'Pedia para ser consertado', diz Marcos Pigossi sobre assumir ser gay
No ano passado, Marco Pigossi, de 33 anos, anunciou publicamente ser gay. Desde então, o ator se livrou do estereótipo de persona hétero que foi imposto a ele. No entanto, o artista contou que o processo ao se descobrir gay foi cercado de solidão e sofrimento.
O ator afirmou que na escola e em casa se escondia. Com seus pais, por exemplo, Pigossi disse que nunca teve abertura para conversar sobre o assunto. Por isso, a solidão o acompanhou durante esse tempo.
"Eu rezava, pedia a Deus para me consertar. A homofobia é tão enraizada que, por mais que a gente assuma, ainda vai lidar com o preconceito interno. Vesti a máscara heterossexual, sempre fui observado pela beleza. Fiz esse personagem hétero para me esconder, o que deixou minha vida mais confortável. E sou branco, privilegiado, classe média, filho de médicos. Imagina quem está na favela, é negro...", disse ele ao jornal O Globo.
Na escola, ele não descia para ir ao recreio e até dispensou uma viagem de formatura. O ator confessou que a salvação veio através do teatro. "Conheci corpos gays ali. Era um alívio deixar de ser eu. O que era uma fuga, mas carregada de carga cultural, do despertar como pessoa", afirmou.
De acordo com o ator, o fundamental é fazer as pazes com você mesmo para conseguir se aceitar e viver uma vida de forma natural.
"A pessoa que se aceita e está feliz com o que é conhece uma força enorme. Se sente com poder para ocupar espaços. E o encontro com a comunidade é uma corrente bonita, a gente se sente fortalecido, cria um senso comunitário. Porque, no fundo, o que a gente mais quer é pertencer. Como homossexual, sentia que não pertencia a nenhum grupo. Todos esses corpos passam por isso. E quando passam a pertencer... É do caralho!", avaliou.
Além disso, outro ponto ideal é se livrar do fingimento. O ator lembra que exagerava no aperto de mão viril. "Me desenvolvi tentando manter um corpo masculinizado. E acho que isso veio do trauma de não poder me assumir, foi uma maneira de me proteger. Mas, hoje, aquela sombra de 'não desliza' desapareceu", contou Pigossi.
Em um relacionamento com o cineasta italiano Marco Calvani, o ator contou como foi apresentá-lo à família. "Com meu pai, é sempre tenso, não há naturalidade. É distante do universo dele, que é eleitor do Bolsonaro. Não que ele ache que ser gay é falta de porrada, mas se vota num candidato desse... Existe um ideal político que distância a gente. Ele nunca vai me pegar pelo braço e se unir nessa causa. Diferentemente do amor incondicional da minha mãe", disse.
A parceria com Calvani também ocorre nos trabalhos. Em setembro, eles vão rodar o filme "Best Place in The World", segunda parceria do casal, sobre um jovem brasileiro que deixa a família evangélica rumo a Provincetown, famoso reduto LGBTQIA+ em Cape Cod, nos Estados Unidos. Ali, o rapaz se sentirá livre para viver plenamente sua sexualidade. O título do filme tem inspiração na música de Gilberto Gil.
[Personagem] virou brasileiro quando entrei no projeto. O Marco acompanhou meu processo de sair do armário e transformar isso numa questão política para abrir caminhos para jovens. Tenho necessidade de me expressar sobre o meu processo, sobre o que causou em mim, sobre o que pode causar nas pessoas. É uma maneira de eu me curar.
No primeiro trabalho juntos, o curta "A better half", exibido mês passado no Provincetown International Film Festival, se baseia no reencontro de um homem de meia-idade com o responsável por tornar sua vida conturbada. O filme é inspirado no abuso que o próprio Calvani sofreu na infância e o ajudou a trabalhar o trauma.
No início deste ano, o ator trouxe o namorado ao Brasil. Pigossi veio para gravar a segunda temporada da série "Cidade Invisível".
"Ele ficou existindo no meu ambiente de trabalho com uma naturalidade que me fez tão bem... A vida inteira meu trabalho e minha vida pessoal eram separados, tinha medo de que descobrissem... Pela primeira vez, esses mundos existiram juntos, e foi emocionante", afirmou.
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