Jovem miss após ter 'doença do silicone' e tirar próteses: 'Não foi fácil'
A cirurgiã-dentista Giovanna Coltro, de 24 anos, tinha apenas 18 quando decidiu colocar implantes de silicone, mas só completou a ideia mesmo três anos depois no último ano da faculdade. Com o passar do tempo, vieram complicações e a necessidade de um explante (retirada das próteses) após diagnóstico da chamada "doença do silicone" — que ainda não tem reconhecimento científico e médico por sociedades de medicina.
"Desde muito nova, eu nunca fui contente com o meu corpo, eu sempre tive muita vergonha, porque eu tinha perna muito grossa, eu tinha bumbum grande. [...] Eu não tinha nada de peito, sempre fui muito magra em cima. E sempre fui muito seca e isso mexia com a minha feminilidade", afirma Giovanna, que é a atual Miss Baixada Santista CNB e compartilhou no Instagram fotos exibindo suas cicatrizes da retirada das próteses, até então um sonho.
Se agora ela já se sente à vontade para compartilhar fotos com os seios de antes, nem sempre foi assim e ela sabe que ainda terá um longo caminho para se recuperar emocionalmente, mesmo com o êxtase oriundo quando passou pelas primeiras cirurgias e colocou 285 ml de silicone em cada seio.
[Quando eu fazia balé] Não me trocava na frente de ninguém no balé e morria de vergonha, nem com a minha mãe eu me trocava, sempre fui muito envergonhada, muito insatisfeita por conta de não ter peito Giovanna Coltro em entrevista a Splash
Tudo mudou quando ela passou por cirurgia em 2018: "Olhava pra mim, era o padrãozinho 'loira odonto'. Clássico loira odonto era eu. E eu sou dentista ainda pra ajudar, né? Só faltou HB20", diz sorrindo. "Mas brincadeiras à parte, foi só quando eu me encaixei nesse padrão que eu achei que eu estava sendo suficiente".
Quando o sonho virou pesadelo
Já iniciada na carreira de miss ainda na adolescência para elevar a autoestima, Giovanna entrou para os concursos adultos e chegou a competir com novo busto após as próteses. Mas foi apenas no final de 2020 que ela começou a se sentir realmente mal, principalmente com cansaço, a princípio sem saber o que era.
Quando passou por especialistas, a maioria deles pensou se tratar de algo psicológico, principalmente devido à pandemia. Os sintomas iam de cansaço e frio extremo, queimação nas costas e até tremores.
Após ver na internet sobre a "doença do silicone", ela foi atrás do profissional que fez sua cirurgia em 2018, mas a atenção não foi adequada. "Ele não deu bola, falou que podia acontecer, mas era raro, que podia acontecer mas não era comum. Deu de ombros", afirma a jovem.
"Acabei demorando mais para fazer a minha cirurgia porque eu precisei aceitar que eu realmente estava com essa doença. E não foi fácil o diagnóstico, porque não tem um exame específico para você descobrir a doença de silicone", explica a dentista, que apenas retirou as próteses após procurar o cirurgião que fez sua rinoplastia, passar com especialistas e descartar todas possibilidades, inclusive fibromialgia.
O que seria a 'doença do silicone'?
"A 'doença do silicone' é um termo com uma tradução livre do inglês do termo 'breast implant illness', utilizado pelo público leigo para se referir a um conjunto de sintomas sistêmicos e inespecíficos, na maioria das vezes autorreportados pelos próprios pacientes", explica a Splash o cirurgião-plástico Pedro Soler Coltro, doutor em Cirurgia Clínica e professor da FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) da USP (Universidade de São Paulo).
Ele conta que geralmente é um auto-diagnóstico que a paciente faz e dentre os sintomas citados há dores nas articulações, dores musculares, perda de cabelo, cansaço, fadiga, alteração de humor e depressão. "Tem uma infinidade de sintomas que as próprias pacientes relatam ser devido a colocação do implante de silicone. Porém a "doença do silicone" não é reconhecida pelas sociedades médicas".
Tanto a DFA (Agência de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos), a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e o órgão similar nos EUA não reconhecem como diagnóstico médico formal a "doença do silicone", pois "não há critérios diagnósticos e reconhecidos para sua definição", observa o especialista.
Uma das principais recomendações que nós cirurgiões-plásticos temos que ter com essas pacientes é respeitar os sintomas que essas pacientes apresentam, de forma séria e acolhedora e explicar que a luz da ciência, não existe uma relação direta, nem uma comprovação de que o silicone é o causador dos sintomas que ela diz apresentar Drº Pedro Coltro, cirurgião-plástico
Doutor Pedro fala da existência de um outro termo que pode causar confusão: a Síndrome ASIA, que pode ser traduzida do inglês como Síndrome Autoimune Induzida por Adjuvantes — todo material estranho ao corpo que o paciente tem contato, podendo ser uma prótese de silicone, ortopédica ou marca-passo, dentre outros.
"Ao contrário da 'doença do silicone', a Síndrome ASIA é uma doença reconhecida pela medicina que ainda é motivo de muitos estudos, também não temos nenhuma relação causal confirmada, mas nessa síndrome o implante de silicone funcionaria como fator desencadeador de alguns sintomas bem específicos de doenças autoimunes", pontua o médico, acrescentando que há tratamento após diagnóstico.
Uma nova vida
"Quando eu tirei o silicone foi bizarro, porque no dia seguinte a queimação que eu tinha nas costas sumiu. Com 15 dias sem, meu rosto já começou a desinchar, a bolsa embaixo dos olhos, meu nariz ficou mais fino. Sintomas de tremor pararam, [hoje] sinto frio como uma pessoa normal", confessa Giovanna, já que um dia chegou a sair de casa com até 6 camadas, mesmo sem estar muito frio.
"Depois que tirei, minha vida melhorou 500%", diz aliviada a miss, que somente decidiu retirar as próteses quando já estavam descartadas outras hipóteses e a da "doença do silicone" passou a ser considerada. Apesar disso, ela não foi diagnosticada oficialmente e a "doença do silicone" não aparece no seu relatório médico, de dezembro de 2021.
Quando tirou o silicone, Giovanna viu que o gel bleeding — vazamento de gel da prótese — era real, e ela não sabia da possibilidade disso ocorrer quando fez os implantes, o que deveria ter sido alertado: "Minhas próteses estavam mais murchas, ou seja, esse gel estava jogando metais pesados no meu corpo esse tempo todo e o corpo gera um processo inflamatório generalizado para tentar expulsar aquele corpo estranho".
Entretanto, tal condição não tem relação com o que seria a "doença do silicone". "Muitas pacientes relatam que a presença do gel bleeding causa a 'doença do silicone', mas isso é outra coisa que não existe relação nenhuma. São coisas autorreportadas pelas pacientes, não é uma constatação científica. [Mas] Existe muito esforço de toda comunidade médica de compreender melhor essa situação que ganhou muito destaque nos últimos anos", diz o professor da USP.
Concurso de Miss Brasil
Giovanna vai disputar pela segunda vez o Miss Brasil CNB, com edição de 2022 marcada para o início de agosto, em Brasília. Ela participou do concurso em 2019 com a faixa Miss Bem Viver Paulista e retornou agora pela Baixada Santista. O certame escolhe uma brasileira para o Miss Mundo, um dos mais tradicionais concursos de miss do planeta. A última vencedora foi a polonesa Karolina Bielawaska.
"Nesse momento que estou vivendo é a melhor franquia que eu posso participar. Mesmo com cabelo curto e sem peito, eles não fizeram objeção nenhuma", relata a miss, citando que o CNB possui o "Beleza pelo Bem", que incentiva candidatas a terem participação em projetos sociais e não exige prova de biquíni ou maiô como critério de seleção.
"Achei que nunca ia participar de concursos de novo. [E agora posso] Participar de um onde meu corpo não vai ser avaliado, onde eu posso estar de cabelo curto, onde não preciso de megahair igual na franquia Universo. Eles valorizam o ser, não o parecer", explica a dentista.
Posso ser uma miss de cabelo curto, sem peito, uma miss que está em lugar de evidência para poder falar com outras mulheres para se conscientizarem com a doença do silicone, essa busca inalcançável por um padrão inatingível no qual a gente fica doente. Vamos parar de ficar doentes, padrão não existe. Padrão é ser feliz do jeito que a gente é Giovanna Coltro
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