Quando pensamos na história de Anna Delvey e em como ela enganou toda a elite de Nova York fingindo ser uma grande herdeira alemã, é imediato pensar em significados. O que suas farsas, suas dívidas e sua performance nos dizem sobre o papel da mulher, sobre a sociedade financeira e sobre o sonho americano?
Provavelmente, muita coisa. Mas não são essas as perguntas que "Inventando Anna" busca responder.
A minissérie é a segunda produção nascida do casamento entre a Shondaland, produtora de Shonda Rhimes ("Grey's Anatomy"), e a Netflix. A primeira, a sensação "Bridgerton", é assinada por Chris Van Dusen ("Scandal"). Mas esta é a primeira realmente criada por Shonda, a partir do artigo escrito pela jornalista Jessica Pressler -cuja versão ficcionalizada é Vivian Kent (Anna Chlumsky).
Por isso, a história se desenvolve em duas frentes. A primeira conta a investigação de Vivian sobre Anna, e de como ela quer usar isso para dar uma guinada em sua carreira e superar um caso que manchou sua reputação.
Nesta frente, acompanhamos Vivian tentando contato com Anna (Julia Garner), que já está presa, e querendo arrancar da golpista detalhes para entender melhor sua vida e como conseguiu enganar tantas pessoas tão bem.
Enquanto se baseia um tanto na história da própria Jessica Pressler, a personagem Vivian Kent tem também alguns traços de ficção que permitem ao roteiro brincar um pouco mais com a relação entre Anna e Vivian.
Assim como no livro "O Jornalista e o Assassino", ou na dinâmica entre Clarice e Hannibal Lecter em "O Silêncio dos Inocentes", essa troca entre entrevistado e entrevistador é testada, e o distanciamento suposto e esperado entre as duas partes vai se dissipando à medida que as conversas avançam. Existe uma troca quase confidente entre as duas. Por isso, não trata-se apenas da história de Anna, e sim desta dinâmica (fictícia) entre ela e a repórter.
Mesmo assim, Vivian é incapaz de enxergar uma lógica e uma justificativa para como Anna navegava com tanta tranquilidade entre meios e pessoas tão diferentes. E a série, propositalmente, vai pelo mesmo caminho.
Afinal, como uma pessoa consegue apresentar tantas personalidades distintas dependendo do grupo com quem estava falando e, ainda assim, não dar pistas de que estava enganando a todos?
Inventando Julia Garner
A segunda frente conta a própria história de Anna. Ou, pelo menos, versões dela, vistas a partir das narrativas de amigos, colegas e pessoas que conviveram com a farsante e mantiveram variadas relações com ela.
É importante destacar que "Inventando Anna" não está em busca de uma resposta definitiva de quem é Anna Sorokin, ou como e por que ela se transformou em Anna Delvey. Em cada episódio, a personagem se transforma diante dos olhos de quem a conhecia. Isso significa que a série não busca decifrá-la, apresentar uma razão lógica ou fazer uma grande reflexão sobre a sociedade a partir de seus golpes. Ela apenas quer contar uma história absurdamente cativante.
E está tudo bem.
Isso quer dizer que a série, assim como Anna, se transforma a cada hora. Os episódios mudam de tonalidade e estilo de acordo com o ângulo que vimos da personagem central. A atração jamais responde com seriedade à pergunta sobre quem é Anna, mas brinca com as possibilidades apresentadas —assim como a própria russa, por um motivo ou por outro, fez em seus dias de glória.
Se, por um lado, isso pode gerar certas frustrações por não entregar uma narrativa linear e definitiva, a série tem material suficiente para se tornar uma experiência saborosa e cativante. Existe certa aura mágica em torno de como Anna é retratada, como se certo status de inatingível precisasse ser mantido, e isso funciona a favor de uma série vista em maratona -a cada episódio, é como se soubéssemos um pouco mais e um pouco menos de Anna ao mesmo tempo.
O que significa que a vontade de assistir ao próximo logo em seguida só aumenta.
Ainda que possa dividir opiniões, a força motriz por trás de "Inventando Anna" é Julia Garner. A atriz de "Ozark" e "The Americans" desaparece atrás do excelente sotaque, e por si só é o suficiente para roubar a atenção do espectador. A série dificilmente é uma visão imparcial de como Anna se inventou, mas parte da graça é justamente ver as pessoas (como Vivian) tentando compreendê-la.
No fim, não há uma reposta coesa -mas a série é inteligente o suficiente para não esperar algo assim de Anna Sorokin.
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