sofridas pela população negra no país, protagonizou barraco com elogios a Bolsonaro, criticou Marília Mendonça e seu trabalho artístico e por fim fez o suposto gesto que culminou em sua demissão.

Os comentários sobre raça, feitos ainda na época da rádio antes da Jovem Pan conseguir espaço na TV, se basearam na falsa ideia de uma inexistente democracia racial.

O termo criado por Gilberto Freyre pregava uma convivência pacífica das diferentes raças, ignorando os impactos da escravatura e tirando a responsabilidade do Estado brasileiro de fazer qualquer ação de inserção e reparação.

Difundida, a ideia ajuda a explicar o racismo que se tem no Brasil até hoje, como mostrou Ecoa. Adrilles usou o termo e defendeu ele — mesmo contraditório e negando a realidade racial do país com mais de 54% da população se reconhecendo como negra.

'Cultura democrática racial'

Branco, Adrilles afirmou que não houve estupro por parte da população branca contra mulheres negras. No debate, que aconteceu em maio de 2020, o ex-brother romantizou a situação e disse que "as negras não foram estupradas; elas namoravam com brancos".

Para ele isso justificava uma "cultura democrática racial graças ao pouco racismo que a gente tem diante de países como África do Sul e Estados Unidos, em que você vê na pele o racismo".

Segundo ele, o estupro se referia a uma miscigenação hoje no Brasil.

Contudo, as relações no período colonial eram de poder e a população negra escravizada tinham direitos retirados e sua própria vida desvalorizada na sociedade, sendo vista como mercadoria. A miscigenação, defendida por Adrilles e Freyre, é marcada por estupro e violências.

O antropólogo Kabengele Munanga explica que uma ideia de embranquecimento da população brasileira teve início a partir dos estupros e foi sendo adotada pela inserção de mais imigrantes europeus e culminado na criação de um povo mestiço.

Ao contrário do que diz Adrilles, não há uma "democracia racial" e "pouco racismo" no país: o risco de morrer pela covid-19 é maior para homens negros e mulheres negras; o desemprego na pandemia atinge mais a população negra; dos jovens que abandonaram a escola na educação básica para trabalhar, 71,7% são negros.

Adrilles Jorge - Reprodução/YouTube - Reprodução/YouTube
Os jornalista Alexandra Loras e Adrilles Jorge durante o programa 'Morning Show'
Imagem: Reprodução/YouTube

A pesquisa "Educação não Presencial na Perspectiva dos Estudantes e suas Famílias" ainda exibiu que a população negra foi a que mais demorou para ter acesso a atividades remotas e não conseguiu aumentar o acesso a computadores com internet para estudar à distância.

O risco de evasão dentro da "cultura democrática racial" faz famílias de alunos negros terem 63% mais risco de ter medo da evasão escolar de seus filhos do que pais de estudantes brancos, segundo uma análise feita pelo Plano CDE.

Dados sobre intolerância religiosa mostra que a fé com matrizes africanas correm mais riscos: dados mais recentes do Ministério dos Direitos Humanos através do Disque 100, entre 2015 e 2017, mostram católicos e protestantes como 1,8% e 3,8% das vítimas em denúncias de intolerância religiosa, respectivamente, enquanto as denúncias relativas a fiéis do candomblé e da umbanda somavam 25% do total.

'Vitimismo identitário'

Tentando justificar sua fala — que foi rebatida por Angélica, negra e ex-BBB 15 —, ele afirma que tem um "vitimismo identitário caluniador" sem etnia e que "estupram a verdade sem dó".

Para o escritor, falar em miscigenação é uma "declaração antirracista" — mesmo com os problemas e romantizações dessa ideia.

A historiadora Suzane Jardim explicou a Ecoa que a falsa democracia racial "cumpre a função de calar os movimentos e sujeitos negros atingidos pelo racismo brasileiro", o que dificulta enxergar a necessidade de ações de reparação, como uma educação antirracista — e, aí sim, ter um posicionamento antirracista efetivo.

Marília e Anitta 'não necessariamente são grandes artistas'

Anitta e Marília Mendonça - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Adrilles diz que Marília Mendonça e Anitta não são grandes artistas
Imagem: Reprodução/Instagram

Adrilles disse que Anitta e Marília Mendonça são "cantoras muito populares, mas não são necessariamente grandes artistas ou grandes cantoras". O comentário foi na esteira da morte da artista sertaneja, em novembro de 2021.

O ex-BBB que trabalhava na mesma emissora com Caio Coppolla e Alexandre Garcia entende que Marília "colocava culpados pelas dores de amor, pelos ressentimentos, pelas mágoas, colocava culpados meio clicherescos" e que "a população gosta de se entorpecer".

Com seu estilo, Marília foi a artista brasileira mais ouvida em 2019 e 2020 no Spotify. A cantora acumula 8,5 milhões de ouvintes mensais na plataforma.

Um dia após sua morte, a cantora se tornou a artista mais ouvida no streaming e colocou 74 músicas no top 200 da plataforma.

No seu canal do YouTube, Marília Mendonça tem 22 milhões de inscritos e seus vídeos já alcançaram a marca de 13 bilhões de visualizações, com destaque para "Infiel", que tem mais de meio bilhão de views.

Marília ganhou o Grammy Latino de 2019 na categoria Melhor Álbum de Música Sertaneja e o prêmio Multishow de cantora do ano.

Discussão ao vivo na TV

Adrilles Jorge - Reprodução/YouTube - Reprodução/YouTube
Adrilles Jorge, ex-BBB e comentarista da Jovem Pan News
Imagem: Reprodução/YouTube

Na Jovem Pan News, o comentarista se envolveu na discussão entre André Marinho e o presidente Jair Bolsonaro, na qual ele ameaçou encerrar a entrevista.

Ao ser questionado sobre a prática de 'rachadinhas', Bolsonaro e Marinho, filho do político Paulo Marinho (ex-presidente do PSDB no Rio) protagonizaram um dos barracos no canal de notícias.

Adrilles interrompeu a discussão e passou a elogiar o chefe do Executivo. André Marinho disse que o PT não poderia voltar ao poder e pediu para o presidente responder a sua pergunta.

"Ou você só quer pergunta de bajulador?", acrescentou. Adrilles e Bolsonaro reagiram com gritos sobrepostos e o presidente deixou a entrevista.

Adrilles Jorge ficou indignado com a insinuação e começou a gritar. "Me respeita, ó, rapaz. Bajulador é teu pai, que bajulava o presidente e se transformou em oposição porque não recebeu ministério. Dá um carguinho pro seu pai que você vira bajulador. Mauricinho!"

André Marinho deixou a emissora no dia 4 de novembro do ano passado.

Suposta saudação nazista

Ao comentar o caso de Monark — demitido do Flow Podcast por apologia ao nazismo — durante participação no programa "Opinião" na tarde de ontem, Adrilles fez um gesto interpretado como saudação nazista, o que é crime.

"O nazismo matou 6 milhões de judeus, o comunismo matou mais de 100 milhões de pessoas e hoje é visto aqui no Brasil como uma coisa livre, absolutamente liberada, com partidos normalizados", falou o ex-comentarista da Jovem Pan.

O apresentador William Travassos fala por cima de Adrilles, anunciando que o programa está acabando. O ex-BBB, então, leva a mão estendida à altura do rosto, num gesto parecido com a saudação nazista de Hitler. Travassos, surpreso, responde: "Surreal, Adrilles". Ele ri.

Adrilles nega

Com a repercussão do episódio, Adrilles negou que o gesto tenha relação com o nazismo e disse que estava apenas dando "tchau".

"A insanidade dos canceladores ultrapassou o limite da loucura. Depois de um discurso meu veemente contra qualquer defesa de nazismo, um tchau é interpretado como um saudação nazista. Nazista é a sanha canceladora que não enxerga o próprio senso assassino do ridículo", escreveu no Twitter.

Adrilles, que em uma das análises reconheceu Bolsonaro como humanista e que o presidente "não soube comunicar as inúmeras virtudes que ele fez no combate a pandemia", seguiu até ontem como especialista para comentar notícias no programa "Opinião", apresentado por William Travassos, apesar de todas declarações anteriores.

Em contato com Splash, a Jovem Pan informou que Adrilles foi demitido e declarou repudiar "qualquer manifestação" em defesa do nazismo e disse que os comentaristas têm liberdade para emitir opiniões, desde que nos limites da lei.

Confira a nota na íntegra:

O Grupo Jovem Pan repudia qualquer manifestação em defesa do nazismo e suas ideias. Somos veementemente contra a perseguição a qualquer grupo por questões étnicas, religiosas, raciais ou sexuais.

No exercício diário de informar e esclarecer nossa audiência, prezamos pelo livre debate de ideias, mas não endossamos qualquer tipo de manifestação que leve ao discurso de ódio e reforce ideias que remetam a um episódio da nossa história que deve ser lembrado como símbolo de um erro da humanidade que não deve jamais ser repetido.

Nossos comentaristas têm independência para emitir opiniões, respeitando os limites da lei, opiniões estas que não refletem as posições do Grupo Jovem Pan.