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'Os rebeldes éramos nós': como George Lucas criou a maior saga do cinema

"Light & Magic": documentário do Disney+ mostra a evolução dos efeitos visuais a partir da saga Star Wars - Lucasfilm/Divulgação
'Light & Magic': documentário do Disney+ mostra a evolução dos efeitos visuais a partir da saga Star Wars Imagem: Lucasfilm/Divulgação

De Splash, em São Paulo

27/07/2022 04h00

Era 1977 quando o primeiro episódio de "Star Wars" ganhou o mundo, mas sua história começou bem antes. Foi no ano de 1971 que George Lucas fundou a produtora Lucasfilm, e em 1975 veio a divisão que se tornaria responsável por alguns dos efeitos visuais mais icônicos do cinema: a Industrial Light & Magic.

A trajetória longa até o primeiro filme na "galáxia muito, muito distante" — posteriormente intitulado "Star Wars: Episódio IV - Uma Nova Esperança" — se tornar realidade já deixa o indício: não foi um caminho fácil.

"O estúdio não estava feliz com George Lucas e o orçamento. O estúdio chegou a cancelar a produção de Star Wars no início do projeto, e George Lucas tirou dinheiro do próprio bolso para manter a ILM [Industrial Light & Magic] funcionando."

O estúdio em questão era a 20th Century Fox, e quem conta a história é Patricia Rose Duignan, produtora de efeitos visuais na ativa no universo de George Lucas desde o primeiro filme da saga espacial. Ela é uma das envolvidas no documentário "Light & Magic", que traz uma aventura nos bastidores da produção de efeitos visuais que se tornou primordial para o cinema moderno. A série em seis episódios estreia hoje no Disney+.

"O estúdio odiava, eles não entendiam. Eles não entendiam 'Loucuras de Verão', não gostavam. George vinha de um lugar diferente e entendia que, quanto menos dinheiro você gasta, mais dinheiro você faz", continua.

Em Star Wars, eles queriam gastar, e cortaram o orçamento mais tarde. George sentiu que tinha apenas 25% do que ele precisava, para o live-action e para os efeitos

"Era uma batalha constante, e George acabou financiando seus próprios filmes. Acho que o estúdio financiou 'O Império Contra-Ataca', mas em 'O Retorno de Jedi', ele estava financiando as próprias obras. George deixou o Sindicato dos Diretores e o dos roteiristas. Não era um casamento feliz", recorda.

Propriedade da Walt Disney Company desde a compra da Lucasfilm em 2012, a Industrial Light & Magic está por trás dos efeitos visuais de muitas franquias de sucesso além de "Star Wars". De "Indiana Jones" a "Harry Potter" e os filmes do Universo Cinematográfico Marvel, a ILM acumula mais de 40 indicações ao Oscar e 16 vitórias em melhores efeitos visuais.

A ILM foi fundada porque George Lucas queria efeitos especiais nunca antes vistos para "Uma Nova Esperança". Ao descobrir que o departamento interno de efeitos visuais da 20th Century Fox estava fechado, ele foi atrás de outras soluções.

Foi desta forma que Lucas chegou até o jovem assistente John Dykstra, recomendação de Douglas Trumbull, conhecido por trabalhar em "2001: Uma Odisseia no Espaço" (1968). Dykstra reuniu um grupo de estudantes, artistas e jovens engenheiros para trabalharem em um armazém em Van Nuys, na California. E este foi o início da Industrial Light & Magic.

Hoje, quem está acostumado a ver grandes blockbusters cheios de explosões, criaturas místicas e trajes voadores talvez nem imagine o quanto os processos para criar os efeitos são trabalhosos e custosos. A manipulação de imagens e objetos que não existem na realidade frequentemente envolve a integração entre live-action e imagens geradas por computação gráfica (o famoso CGI).

E, para os filmes chegarem ao estágio de excelência em que existem hoje, houve um processo lento.

"Os efeitos visuais nos ajudam a contar as histórias de uma forma melhor", explica Ron Howard. "Quando os atores estão mais conectados, isso é bom. Não é sobre eficiência, e nem mesmo sobre criar novos mundos ou novos universos. É sobre criar algo imaginativo com que atores e personagens podem se conectar, e isso cria um nível de honestidade. Ajuda a criar a ilusão de uma forma mais vívida para a audiência."

Mas isso não quer dizer que, quando a ILM foi fundada, o grupo de jovens engenheiros e artistas que originaram a empresa sabia bem disso.

"Éramos todos superjovens, isso foi há 47 anos", comentou Rose. "Estávamos em nossos 20, acho que nenhum de nós tinha mais de 30. Talvez George. George tinha 31, ele era velho. Isso era parte da diversão."

Ela continua:

Nós éramos a Aliança Rebelde do Star Wars original. Éramos jovens, guerreiros, fazendo o que nem nós mesmos entendíamos, sem nos importarmos com a qualidade. Eu só queria que o trabalho ficasse pronto.

Apesar de muitos desentendimentos entre o estúdio e a ILM (houve ocasiões em que representantes da 20th Century Fox chegaram ao complexo e encontraram os funcionários bebendo cerveja e usando uma jacuzzi instalada na área externa), eles não viviam em pé de guerra durante todo o tempo.

"Eu fiz a Fox fazer um trabalho por mim, então eu fiquei feliz", recorda, orgulhoso, Phil Tippett.

"Quando estávamos trabalhando na cena da cantina, tínhamos um espaço industrial enorme dividido por uma placa de gesso com outro espaço do mesmo tamanho. Daquele lado, havia uma banda de rock fazendo cover do Queen. Eles praticavam o dia todo e a parede era praticamente um amplificador. Não tinha como abafarmos aquilo. Então eu cheguei nesse cara enorme, usando sapatos de salto alto, e pedi pra eles abaixarem um pouquinho, e ele mandou eu ir me f*der. Então contamos para George."

"George veio com um representante do estúdio, que ligou para o representante da banda e falou: 'se você não quiser que esse grupo seja destruído, faça eles pararem de praticar durante o dia'. E funcionou."

A creche de George Lucas

Entre os acontecimentos lembrados com carinho dos dias iniciais da Industrial Light & Magic está a creche criada para os filhos dos funcionários.

Rose lembra por que a ideia foi revolucionária não apenas por abrir um precedente, mas por criar um ambiente seguro e estável:

"George se importa muito com crianças e, quando tive meu primeiro filho, ele disse que não queria me ver por perto pelos próximos cinco anos. Eu disse que tudo bem, mas que eu precisava me sustentar. Então, quando eu tinha uma criança de três anos, uma de quatro e estava com 9 meses de gestação, vendi a ideia de uma creche para a Lucasfilm. Estava em frente a um público enorme, falando para aquelas pessoas que queria ter seus bebês", ri.

"Naquele dia, ninguém me deu apoio. Mas a companhia seguiu em frente e fez a creche. Um mês depois, já estava com lotação. Se as pessoas estão felizes com onde seus filhos estão, elas vão ficar. Você pode oferecer um aumento de 50%, que elas não vão embora", ela conclui.

"Tirei muitos benefícios da ideia. Eu me lembro de ter sido promovida a vice-presidente executiva quando estava de licença-maternidade, o que é um bom exemplo de como a empresa é mesmo um grupo familiar", reflete Lynwen Brennan, que acumula também o cargo de gerente geral da Lucasfilm.

Para os envolvidos, toda essa história ajuda a explicar de onde vem o sucesso de Star Wars.

"George fez o filme para ensinar a pessoas a diferença entre o bem o o mal. Ele queria que as crianças entendessem que existe uma força maior que elas. Parcialmente, foi por causa da guerra do Vietnã. Ele diz que o caminho para a civilização é a cooperação e que as pessoas parem de matar", afirma Rose.

E mesmo que a trajetória de sucesso da saga espacial se mantenha até hoje, os executivos da ILM acreditam que a dinâmica com os estúdios, movida a brigas, desentendimentos e conflitos criativos, não mudou muito.

"Isso ainda está acontecendo, a história não mudou. Estúdios ainda vão rejeitar filmes como se fossem a pior coisa já feita, vamos recomeçar, vamos fechar. Um dos meus filmes recentes favoritos é 'La La Land', e eu não sei de onde ele veio. A mesma história daquele filme. Os estúdios precisam acreditar nas pessoas, nos cineastas. Confiar neles. Ninguém sabe de absolutamente tudo", reflete Dennis Muren.

"E chegamos a um ponto agora com Francis Ford Coppola perdendo a paciência e dizendo que não vai mais lidar com isso", completa Tippett. "Dizendo que vai pegar US$ 120 milhões do próprio dinheiro para fazer o filme que ele quer fazer há 30 anos. Ele que tem sorte."