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OPINIÃO

Obrigada, Anitta, por falar sobre endometriose e normalizar a condição

Anitta aparece em hospital e tranquiliza seus fãs - Instagram
Anitta aparece em hospital e tranquiliza seus fãs Imagem: Instagram

De Splash, em São Paulo

27/07/2022 04h00

Eu nunca achei que teria algo em comum com a Anitta. Não me leve a mal, queria muito ter. Mas infelizmente meus braços não têm força para sustentar o passo de "Envolver", só sei cantar na privacidade do karaokê e mal consigo gerenciar a minha própria vida financeira - que dirá uma carreira internacional.

No início deste mês, no entanto, descobri que nossos últimos anos foram mais semelhantes do que eu poderia imaginar quando li a publicação da cantora dizendo que também tem endometriose.

Ela contou que, depois de nove anos com dor, recebeu o diagnóstico da doença caracterizada pelo crescimento de células do endométrio, tecido que reveste o útero, em locais que não são o útero.

E nossas semelhanças não param por aí. Por obra do acaso, ambas fizemos a cirurgia para tratar a condição no mesmo dia, o que significa que enquanto eu sofria com o preparo nada simples para o procedimento, podia me agarrar ao pensamento de que pelo menos a Girl From Rio estava passando pelo mesmo.

No pós-operatório, me peguei fuçando as redes sociais da cantora e relendo tudo o que ela havia falado sobre o diagnóstico. Percebi que não era só pela coincidência das datas que Anitta me trazia conforto: também me consolou notar que, em menos de um mês, ela já conseguiu mudar a vida de quem sofre com a doença no Brasil.

Eu descobri que faço parte dessa estatística em 2016, depois de sete anos (ou 84 ciclos menstruais) sentindo cólicas que já me levaram ao hospital e me fizeram vomitar de dor. E ainda sou obrigada a me considerar sortuda: fui exceção ao receber o diagnóstico antes que os focos de endometriose se infiltrassem em órgãos como a bexiga, como foi o caso de Anitta.

Há seis anos, quando eu falava sobre o meu novo diagnóstico, era raro alguém saber o que era a doença. Quando sabiam, logo citavam alguém conhecido que descobriu a condição ao investigar uma dificuldade para engravidar.

Logo vinham os olhares de pena e os questionamentos invasivos sobre a minha fertilidade. Eu, que na época tinha 19 anos e não queria saber de filhos nem hipotéticos, ficava confusa: será que a minha dor não é motivo suficiente para as pessoas se preocuparem?

As coisas foram melhorando lentamente nos últimos anos, graças a campanhas de conscientização e aos esforços de quem vive com a doença. Mas nada se compara ao que eu vivi no último mês.

Quando alguém do tamanho de Anitta fala sobre algo, o assunto reverbera por semanas nas redes sociais e nos noticiários. Acontece com os temas mais variados: desde a treta com Melody até a campanha de Lula à presidência. Ela, como a empresária que é, sabe disso melhor do que ninguém, e calcula bem o que vai divulgar.

Eu sei bem que, quando se fala sobre uma questão pessoal assim, é quase um convite aberto para que as pessoas especulem e opinem sobre sua vida. E, é claro, sugiram todas as curas milagrosas. Uma vez, após ouvir que eu não conseguia encontrar um analgésico que fizesse passar a minha dor, uma conhecida me perguntou na melhor das intenções se eu já tinha tentado comer pipoca para melhorar a cólica (para ser sincera, não tinha; depois, numa crise particularmente ruim, tentei e não funcionou).

Anitta já disse que passou por algo semelhante: quando reclamou sobre suas dores após a relação sexual, passou a ler que o problema se devia à falta de higiene íntima, de preservativo e de água. E questionou: "Esses senhores me examinaram e eu não tô sabendo?"

Mesmo depois dessa experiência ruim, ela decidiu postar sobre a endometriose quando recebeu o diagnóstico. E acho que sei o porquê: é pela esperança de que alguém vai ouvir o seu relato e ser poupado de passar pelo mesmo que você.

Anitta sabe que esse tema entrar na rotação mensal de assuntos é uma chance de ouro que pode tirar anos do caminho até o diagnóstico de alguém, e poupar uma montanha de pessoas de uma montanha de sofrimento. E o efeito foi imediato.

Desde que Anitta falou sobre endometriose pela primeira vez, não tive uma única conversa em que precisei explicar do que se trata. Todas as pessoas com quem eu conversei sobre o assunto disseram ter visto uma matéria ou entrevista recentemente, e ninguém me fez perguntas invasivas sobre filhos hipotéticos!

Pela primeira vez, a maioria das pessoas com quem conversei estava interessada em saber sobre a dor, que sempre foi o sintoma que mais me incomodou, e se mostrou indignada com a demora no diagnóstico.

Repórter de Splash, Luiza Missi operou da endometriose no mesmo dia que Anitta - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Repórter de Splash, Luiza Missi operou da endometriose no mesmo dia que Anitta
Imagem: Arquivo Pessoal

Em média, são sete anos entre o início dos sintomas e a identificação da endometriose, mas já conversei com pessoas que só foram diagnosticadas após mais de 20 anos se queixando da dor.

Isso acontece porque é impossível transmitir em palavras exatamente o que você está sentindo, e às vezes a consulta com o médico mais parece um cabo de guerra: você tenta convencê-lo de que a dor é séria, enquanto ele afirma que poderia ser pior.

Agora, graças a Anitta, isso pode mudar.

Eu sei, eu sei: posso estar sendo otimista demais, e logo outro assunto vai dominar a roleta do Twitter da cantora. Mas quando ela diz que "não é normal a gente viver com essa dor assim pra sempre", eu só consigo pensar em todo mundo que vai ler e decidir procurar uma segunda, terceira ou quarta opinião quando ouve que sua dor não tem nada de anormal.

Quando Anitta fala sobre como tem sido essencial ter uma rede de apoio com pessoas como seu namorado e GKay, espero que quem leia entenda a importância de levar a sério as dores de quem está ao seu redor.

Anitta já mostrou que seu pós-operatório não está nada fácil. Assim como a cantora me confortou na minha recuperação, espero que ela encontre alívio no fato de ter colaborado para que, no futuro, mais ninguém precise passar anos acreditando que é mais frágil do que a média das pessoas porque não consegue aguentar uma dor "normal".