'Nosso Sonho': filme sobre Claudinho e Buchecha será 'convite à alegria'
"Nossa história vai virar cinema, e a gente vai passar em Hollywood": e aí, conseguiu cantar junto?
O trecho faz parte da canção "Coisa de Cinema", antigo sucesso na voz de Claudinho e Buchecha. Em 1999, ano de lançamento da música, os cantores eram um fenômeno nas rádios, programas de televisão e boates mundo a fora. Porém, mesmo com tanto sucesso, eles jamais imaginariam que, de fato, sua trajetória um dia chegaria às telonas.
Agora, mais de duas décadas após o lançamento desses versos, a "profecia" está prestes a se cumprir: "Nosso Sonho", cinebiografia dos precursores do funk melody carioca, está sendo rodada no Rio de Janeiro, e a Ingresso.com acompanhou uma diária das filmagens.
Na tarde da última terça-feira (7), o diretor Eduardo Albergaria nos contou que vai trazer a emocionante história da dupla para os cinemas, com a ajuda do próprio Buchecha, que colaborou intensamente com o argumento do roteiro, desenvolvido por Fernando Velasco.
Perguntamos a Eduardo o que o motivou a contar a história da dupla, e ele explicou não se tratar de "uma resposta simples":
"Começou com um desejo conceitual de falar sobre o Brasil. É um filme sobre o funk, sobre a periferia, e é um filme que, de alguma maneira, dá luz ou se contrapõe aos estigmas", inicia Albergaria. "Desde 2013, 2014, a gente vem buscando histórias que, de alguma maneira, possam iluminar um pouco o que a gente entende de Brasil. E a primeira questão parte de uma curiosidade: que país é esse? Onde a gente existe?", explica Eduardo. Para o cineasta, essa história real é uma oportunidade de investigar narrativas capazes de trazer alguma lição.
Criados em São Gonçalo, mais especificamente na favela do Salgueiro, Claudinho e Buchecha nasceram e cresceram na Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro. Para o diretor, a origem dos cantores e suas composições, sempre alegres, criam uma oportunidade de apresentar a periferia brasileira sob uma nova ótica cinematográfica:
"Eu entendi que o cinema brasileiro já olhou para a periferia de diversas maneiras. A gente tem 'Cidade de Deus' e outros 'favela movies', e entendi que já era o momento de contar histórias que não histórias violentas, sabe? Começou um pouco daí. Eu sentia que o cinema brasileiro podia chegar na subjetividade da periferia. E aí pensamos na arte como mola propulsora de cidadania, de autoestima. Pensamos no funk e, para chegarmos no Claudinho e Buchecha, foi um pulo".
Em 2002, o Brasil acompanhou parte de um dos mais dolorosos capítulos dessa história: voltando de um show no interior de São Paulo, Claudinho e o então secretário da dupla se envolveram num grave acidente de automóvel. Ivan Manziele conduzia o veículo e sofreu ferimentos leves, mas o cantor, infelizmente, não resistiu e morreu no local.
O falecimento precoce de Claudinho, no auge do sucesso, será retratado no longa. No entanto, Eduardo garante que o roteiro não está limitado ao sucesso ou à trágica "catarse coletiva" que o país vivenciou - e que um único encontro com Buchecha definiu os rumos do projeto:
"Eu não quero ficar na superfície dessa história", conta, relembrando sua conversa com o cantor antes de colocar a ideia no papel. "'Eu sei que as pessoas têm um filme na cabeça, mas eu queria que você me contasse, a história é sua, você é um dos personagens'. E foi aí que aconteceu; aí que o filme se materializou. E o que eu posso dizer pra você é que não é a história que você conhece. Ela é ainda muito mais potente do que a história que todo mundo conhece", adianta Eduardo.
A difícil missão de interpretar os cantores fica a cargo de Lucas Penteado e Juan Paiva. A dupla, que trabalhou junta em "Malhação - Viva a Diferença", demonstrou um grande entrosamento no set, e a química entre os dois será, com toda certeza, refletida nas telonas.
Lucas, que após sua participação no reality show "Big Brother Brasil" pôde impactar mais pessoas com o seu talento e simpatia, dá vida a Claudinho. Durante a entrevista, brincou utilizando a voz e os trejeitos do personagem, o qual está imensamente honrado em interpretar:
"É um verdadeiro sonho. Nunca imaginei que eu poderia ter a oportunidade de fazer um produto tão importante para a história e trajetória da periferia na arte. Está sendo mágico", declara.
Quando Lucas nasceu, em 1996, Claudinho e Buchecha lançavam seu álbum de estreia. O funk mudou e se desenvolveu como ritmo e expressão cultural desde então, e o ator revela ter uma história bastante alinhada com a do movimento e com a de sua relevância social:
"O funk pra mim é vida, literalmente. Eu entendo o funk, desde criança, como uma das únicas artes musicais com as quais eu me identificava, até me identificar com o samba", explica Lucas, relembrando que sua família é uma das fundadoras da escola de samba paulista Vai-Vai.
"O funk era um dos únicos lugares onde a gente podia realmente se expressar, onde essa liberdade era realmente respeitada, e foi aonde a gente ganhou mais visibilidade falando sobre as questões da periferia. Claudinho e Buchecha são os pioneiros, um dos primeiros a trazer, a reclamar essa oportunidade, a dar visibilidade às questões periféricas. Só de colocar o nome das comunidades, falar delas nas suas músicas, as tira de um exílio, de um desconhecimento total por parte da população. E quando a gente fica sabendo que esses lugares existem, as pessoas que moram ali passam a existir também", conclui Lucas. Como artista ativista, ele declara que se sente totalmente representado pelo personagem.
Buchecha será vivido por Juan Paiva que, assim como Lucas, também trilha uma carreira musical. Penteado já lançou alguns funks e raps, os quais cantou e compôs; já Juan, além de atuar como produtor musical, participou do programa The Masked Singer, na TV Globo, impressionando os jurados cantando sucessos de Pitty, Seu Jorge e muito outros.
Juan declara que estudou muito o jeito e a personalidade de Buchecha, com quem tem o privilégio de conviver enquanto o analisa: "Se eu ficar muito tempo te encarando, não se liga, não, negão!", brinca o ator, revelando um momento de descontração entre ele e seu personagem na vida real.
Juan também contou sobre o dia a dia no set, e o que os fãs da dupla podem esperar da história:
"O filme vai ter muitos altos e baixos. Tem muitos momentos de alegria, de tristeza, e a gente vem trabalhando muito nesse equilíbrio. Hoje a gente está filmando a cena do casamento do Buchecha, uma festa, muita alegria, e amanhã a gente já vai estar numa cena mais pesada. Eu até comentei com o Edu [diretor] e com o Léo [Leonardo Edde, produtor], que as cenas mais complexas, assim, emocionalmente, a gente já tá acabando de gravar, pra no finalzinho a gente terminar alegre", revela Juan, sabendo que as gravações serão concluídas nas próximas semanas.
Os talentos musicais de Juan e Lucas ajudaram os dois a encarar um outro desafio nos bastidores: ambos gravaram diversas músicas da dupla, em versões exclusivas para o longa. Pudemos ouvir uma delas durante as filmagens e garantimos: a semelhança com as vozes de Claudinho e Buchecha vai surpreender e emocionar os fãs.
Buchecha, parte essencial dessa história, também esteve presente no set, e demonstrou uma enorme alegria em pode acompanhar as gravações. Além de ser uma das principais fontes e referências do projeto, o cantor atua como coprodutor musical do longa.
Para ele, a trajetória da dupla é, de fato, cheia de profecias: "E que são retratadas, muitas das vezes, nas músicas". O cantor cita um trecho de "Fico Assim Sem Você", lançada em 2002, pouco antes do acidente do parceiro e amigo: "'Amor sem beijinho, Buchecha sem Claudinho'. Dois meses depois, infelizmente, o 'Buchecha sem Claudinho' aconteceu", lamenta.
"Mas a 'Coisa de Cinema' agora vai acontecer, né? Graças a Deus. E aí, são mini profecias. Essa coisa do 'Nosso Sonho Não Vai Terminar' [título do último álbum da dupla], e agora a gente tá vendo o nosso sonho aí, novamente. É o sonho não só da dupla, mas dos familiares e também dos fãs, que vão poder rever ou conhecer esse momento nas telonas".
Com carinho e saudosismo, o cantor relembra uma das intenções da dupla: a de levar alegria através da música. Ele ressaltou como esse sentimento está alinhado com o tom adotado pelo diretor em "Nosso Sonho":
"A arte te permite licença poética. E o que eu o Claudinho sempre priorizamos é que mesmo a gente sofresse preconceito, racismo e outros diversos problemas sociais, a gente entende que a música sobrepuja tudo isso, não é? A gente ouve Cartola, que passou tudo que a gente já passou e muito mais, porque ele viveu a Ditadura Militar e, no entanto, as músicas dele falam de amor. E falam de uma forma que alcança a nossa alma de uma tal maneira, que eu pensei: 'Cara, é isso que eu quero'.", revela o cantor.
"Então, a gente sempre teve esse cuidado, pensando em mostrar alegria, de cantar o amor, de mostrar que na comunidade 99,9% das faveladas e favelados são gente do bem. Gente que acorda cedo pra trabalhar e que, mesmo tendo dificuldades, faz do limão uma limonada e encontra um momento do dia pra sorrir. Esse é o retrato do verdadeiro Brasil, é o povo da comunidade. Então por que a gente só vai retratar as coisas ruins? Vamos falar também das coisas boas. E foi isso que eu e o Claudinho sempre priorizamos, e acho que o filme tem um pouco dessa missão, sabe?", explica.
Apesar de não ter participado das seletivas para o elenco, Buchecha está mais do que satisfeito com o desempenho dos protagonistas. Para ele, Juan acaba saindo na frente por ser um "carioca 'pra frentex'", tendo familiaridade com as gírias do Rio de Janeiro e o sotaque; já o paulista Lucas precisou trabalhar melhor a dicção. Ainda assim, segundo ele, os dois foram as escolhas perfeitas para os papéis:
"Ambos estão maravilhosos e, se eu pudesse dar uma nota de zero a dez, eu daria nota mil para os dois. Eu acho que eles vão mandar muito bem e a galera vai conseguir identificar a dupla ali, com certeza", conclui o cantor.
O elenco de "Nosso Sonho" ainda é formado por grandes nomes do cinema nacional, como Antônio Pitanga, Isabela Garcia e Nando Cunha, que interpreta Souza, pai de Buchecha. Lellê Landim, Clara Moneke e Tatiana Tiburcio também atuam como Rosana, Vanessa e Dona Etelma, a mãe de Buchecha, respectivamente.
A produção fica a cargo da Urca Filmes, com distribuição da Manequim Filmes. O longa tem previsão de estreia para 2023, ainda sem data definida para chegar aos cinemas.
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