Linn da Quebrada: 'A representatividade tem bênçãos e maldições'
Linn da Quebrada, cantora e participante do "BBB 22", falou a Splash sobre o quanto a representatividade pode ser usada para excluir, em vez de incluir. Como travesti, ela teme que sua presença sirva para forjar espaços diversos, enquanto, na verdade, não há mulheres trans ou pessoas de outras minorias nos mesmos locais.
Linn é a segunda participante trans no Big Brother Brasil e já fez história. Ariadna Arantes, do BBB 11, foi a primeira eliminada em sua edição. Linn permanece na casa há sete semanas e aparece como uma das favoritas a vencer o programa em enquete do UOL.
A seguir, o depoimento de Linn da Quebrada, gravado em 27 de julho de 2021:
Representatividade
"Representatividade. O que é representatividade? Ela é complexa. Ocupar lugares onde a nossa imagem, a imagem que os nossos corpos ocupam dentro dos meios de comunicação, de cargos políticos, de revistas, passa de uma certa forma a mover ou a reiterar o imaginário social. E assim vai construindo as nossas subjetividades. A representatividade está muito ligada às figuras de pessoas públicas, mas eu acho que, de alguma forma, também, a representatividade tem ficado cada vez mais diluída.
Então, acho que representatividade, em algum lugar, significa essa ocupação de territórios e essa disputa por humanidade. Já vou aproveitar esse gancho para falar justamente dessas complexidades que eu enxergo na representatividade, desse novo imaginário, que tem sido construído justamente pelas fissuras que nós temos construído, pelas brechas que nós temos encontrado nesse sistema. E, assim, criando rachaduras nesse sistema para que a gente possa ocupar outros espaços.
A gente tem percebido com os movimentos identitários, racializados, que é importante que a gente esteja lá, porque nós também merecemos ser apresentados, ter as nossas vidas e as nossas narrativas, as nossas demandas, as nossas pautas apresentadas, porque, afinal de contas, isso que nós estamos vivendo e as nossas histórias também são vida e também merecem ser pautadas.
Só que eu acho curioso que a gente tem percebido que o capitalismo, esse movimento de apropriação extrativista, que é como o mercado age, ele também se apropria desses movimentos, e se apropria da representatividade, fazendo da representatividade mais um produto para ser vendido.
Mercado
Ele faz isso de forma unilateral e de uma forma a simplificar e a reduzir as coisas, que acaba reduzindo também esses movimentos. Então ela se torna uma representatividade una. Essa representatividade é a representação da representatividade. Eu tenho pensado muito nesse lugar. E para mim a representatividade tem sim bênçãos e maldições. E por isso eu tenho entendido que é um mercado que age pela inclusão a partir da exclusão.
Ele cria uma nova segregação e o espaço e o território permitido para sua revolta. Então, cria-se um pequeno reduto para uma música LGBT, para a música trans, para movimentos racializados. Então eles criam pequenos territórios dentro desse mercado, para que a gente fique reduzida nesse espaço e disputando umas com as outras. E mais uma vez, o que eu sinto que acontece com isso?
O controle dos nossos movimentos. A gente fica sendo observada, e é permitido que a gente fale das nossas questões e das nossas demandas a partir daquele pequeno espaço. E muitas vezes os nossos corpos servem de alegoria para essas instituições. Eles servem de alegorias para essas corporações que nos colocam como estandarte dessa diversidade ou dessa representatividade.
E quando a gente olha para a estrutura estruturante dessas instituições, a gente vê que tem só a gente. E se tem só eu representando essa tal representatividade. Isso é uma farsa.
Armadilhas
Como que eu, só eu, vou conseguir com meu corpo representar toda uma comunidade? As nossas vidas e as nossas narrativas são plurais, são múltiplas e são muito singulares. Por isso que é um movimento do mercado que ao mesmo tempo tenta nos esgotar e nos deixar sobrecarregadas. É preciso falar de uma representatividade que trabalhe e atue a partir da proporcionalidade.
Então, a gente tem de olhar para esses espaços que nós estamos inseridas e nos perguntar onde estão as outras pessoas pretas, trans, travestis, pessoas PCDs, pessoas realmente diversas, o que faz desse espaço realmente diverso? Ou será que eu estou ocupando um espaço como um token, e como distração, para que quem esteja vendo ache que aquela é uma empresa legal, que é aquela é uma instituição que realmente trabalha com a diversidade? Mas se a gente olhar no fundo, a gente serve apenas como uma cortina de fumaça que tenta distrair os olhos de quem está vendo.
Redes sociais
O que eu percebo um pouco é que esse movimento foge do controle em diversos meios. Que, por exemplo, a internet e as redes sociais nos dão essa ilusão mercantil de ser alguém perante o mercado porque daí todo mundo tem um perfil, todo mundo tem a sua foto curtida.
Todo mundo está trabalhando para essas redes de alguma forma, mas ao mesmo tempo, isso nos deu a possibilidade de produzir os nossos próprios conteúdos e as nossas próprias narrativas. E de alguma forma, eu sinto que nisso a gente consegue fugir um pouco dessa captura. É muito mais provável que a gente encontre alguém semelhante na sua diferença, né?
E por isso que eu sinto que, mesmo que sejam pequenos produtores de conteúdo, de alguma forma, isso traz uma eficácia interessante, porque a gente tem mais acesso, tem a possibilidade de produzir o próprio conteúdo, mas tem a possibilidade também de acessar informações que realmente possam ser relevantes para a gente e que possam se aproximar de uma ideia mais genuína de representatividade.
Produção
Foi isso que me impulsionou quando eu comecei a produzir música e me sentir menos sozinha, foi tentar perceber se existiam outras como eu. E muitas outras existiam e passaram a existir muitas outras, porque começa a haver esse campo de possibilidades. Por mais que o mercado tenta incorporar, a gente escapa. Por mais que ele tente pegar, a gente escapa e daí vira uma outra coisa.
E nisso o movimento está sendo criado e transformado a todo tempo, de algo que não pode ser contido, pelo menos eu acredito assim. Por isso que eu acredito nessas rotas de fuga.
Futuro
Olha, o futuro para mim, ele se dá a partir do tensionamento do presente. Eu tenho lido muito e tenho acompanhado as obras e os pensamentos da Jota Mombaça. Ela acabou de lançar o seu livro, que é o "Ñão Vão Nos Matar Agora", e tem um ponto de confluência entre o nosso trabalho, que eu acho muito lindo, que tem a ver com ficcionar a realidade e ficcionar as várias realidades. Quando a gente debate o nosso corpo contra a realidade de forma maliciosa, a ponto de criar algo que não seja mais essa realidade. Então algo entre a ficção e a realidade...
Eu tenho pensado na possibilidade dessa fricção porque eu acho que é importante que a gente imagine outras possibilidades de futuro, porque tudo o que existe hoje foi imaginado um dia. Esse projeto de Brasil que a gente vive, ele tem dado muito certo, que é um projeto genocida, é um projeto de extermínio às nossas populações, de empobrecimento das nossas comunidades.
E é um Brasil que tem dado muito certo. É um Brasil que tem funcionado e que tem sido articulado e projetado para que fosse assim. Então, o que eu me proponho, no futuro, é pensar e imaginar futuros. Mas quando eu imagino isso aqui é um presente. Eu sinto que esse futuro fica mais próximo".
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