Diretor de 'Cracolândia' sofreu ataque de seringa ao entrevistar usuária
Cineasta, roteirista e diretor de fotografia, Edu Felistoque estava passeando pelo centro de São Paulo em busca de artistas de rua para a série "Buscando Buskers" quando foi tomado por uma curiosidade de saber como estava a região da Cracolândia. Quando chegou aos arredores, o que viu parecia uma feira.
Sabe aquela coisa das frutas bonitinhas, as folhas verdes? Era isso, só que com dezenas e dezenas de barracas com drogas.
A partir desta curiosidade, que veio após muitos anos de promessas governamentais de acabar com a venda e o uso de drogas na região, Edu acabou gerando o documentário "Cracolândia", que tenta debater quais seriam as soluções possíveis e por que elas são tão difíceis de se alcançar.
"O filme mais pergunta do que responde, e é exatamente essa a ideia", conta em entrevista a Splash. "A gente tenta colocar todas as posições e opiniões, inclusive a opinião do próprio dependente químico. Cada um ali é uma pessoa, com seu problema individual, que tem que ser resolvido dessa forma. Não adianta uma única grande solução coletiva", opina.
Para ele, que andou pela região em busca de histórias a fim de entender a realidade de quem a frequenta, o debate é complexo. Na esfera pública, muitas vezes o drama individual é esquecido.
"Eu só conseguia ouvir as pessoas quando elas estavam sozinhas. Em grupo, era quase impossível. Elas ficam 'empoderadas' de uma ira, ficam agressivas."
É necessário pensar de uma forma coletiva mas, antes, conversar individualmente. É uma assistência social enorme, um problema de saúde pública. Não era para ser um problema de polícia e de segurança pública, então fica tudo confuso.
Edu Felistoque, diretor
No documentário, já disponível para aluguel nas plataformas digitais, uma série de entrevistas com autoridades e líderes de ONGs mostram os problemas e as maiores dificuldades que existem ao se lidar com a realidade da Cracolândia. Os papos são conduzidos pelo roteirista, Heni Ozi Cukier, cientista político e deputado estadual filiado ao Podemos.
Edu explica como chegou a Heni durante a execução do projeto.
"Tentei chegar lá por ONGs, tentei por órgãos públicos, e vi que estava tudo poluído. Então eu comecei a ir. A princípio, com equipamentos enormes, e não deu certo. Filmamos com câmera de cinema, mas existia uma violência e ficou perigoso. Foi quando eu peguei o celular mais velho que eu tinha e fui, com roupas um pouco mais simples para não chamar a atenção."
Os desafios vieram quando o projeto ficou mais extenso.
"Quando as coisas ficaram mais longas do que eu poderia pensar, uma amiga me indicou o Heni. Eu o entrevistei e vi que ele havia trabalhado na ONU e que também tinha um interesse muito grande na região. O que eu achei interessante foi que ele me sugeria falar com pessoas que eram contrárias ao que ele estava pensando. Achei do caramba."
Histórias da rua
Para colher material para o documentário, Edu passou dias rodando pela Cracolândia e viveu algumas histórias de que não se esquece.
Eu mesmo já sofri atentados lá dentro. Uma vez, estava falando com uma menina trans e, quando me distraí, ela colocou uma injeção nas minhas costas. Era um líquido esquisito, e eu saí com um negócio pendurado.
"Entrei no trem e fui até o Hospital Emílio Ribas para tomar o coquetel que profissionais da saúde tomam quando entram em contato com sangue", descreve. "E foi uma loucura, porque eu fiquei com isso na cabeça durante anos, precisando voltar para o hospital e fazer exames para saber se desenvolvi alguma coisa. É um fantasma."
"Ela estava sob efeito de drogas, e não sei o que ela viu ou o que ela pensou", segue. "Só sei que ela decidiu me apunhalar. O que eu quero dizer é que todos sofrem. Os policiais, os usuários, a população, criança que tem que ir para a escola. Mas, sem dúvidas, os usuários. E trata-se de uma bagunça tão grande que não existe controle de nada."
Questionado sobre as cenas que mais o chocaram durante a pesquisa, Edu considera difícil escolher uma só.
"Havia coisas que eu precisava mostrar mas não conseguia filmar, e são coisas que eu vou contar em um filme de ficção", relata.
"Agentes da polícia que encontraram parentes morando na Cracolândia, mães que iam recuperar os filhos e acabavam entrando no vício, e pessoas como jornalistas, atores e atrizes que tinham de tudo e acabaram indo parar lá. Cada história que vi era uma loucura diferente."
Críticas e posicionamento político
O diretor conta que busca ser imparcial no documentário, e tenta mostrar que existe uma disputa de narrativas, mas sem declarar apoio a uma ou a outra.
"Estou falando sobre as administrações de montes de gestores que falam que resolvem mas não resolvem nada. Lá fora, existe uma consciência de não capitalizar politicamente em cima disso", afirma, destacando as políticas públicas que países europeus utilizam para lidar com seus "parques de drogas a céu aberto."
Enquanto tivermos com essa energia cega de ambas as parte, não vamos resolver o nosso problema. Eu ouvi críticas de esquerda e críticas de direita sobre o documentário. O filme está matematicamente equilibrado, tentamos fazer um diálogo.
Edu Felistoque, diretor
"Mas existe a briga, pois amigos meus, outros realizadores, me acusam de enaltecer a direita", continua. "Porém, estou falando de um problema. No meu parecer, eu aprendi que o documentarista é neutro. Ele até pode estar ali dentro da história, a opinião dele pode estar ali, mas ele não vai forçar a narrativa.
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