Digão nega ser bolsonarista, mas avisa que votará em Bolsonaro
Digão não tem papas na língua ou medo de ser cancelado novamente. O vocalista do Raimundos fala o que vem à cabeça, doa a quem doer, mesmo que isso gere polêmica ou "perseguição on-line", como ele mesmo classifica.
Diferente de uma boa parte da classe artística, o músico de 51 anos vai na contramão ao pensamento de seus colegas que defendem posicionamentos políticos mais alinhados à esquerda e não parece pensar duas vezes ao chamá-los de "hipócritas".
Eu sou um pouco polêmico, mas as pessoas não me compreendem muito
"Em 2020, as pessoas me cancelaram porque eu falei mal do comunismo. Mas uma coisa é clara, o nome só mudou, porque isso, na verdade, é censura. O Instagram te censura, as próprias pessoas perseguem as outras. Eu senti na pele, mesmo que um pouquinho, como os judeus se sentiam sendo perseguidos."
Já faz um bom tempo que os posicionamentos de Digão em suas redes causam grandes repercussões e até mesmo desentendimentos com outros artistas, como aconteceu com Pe Lu e Tico Santa Cruz. No entanto, para o músico, isso é apenas consequência de se manter coerente com o que sempre pregou: "Eu sou uma pessoa que não sigo uma cartilha. O Raimundos nunca seguiu rótulo, tendência ou modismo. A gente nunca deixou de ser a gente."
Contraponto na Política
Assuntos políticos são um dos que mais contam com polêmicas envolvendo Digão. Ele diz não se identificar com nenhuma ideologia, por mais que não meça esforços para se colocar sempre contra a esquerda.
"Eu não sou bolsonarista, não sou de esquerda, não sou porra nenhuma. Eu sou Digão, roqueiro, sou pai de família e eu sei o que eu não quero para o meu país. Mas o que eu quero infelizmente não existe. Para mim, não existe vitória para o povo na política."
Mesmo dizendo não ser apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL), o vocalista do Raimundos não se coloca contra as atitudes do atual governo, pois seus posicionamentos seguem sempre contrários aos representantes da esquerda, menos quando o assunto é legalização da maconha, algo que ele se diz "totalmente a favor", mesmo confessando que não fuma há 18 anos.
Concordar com uma pauta mais progressista não o faz poupar ataques ao ex-presidente Lula (PT). "Eu sempre desconfiei dele", explica. "Essa minha bronca com a esquerda, com o Lula, vem desde os anos 1980".
Digão se enxerga como um "contraponto" a todos os que apoiam o pré-candidato à presidência nas eleições de 2022. "Tico [Santa Cruz], João Gordo, são eles que defendem essa cartilha que rock é de esquerda. O João Gordo declarou que vai votar no Lula mesmo e foda-se. Eles não têm envergadura moral para falar de mim, até porque se eles querem xingar o Bolsonaro, o problema deles e do Bolsonaro. Não é meu. Eu não estou nem aí para eles."
A galera da esquerda é sem moral para falar de mim.
"Eu nunca ataquei o povo ou as pessoas que querem ser de esquerda, mas as pessoas sempre me atacaram. Eu sempre ataquei o Lula político, mas nunca ataquei quem acredita nele."
E em outubro?
As eleições para escolher o novo presidente acontecerão em outubro deste ano e, mesmo acreditando que não há saída para a política no Brasil, Digão diz que fará a sua "parte como cidadão".
"Eu vou lá e vou votar em quem eu acho menos pior. Se o Bolsonaro é o único que tem, então, vou ter que votar nele."
Liberdade ao Rock
Digão diz que o seu cancelamento deriva de opiniões que os fãs têm sobre música, das quais ele discorda, como a ideia de que roqueiros devem defender ideias alinhadas a políticas de esquerda.
O rock não é de esquerda, o rock é livre.
"As pessoas acabam limitando quando tacham dessa maneira, e elas começam a me perseguir porque eu não faço a cartilha. Acho clichê", diz.
Ao serem "cancelados" na internet, muitos artistas se preocupam com a possibilidade de perder seguidores e fãs. Mas este não é o caso do músico, que revela estar trabalhando bastante. "Se o mês tivesse oito finais de semana, estava bom para mim, para conseguir atender a minha demanda."
Segundo conta, suas opiniões não influenciaram na rotina de shows da banda ou das apresentações solo que faz. "É muita falação e pouca ação. A galera que não gosta de mim é mais histérica, consegue fazer mais barulho. Os shows estão bons, estão lotados, as coisas estão acontecendo."
Eu não tenho medo de ser questionado, de falarem mal de mim. Quanto mais falam de mim, mais me divulgam. Eu aprendi isso, na primeira vez que eu fui cancelado. Me deu um pouco de medo e tal, mas hoje eu estou cagando para essa galera.
"Me Lambe"
Não apenas de política vivem as polêmicas de Digão: algumas também acabam envolvendo o repertório de músicas dos Raimundos, como o caso de "Me Lambe", música lançada em 1999 e que fala de um homem tentando se relacionar com uma menina de 17 anos. O assunto já foi até mesmo comentado pelo baixista da banda, Canisso, que usou o Twitter para expressar seu descontentamento com a canção.
"Algumas são besteiras inofensivas, todo mundo sabe e 'perdoa'. O caso de 'Me lambe' é diferente, apesar de ser zoeira, ela toca num ponto bastante complicado, pessoas se ofendem, não traz nada de bom? O Mundo mudou, eu mudei também. Foda-se essa música", escreveu em 2020.
O quê o que que essa criança tá fazendo aí toda mocinha?
Vê, já sabe rebolar, e hoje em dia quem não sabe
Se ela der mole eu juro que eu não faço nada
Dá cadeia e é contra o costume
- Letra de "Me Lambe"
Digão não concorda com o colega de banda. "É essa música que fala de uma menina de 17 anos e um cara de sei lá, 19, 20 no máximo. Eu não estou falando de uma menina de 13 e um cara de 40 anos, sabe? Estou falando de uma menina de 17 que vai fazer aniversário no mês que vem e eu, cara de 19, 20 anos, não estou falando de um velho babão", explica Digão.
Por outro lado, o vocalista do Raimundos confessa que há uma música que ele acredita "pegar pesado": "Bicharada". "Essa música é homofóbica", explica ao justificar o receio de cantar a canção. "É a única que eu deixaria de tocar. [...] É uma zoeira, mas é a única música que realmente me incomoda, o resto não tem nada a ver. Até porque o Ministério Público nunca veio me encher o saco porque sabe que eu estou dentro das quatro linhas da constituição das leis. Não estou fazendo nada de errado."
Digão defende as músicas do Raimundos comparando com letras de funk, por exemplo. "Quem é a novinha? Novinha, porra você vai ver aí cara essas menininhas de 12, 13 anos que foi no baile funk e ficou gravida. É muito pior, e ninguém está aí. Todo mundo curte, todo mundo dança, todo mundo se diverte."
Rodolfo
Entre tantas polêmicas envolvendo Digão, há uma que já foi superada: a relação com o ex-vocalista da banda, o Rodolfo Abrantes, que deixou o Raimundos em 2001, ao se converter ao cristianismo.
À época, os dois amigos brigaram e deixaram de se falar, mas agora tudo mudou e a relação dos dois é "sadia e leve". "Rodolfo tem uma outra vida hoje, o negócio dele. Que eu respeito muito, que eu aprendi a respeitar até porque eu também tive o meu encontro com Deus, do meu jeito. Eu sou católico ele é evangélico, mas eu tenho muito respeito."
Segundo conta, foi preciso superar o orgulho para tentar salvar a amizade que nasceu há mais de 30 anos, quando Digão enganou a empregada da casa de Rodolfo, em Brasília (DF), e começou a tocar a bateria do então vizinho sem a permissão ou conhecimento dele.
"Ele já tinha tentado falar comigo, mas eu não estava pronto nas outras vezes. Até que estava pronto, liguei para ele e aí eu passei a limpo tudo. Eu falei: 'Velho, se algum dia, desde o dia que eu te conheci, o dia lá que eu toquei na sua bateria sem a sua permissão e você ficou chateado comigo, eu estou te pedindo perdão agora, me desculpa'. E é isso, eu consegui perdoar tudo."
O atual vocalista do Raimundos acredita que não estava preparado para a separação abrupta que aconteceu em 2001. "Se o Rodolfo morresse, ia foder do meu jeito", pondera. "Ele não aguentava mais, ele estava em uma situação difícil e hoje eu entendo isso. A gente não pode estar escorada numa pessoa. Por mais que seja uma banda, tenha um contrato, mas você precisa estar pronto para qualquer coisa e foi uma grande lição que Rodolfo me ensinou. E hoje eu sou um cara muito comedido, muito pronto para qualquer situação."
Com a saída de Rodolfo, Digão se viu obrigado a assumir o vocal da banda, algo que o assustava no começo, mas foi mudando com o tempo. "Hoje em dia é raro você encontrar uma 'viúva do Rodolfo'", brincou.
Manter a chama
Para o músico, o Raimundos pode até ter passado por diferentes momentos, mas sempre manteve a essência do rock and roll viva em suas músicas e apresentações. Viver tocando é o que faz feliz e querer seguir a carreira. A banda está confirmada como uma das atrações do Warren Stannis Festival, que acontece nos dias 18 e 19 de junho, em Guaramirim, Santa Catarina.
"Eu continuo porque eu amo, porque eu gosto, e acho que o Raimundos tem que está aí para manter a chama do rock e para entender que tem que fazer rock de verdade. O rock and roll tem que se esforçar, fazer uma coisa diferente, que faça o público pular, ficar louco. É isso."
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